Nota do Cimi: assassinato de Guarani e Kaiowá

Nota do Cimi: assassinato de Guarani e Kaiowá é resultado de ação policial ilegal e da omissão do Estado

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifesta sua solidariedade ao povo Guarani e Kaiowá e cobra justiça pelo assassinato de Vitor Fernandes…

“Eu vi, eu vi a aflição de meu povo (…) ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos.” Ex. 3,7

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifesta sua solidariedade à comunidade Kaiowá e Guarani do tekoha Guapo’y e aos familiares de Vitor Fernandes, vítima de uma violenta e ilegal ação de despejo praticada pela Polícia Militar (PM) do estado de Mato Grosso do Sul no dia 24 de junho de 2022.

A ação de despejo, sem mandado judicial e realizada por um grande contingente de policiais da tropa de choque da PM de Amambai (MS), resultou no assassinato de Vitor, indígena Guarani Kaiowá de 42 anos, e deixou pelo menos outros nove feridos por armas de e projéteis de borracha, alguns com gravidade.

Neste sábado (25), segundo informações do Hospital Regional de Amambai, três foram liberados da internação hospitalar, mas pelo menos quatro ainda se encontram em estado de maior atenção, inclusive com ferimentos por arma de fogo na cabeça e em outras regiões vitais do corpo. Um dos indígenas encontra-se na UTI de Ponta Porã.

Os relatos e imagens do ataque indicam que a PM fez uso de veículos, de armamento letal e não letal e, inclusive, de um helicóptero, utilizado como plataforma de tiro contra as famílias indígenas da retomada, incluindo e idosos.

Devido à desproporcionalidade e à truculência da ação policial, denominada pela Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá como “massacre de Guapo’y”, as lideranças ainda buscavam até este sábado por mais possíveis mortos e feridos, o que não se confirmou.

As fotos e vídeos que circulam nas redes sociais evidenciam que se tratou de uma operação de guerra contra a comunidade indígena, realizada sem autorização judicial, desvelando a opção das forças de do estado pelo agente invasor, no caso o agronegócio, o capital, a , a barbárie.

Nos últimos anos, o estado do Mato Grosso do Sul reuniu um amplo histórico de uso de forças de segurança pública, em especial a PM, em despejos ilegais e invariavelmente violentos contra indígenas. A desastrosa ação contra o Tekoha Guapo’y acrescenta mais um capítulo a esta triste história.

A justificativa apresentada pela Secretaria de Segurança Pública do estado, em entrevista coletiva sobre o caso, reproduz uma série de preconceitos contra os povos indígenas e não encontra respaldo na realidade dos fatos.

Ao contrário do que diz o estado, não se tratou de uma ação de combate ao tráfico de drogas, mas de uma ação de despejo contra uma retomada do povo Guarani e Kaiowá que não poderia ter ocorrido – porque não havia mandado judicial e porque disputas possessórias envolvendo povos indígenas são tema de competência federal, e não estadual.

O movimento pela retomada do tekoha Guapo’y, área contígua à Reserva Indígena de Amambai, iniciou-se no final de maio, quando o também Guarani Kaiowá Alex Lopes, de 17 anos, foi covardemente assassinado numa área que, segundo os Kaiowá e Guarani, pertencia à Reserva Indígena de Taquaperi, em Coronel Sapucaia (MS), mas foi apropriada por fazendeiros.

Na Reserva de Amambai encontra-se grande parte da família de Alex, que, sensibilizada pela dor da perda e pela necessidade de reaver áreas de ocupação tradicional do povo, decidiram retomar o tekoha Guapo’y, dois dias depois do assassinato. Acabaram inicialmente sendo expulsos por ação policial e de fazendeiros, mas retornaram, no dia 24 de junho, dispostos a ocupar a sede da fazenda.

Segundo os Kaiowá e Guarani, a área retomada foi subtraída da original da Reserva Indígena de Amambai – ela própria, fruto da de redução, confinamento e colonização implementada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) no início do século XX.

Ao longo das décadas, estas pequenas áreas – insuficientes para a sobrevivência física e cultural dos indígenas – foram sistematicamente invadidas e dilapidadas. Além de terem sido alijados de seu território de ocupação tradicional em nome de uma política de desenvolvimento lastreada na monocultura, mesmo as diminutas áreas reservadas aos Guarani e Kaiowá pelo SPI foram posteriormente reduzidas e transformadas em áreas sob disputa.

Na reserva de Amambai, mais de dez mil Kaiowá e Guarani vivem em apenas 2,4 mil hectares. A situação é um exemplo deste contexto de desrespeito à Federal, que garante aos povos originários o direito à existência e à regularização e proteção dos seus territórios.

Os povos indígenas, conscientes dos seus direitos, têm lutado para efetivá-los em processo permanente de diálogo com os poderes da República, em especial o Executivo e o Legislativo, o que tem sido negado, esvaziando, assim, o legado constituinte de 1988.

Em todo o , os povos indígenas têm se mobilizado e denunciado todo esse processo de violência incentivado pelo próprio Estado brasileiro, que vitima a eles e seus aliados, como no caso recente ocorrido com o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. A tragédia ocorrida no Mato Grosso do Sul contra os Kaiowá e Guarani corrobora essa denúncia.

O caso de Guapo’y também reforça a necessidade de o STF retomar o julgamento do Recurso Extraordinário de repercussão geral, em que se discute a tese nefasta e inconstitucional do , defendida pelos invasores e patrocinadores da violência contra os povos originários e suas lutas.

O Cimi manifesta-se contra qualquer tentativa de criminalização das vítimas deste ataque e conclama as autoridades e o Ministério Público Federal a tomar ações urgentes e efetivas para salvaguardar a vida das comunidades Guarani e Kaiowá. É necessário que a Polícia Federal assuma as investigações sobre o caso, com a atuação de um corpo de delegados e peritos federais de fora do estado, para garantir maior isenção.

Os clamores de justiça por Vitor Fernandes somam-se agora aos por Alex, Bruno e Dom, bem como por dezenas de lideranças Guarani e Kaiowá assassinadas desde Marçal Tupã’i.

Brasília, 25 de junho de 2022

http://xapuri.info/justica-decide-a-favor-do-povo-guarani-kaiowa-no-mato-grosso-do-sul/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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