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O GAVIÃO

O GAVIÃO

O GAVIÃO

Tenho, prefiro dizer que tive, um gavião que ficou meu amigo. É uma história que vai melhor em verso: 

Por Thiago de Mello

Tardei tardes prolongadas

Para ter certeza

– pelo estremecer das asas brancas,

pelo brilho avermelhado do peito

e sobretudo pelo negro esplendor do seu bico –

de que era ele mesmo, o gavião.

Chegava de tardinha,

de começo desconfiado, olhando oblíquo,

e pousava, delicado como uma pomba,

no parapeito largo de itaúba,

e ali ficava me olhando,

a grossura das garras me assustando,

eu estirado na rede de tucum.

Demorava pouco, erguia voo,

sumia lá para as bandas do rio.

Um dia deu de me olhar diferente,

pulou pra o punho da rede e me disse

que gostava de mim. Era um gavião

pinagé, de rapina, mas de boa índole.

Comia os frutos das inajazeiras,

castanhas de caju, tucumãs velhos.

De tanto se sentir aconchegado,

acabou se fazendo companheiro

– sem precisar impor seu bom respeito –

de japiins, pipiras, saracuras

e até, Deus o louve, dos tucanos.

Comiam juntos na maior concórdia.

Na Cordilheira dos Andes, olhando o voo

de aguiluchos, parentes do condor,

sentia saudades do amigo da floresta,

Uma tarde chegou, ficou me olhando,

imóvel, largo tempo, depois voou,

regressou, pousou no parapeito,

não soube me contar sua tristeza,

que me doía tanto, e então se foi,

as asas lentas, desapareceu

no fim dos verdes. Nunca mais voltou.

<

p style=”text-align: justify;”>Thiago de Mello Aki e showThiago de Mello (1926-2022) – Poeta maior do Brasil e da Amazônia, em: Amazonas: Águas, Pássaros, Seres e Milagres. Editora Salamandra, 1998.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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