O DESMONTE DA SEGURIDADE SOCIAL

O desmonte da Seguridade Social

Bolsonaro entregou pessoalmente ao Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na tarde desta quarta-feira, a proposta de reforma da Previdência, em meio a uma forte crise no governo envolvendo crimes eleitorais, com candidaturas laranja do PSL nas eleições de 2018, que resultou na demissão do Ministro-Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gustavo Bebiano.

Por Carlos Eduardo Gabas

O conjunto de medidas, chamado pelo Ministro Paulo Guedes de “Nova Previdência”, nada mais é do que um verdadeiro desmonte do nosso Sistema de Proteção Social com o objetivo de entregar a Previdência pública brasileira aos banqueiros, aumentando a remuneração do capital especulativo e concentrando riqueza nas mãos de quem já tem muito.

As mudanças propostas são um enorme retrocesso na garantia das condições mínimas de sobrevivência e na proteção dos trabalhadores e suas famílias, mas a sua face mais perigosa e cruel é a mudança do regime de repartição, baseado na solidariedade e no pacto entre gerações, para o regime de capitalização, que é individual, baseado no “esforço de cada um” para garantir sua aposentadoria. O modelo de capitalização foi implantado no Chile em 1980, sob a Ditadura Militar do General Augusto Pinochet, e o resultado é trágico: aumento da informalidade, restrição do acesso à aposentadoria, empobrecimento da população e aumento das desigualdades sociais, e por outro lado, aumento da concentração da renda, da riqueza e dos lucros dos banqueiros.

A proposta apresentada acaba com a aposentadoria por tempo de contribuição, exige idade mínima para todos os segurados, independente das atividades que exercem, e ainda aumenta o tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos. Essas exigências impõem uma verdadeira barreira para o acesso à aposentadoria.

Como se isso não bastasse, muda também a regra de cálculo dos benefícios e reduz o valor a 60% da média das contribuições. Quem quiser se aposentar com 100% do valor dessa média, terá que trabalhar e contribuir por, pelo menos, 40 anos. Após a reforma trabalhista do Governo Temer, a rotatividade e a informalidade aumentaram ainda mais, e por isso será quase impossível que os trabalhadores consigam se aposentar com o valor total do seu salário de benefício.

Os trabalhadores rurais, especialmente da agricultura familiar, responsáveis pela produção de mais de 70% do nosso alimento, não conseguirão mais se aposentar, pois o aumento do tempo mínimo de contribuição e da idade, além da exigência de contribuição para a Previdência independentemente de comercialização da produção, certamente impedirão o acesso ao seu direito garantido na Constituição de 1988, sendo obrigados a trabalhar até a morte.

Professores só poderão se aposentar a partir dos 60 anos, com tempo mínimo de contribuição de 30 anos e professores nos Regimes Próprios (servidores públicos), precisarão ainda de 10 anos no serviço público, e 5 no cargo.

A previsão de um sistema de capitalização, que será criado por lei complementar, associado à chamada “Carteira de Trabalho Verde e Amarela”, que não prevê direitos trabalhistas ou proteção previdenciária, e que será “opcional”, ameaça os trabalhadores que poderão ser obrigados a realizar a tal “opção”, pois não haverá vagas de emprego no modelo convencional.

De forma semelhante, esse tipo de “opção” ocorreu durante a ditadura militar com a criação do FGTS, na qual o direito de optar ficou nas mãos dos empregadores, que só admitiam quem “optasse” pelo FGTS, e em contrapartida, o trabalhador abria mão da estabilidade no emprego.

A pensão por morte, que hoje é de 100% do valor do salário ou da aposentadoria do segurado falecido, será de 60% do valor mais 10% por dependente adicional, o que representa fragilizar as pessoas que perdem os entes familiares segurados. As aposentadorias especiais de categorias expostas a risco ou agente nocivo serão submetidas a diferentes idades mínimas, o que na prática, extingue esse direito.

O grau de crueldade ultrapassa todos os limites ao propor a redução do BPC-Benefício de Prestação Continuada, destinado a idosos e deficientes pobres, que atualmente é de 1 salário mínimo, para 400 Reais. Essa crueldade também afeta as mulheres, que serão gravemente prejudicadas pelas altas idades mínimas, sejam as seguradas do INSS, urbanas ou rurais, as professoras do setor público ou privado e as profissionais da segurança pública.

O argumento de que a reforma é necessária para o Brasil voltar a crescer e a gerar empregos é uma verdadeira enganação. Já foi provado, especialmente nos governos do Presidente Lula, que é possível combinar crescimento econômico com formalização e criação de novos empregos, aumento de salários, distribuição de renda, inclusão social, redução da pobreza e superávit nas contas do Governo e da Previdência Social.

Sabemos que o nosso modelo de proteção social carece de atualizações de tempos em tempos, justamente para adequar as regras à evolução natural da sociedade e do mercado de trabalho, porém, essa atualização de regras só pode ser realizada através de um amplo debate na sociedade.

Esse sistema de proteção social é tão importante para o nosso país, que ninguém deve propor mudanças sem ouvir todos os atores envolvidos: os empregadores, os aposentados e pensionistas e os trabalhadores em atividade.

Reconhecemos os desafios demográficos do país e das transformações do mercado de trabalho, que cada vez mais substitui postos de trabalho por tecnologia, mas acreditamos que o maior desafio para que a Seguridade Social continue protegendo a sociedade, está na reorganização da sua base de financiamento, e para enfrentá-lo, propomos o fim das renúncias fiscais, a cobrança dos sonegadores, a revogação do perdão de dívidas realizadas no Governo Temer, a revogação da lei 13.586 (mais conhecida por MP do trilhão) proposta e aprovada em 2017 como um verdadeiro presente às empresas petrolíferas estrangeiras, que deixarão de pagar mais de 1 trilhão de reais aos cofres públicos, valor equivalente a toda a economia alcançada com a reforma proposta por Jair Bolsonaro.

Além disso, é urgente uma reforma tributária que seja justa com os mais pobres, que pagam muito mais impostos do que as classes mais favorecidas. Em nenhum momento a proposta trata de reestruturar a estratégia de financiamento do sistema.

Não prevê cobrar imposto ou contribuição social sobre dividendos, nem a extinção do absurdo privilégio das grandes empresas, que podem distribuir lucro disfarçado de juros sobre o capital próprio, nem a cobrança de imposto ou contribuição sobre as grandes heranças dos bilionários.

Por tudo isso é que devemos esclarecer a sociedade sobre as graves consequências que sofreremos, caso a proposta do governo Bolsonaro seja aprovada no Congresso Nacional. Só resta aos trabalhadores organizar a luta e a resistência para que os parlamentares não cometam esse crime contra a sociedade brasileira. Queremos reforma tributária já!

O que o Brasil precisa é voltar a crescer, gerar emprego e distribuir renda e riqueza, diminuindo a enorme desigualdade social que assola nosso país.

Carlos Eduardo Gabas foi ministro da Previdência Social entre março de 2010 e janeiro de 2011 e entre janeiro e outubro de 2015.

Fonte: https://lula.com.br/carlos-gabas-o-desmonte-da-seguridade-social/

Cerrado 03 Otoniel Fernandes Neto

Cerrado by Otoniel Fernandes

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Por Jacy Afonso de Melo

Política Nacional de Habitação: Avanços e Desafios

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA – mostram que o déficit habitacional teve uma redução de 8,04% entre 2009 e 2012 – Governos Lula/Dilma, e indicam que as políticas governamentais têm obtido algum sucesso na área.
Mas ainda há um esforço enorme a ser feito para que o déficit seja zerado o quanto antes. Atualmente o déficit está em cinco milhões de moradias e a estimativa é de que a demanda por habitação de baixa renda alcance 20 milhões de unidades em 2024.

Programa Minha Casa Minha Vida: Impactos Econômicos e Sociais

A criação da Política Nacional de Habitação, em 2005, promoveu condições de acesso à moradia, proporcionando crédito e subsídio do Estado e aumentando a aplicação de recursos públicos. Além de instituir um novo arcabouço institucional, fomentou a criação de planos estaduais e municipais de habitação, com ampla participação da sociedade.
A estabilidade econômica, a queda gradual das taxas de juros e o aumento da renda das famílias formam o cenário em que esse avanço aconteceu, alavancando o crescimento econômico e o nível de empregos. Em 2009, foi criado o Programa Minha Casa Minha Vida, que estabeleceu um leque amplo de estratégias para favorecer a aquisição da moradia, contando com recursos disponibilizados pelo FGTS, FAT, pela Caixa e pela União.
Até julho de 2014, segundo dados da Caixa, foram contratadas 3.553.314 unidades habitacionais por meio do Minha Casa, Minha Vida – MCMV, e investidos mais de R$ 223 bilhões. O Programa gerou mais de um milhão de empregos. Da sua criação até 2015, o FGTS, foi responsável pelo financiamento de 3,2 milhões de unidades, gerando mais de 10 milhões de empregos diretos e indiretos.
Para a professora da FGV Ana Maria Castelo, programas como o Minha Casa, Minha Vida (Faixa 1) devem ser transformados em políticas de Estado e superar questões como o valor do preço dos terrenos, a destinação de áreas para moradia de interesse social e a qualificação de mão de obra do mercado do setor. Na viabilização do Programa, essas tarefas são de responsabilidade dos municípios.

Saneamento Básico: Um Direito Essencial à Dignidade Humana

Como parte de um espaço habitacional adequado estão as condições de saneamento básico. Segundo informações do Ministério das Cidades 82,7% dos brasileiros são atendidos com abastecimento de água tratada, 48,3% da população têm acesso à coleta de esgoto e apenas 38,7% do esgoto do país é tratado. São ainda 34 milhões de brasileiros que não têm acesso à água encanada; 103 milhões de pessoas não estão conectadas às redes de esgoto.
São inúmeras as consequências diretas desses índices. Em 2013, segundo o Ministério da Saúde, ocorreram mais de 340 mil internações por infecções gastrintestinais, com custo médio de cerca de R$355,71 por paciente. Em 2012, cerca de 300 mil trabalhadores se afastaram do trabalho por diarreias e perderam 900 mil dias de trabalho.
Além dos inegáveis benefícios com qualidade de vida e saúde e da economia do país com redução de doenças associadas à falta de saneamento, a sua universalização tem potencial de gerar enormes oportunidades de emprego e renda. Criaria quase 500 mil postos de trabalho.
A Federação Nacional dos Urbanitários – FNU/CUT – recomenda um amplo programa de recuperação e revitalização dos operadores públicos de saneamento, se contrapondo à privatização desses serviços; a destinação de um percentual do PIB anual como forma de se atingir os investimentos necessários para que em 20 anos o País alcance a universalização do acesso; e a implementação de instrumentos de controle social para o acompanhamento e fiscalização das ações.
Segundo a Lei do Saneamento (Nº 11445/2007), todas as cidades devem ter um plano municipal sobre os serviços de água, esgotos, lixo e drenagem das águas pluviais, construído com a participação da população. A prefeitura elabora o plano, e o Governo Federal aprova, proporcionando que o seu município receba as verbas para obras.
As comunidades podem ter iniciativas importantes para garantir o cumprimento da legislação, organizando reuniões de estudos para avaliar os problemas causados pela falta de tratamento de esgoto e propor melhorias, formando grupos para atuar nas questões do saneamento local, chamando a prefeitura para participar.
Capacitar jovens da comunidade e agentes públicos para realizar pesquisas sobre a necessidade de saneamento e as consequências de sua falta, apresentando os resultados para a comunidade e para a prefeitura, é tarefa participativa que compromete os habitantes com as questões sociais.

A Importância do Controle Social no Saneamento e na Habitação

O acesso aos serviços de saneamento básico deve ser tratado como um direito do cidadão, fundamental para a melhoria de sua qualidade de vida e da saúde pública. Para tanto é indispensável a promoção do acesso universal a esses serviços, com preços e tarifas justas, mediante atendimento aos requisitos de qualidade e regularidade, com controle social.
Mudar o mundo a partir da aldeia. A cidade é da cidadania!
Cerrado 04 Otoniel Fernandes Neto
Pintura – Cerrado by Otoniel Fernandes 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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