O Dia dos Insurgentes
Hoje, a imagem virtual se faz gesto.
Concreto, corporal, denso:
na praça, na estação cerrada,
na moenda que não gira
para esgotar o suor do corpo.
Sem as mãos do petroleiro,
o óleo não brota do mar.
Da linha de montagem, em silêncio,
hoje não sairá uma única unidade.
sobre os trilhos
para conduzir os submissos
ao posto onde consomem
um dia dentro de outro dia,
a vida gris que lhes coube.
de carne, ossos e sonhos prendem
o espesso tecido de nossas esperanças
que agora se estende sobre a cartografia
do país: bandeira desatada
à maneira das chuvas de março.
Sobe desde a raiz da indignação
a seiva bruta que alimenta
o primitivo sentido de justiça
e nos faz a todos insurgentes contra a ordem da delação, da vilania,
do engano, da traição, da hipocrisia.
Contra a lógica de choque dos assaltantes
que nos saqueiam a casa antes que amanheça.Sementes de fogo iluminam avenidas desertas.
Contribuem talvez para dissipar a noite
e suspender a manhã que anunciamos.
Não vamos, em nome da paz,
– porque não haverá paz para os saqueadores –
domar a vontade de fazer em pedaços
a república que funda seus alicerces
sobre o pântano das delações.
onde o fogo for necessário
para que ouçam a voz
dos que sacodem,
ainda inocentes de sua força,
as estruturas dessa edificação,
em véspera de ruína.
cultivada no veneno das noites
e da amargura,
a ira é a explosão do espírito
frente à injustiça.
Já não há rebanhos de cordeiros
marchando dóceis rumo ao matadouro.Recusamos o destino
que o olho único do ciclope nos oferece.
Com as mesmas mãos que hoje paralisam o país
saberemos tecer com fios de espanto
outros destinos possíveis. Não seremos devolvidos à senzala.
Já inventamos quilombos.
Não seremos devolvidos à senzala. Insurgentes
Já subimos às favelas.
Já recusamos o cativeiro.Mal aprendemos o sabor da liberdade
e nos damos conta de que é preciso
vazar, sem piedade, Insurgentes
o olho onipresente do ciclope
que nos hipnotiza, nos cega,
nos reduz, nos escraviza.Chega o tempo de acelerar Insurgentes
o impulso das horas
e dizer ao país que somos
as mãos que movem as cidades,
e plantam o grão que nos alimenta.Hoje, a palavra se fez gesto.
E o gesto se fez classe.







