O martírio de Genivaldo

O martírio de Genivaldo

O martírio de Genivaldo

O cidadão brasileiro Jair Bolsonaro, 67 anos, não estava usando capacete quando pilotou uma motocicleta no último dia 07 de maio, em Santa Rosa, no

Por Marcelo Canellas

O senhor Bolsonaro evidentemente não cometeu nenhum crime. O que ele cometeu, segundo o Código Brasileiro de Trânsito, foi uma infração pela qual deveria ter sido advertido de forma cordata pela autoridade policial e lembrado de que o capacete é um equipamento obrigatório visando a sua própria proteção como condutor. Não se tem notícia de que tenha sido abordado, admoestado, alertado e nem instado a pagar a multa de R$ 293,47 que a legislação prevê. Nem nesta nem em outras vezes em que foi filmado e fotografado sem capacete andando de moto como piloto ou carona. Foi assim em Guarujá (SP), Quixadá (CE) e numa sobre o rio Madeira, em Rondônia.

O cidadão brasileiro Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, não estava usando capacete quando pilotou uma motocicleta no último dia 25 de maio, em Umbaúba, litoral sul de . O senhor Genivaldo também não cometeu nenhum crime, o que ele cometeu foi a mesma infração de trânsito. Apesar disso foi arrancado a tapas de sua moto por policiais rodoviários federais. Depois foi xingado, empurrado, derrubado e manietado. Em seguida foi arrastado até a viatura policial e jogado no porta-malas. Os agentes federais que o contiveram dentro do camburão jogaram uma bomba de gás lacrimogênio no compartimento. As pernas de Genivaldo, agitadas em desespero, ficaram para fora. Aos gritos, sufocado pelo gás, suplicava que o libertassem. As pessoas em volta fizeram o mesmo, no que foram ignoradas pelas autoridades policiais. Genivaldo morreu asfixiado.

Há uma diferença óbvia entre os personagens desses dois episódios. Um é presidente da república e o outro não. Mas Genivaldo morreu menos pelo que não é e mais por aquilo que é. Genivaldo é negro. Genivaldo é pobre. Genivaldo é uma pessoa com deficiência. Genivaldo tem transtornos mentais. Genivaldo é o tipo de cidadão cuja vulnerabilidade e fragilidade extremas mereceriam a proteção do Estado, o mesmo Estado que o assassinou. São muitos os elementos simbólicos que tornam esse homem simples de Sergipe um mártir do de hoje. Quando foi violentamente agredido pelos agentes de que deveriam protegê-lo, as armas que Genivaldo tirou do bolso foram uma receita médica e uma cartela do remédio que usa par a tratar a esquizofrenia de que padecia desde a adolescência. Ele tentou se defender expondo sua intimidade, expondo a condição de sua mental. Teve como resposta a truculência que o levou à .

A nota oficial imediatamente divulgada pela Polícia Rodoviária Federal é um escárnio. Afirma que Genivaldo “resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe da PRF” e que em razão de sua “agressividade” foram empregadas “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção”. As imagens que correram o mostrando claramente a tortura e a transformação de um veículo oficial em câmara de gás tornam ainda mais vexatória essa primeira manifestação institucional. Só no dia seguinte a PRF divulgou nova nota em que “reforça o compromisso com a transparência e isenção” e anuncia o afastamento dos agentes. As devidas investigações da PF e da PRF foram abertas.

Genivaldo não tinha condenações nem respondia a processos na Justiça. Aposentou-se cedo por causa da esquizofrenia que mantinha sob controle com tratamento contínuo. Deixa a e um filho de 7 anos. O que fizemos com ele, como Estado e como sociedade, é inaceitável. Um policial torturar e matar um cidadão indefeso é inaceitável. Tergiversar com eufemismos sobre policial é inaceitável. O elogio da barbárie é inaceitável. Para além das providências protocolares, a morte de Genivaldo, mártir do Brasil, só será elucidada a partir da premissa do inaceitável.

Marcelo Canellas – Jornalista

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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