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O balé dos meninos que ninguém vê

O BALÉ DOS MENINOS QUE NINGUÉM VÊ

O balé dos meninos que ninguém vê

Eles, normalmente, vigiam carros ali pela Praia Grande. Moram na região, com as famílias, embolados nos cortiços seculares. No fim da tarde, antes de a bola de fogo afundar no mar, eles atravessam a avenida, penduram-se na muralha de contenção e se jogam num salto de liberdade.

Por Marcelo Abreu

É a diversão do fim do dia. A única a que têm direito. Os meninos da Praia Grande quase — ou nunca — atravessam a ponte que separa a ilha em duas cidades anos-luz uma da outra.

Uma feita de azulejos, lampiões e histórias.

A outra, de arranha-céus, equívocos mundos e valores tb equivocados e gentes, grande parte delas, que nunca viram os pequenos da Praia Grande voando para o mar.

E, na verdade, essas gentes não querem ver e nem se importam com os pequenos do Cais da Sagração. Eles são invisíveis.

Eu, quando estou na ilha, fico do outro lado da ponte. Na Praia da Ponta d’Areia. E, do outro lado, só o mar, à porta da minha Mamadi, me basta. Verdadeiramente. Os meus amigos sabem.

A vida real, a que quero viver, ouvir e me misturar vive nessa região onde estão esses pequenos que voam para o mar.

Os lampiões tb sabem. São os meus cúmplices.

Os pequenos que se jogam no mar, às barbas do Palácio dos Leões — símbolo de todo poder EFÊMERO (sim, e todos eles passam) — só querem ser felizes.

À maneira deles, fazem o que podem.

Os pequenos do Cais da Sagração, em cada salto, provam que a vida é feita de resistência brutal.

Eles certamente nunca leram ou ouviram falar do mineirinho Guimarães Rosa. Mas aprenderam na pele que ‘o que a vida quer da gente é coragem”.

Seu Rosa era timidamente sábio.

Silvia Estrela, nesta foto, “roubou” a alma dos pequenos do Cais da Sagração. Os índios são sábios. Eles dizem (ou diziam, quando se espantavam com os flashes que saíam das câmeras) que foto é “roubar a alma”.

Eles estavam certos.

Marcelo Abreu – Jornalista. Cronista da vida humana de todo dia. Sempre emocionante!

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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