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O ALUÁ

O ALUÁ

O Aluá

O aluá é uma bebida sertaneja, que eu imaginava de origem indígena, mas aprendi no Aurélio ser originária da África. Aliás, bastava pensar um pouco e não sair para conclusões xenófobas, pois o aluá leva especiarias que, evidentemente, os indígenas não conheciam.

Por Rachel de Queiroz

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Foto de Jorge Sabino

Antes que aparecessem os refrigerantes, o aluá era bebida indispensável em todas as festas do sertão (além da cachaça, é claro). Mas no NÃO ME DEIXES, o aluá continua a ser feito, em ocasiões festivas ou não.

Enche-se com água, de preferência água de chuva, um grande pote de barro. Nessa água põe-se de um a dois quilos de milho em grão torrado (não muito torrado, apenas tostado) e algumas rapaduras em pedaços.

Quando a rapadura estiver desmanchada, põe-se então os temperos: cravo, canela, erva-doce e gengibre. De vez em quando dá-se uma mexida com colher de pau, para derreter de vez a rapadura e incorporar os temperos ao líquido.

alua de milho

No dia seguinte, com o milho já fragmentado, o aluá ainda está meio sem graça, mas já com o seu gosto característico. No terceiro dia de fermentação ele estará picante e ligeiramente alcoólico.

Vai-se, então, tirando do pote a quantidade a ser servida, côa-se em pano novo e bem lavado, tudo sempre com muito cuidado, pois senão o aluá corre o perigo de “babar”, isto é, engrossar, perder a consistência puramente líquida e ficar meloso como uma calda, e aí não presta mais.

Se isso não acontecer, o aluá estará perfeito, e quanto mais tempo ficar no pote (um ou dois dias), maior teor alcoólico ele vai adquirir. Não preciso dizer que nesse ponto é que o aluá é mais apreciado. (Há também quem use pão dormido ou arroz para obter a fermentação. Quanto a mim e a todos lá de casa, sempre preferimos a aluá de milho).

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Rachel de Queiroz, em “O Não me Deixes” – livro da escritora sobre os usos e costumes na fazenda de sua  família no Ceará.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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