O RECADO DE WALTER SALLES

O RECADO DE WALTER SALLES

O RECADO DE WALTER SALLES

Só a extrema direita, abalada pelo Oscar, deseja que a conquista de “Ainda Estou Aqui” seja uma pauta esgotada. Não é. É agora, quando o ano começa, que as forças da democracia são desafiadas a lutar pelo que mais importa hoje, a preservação consequente da memória dos perseguidos pela ditadura

Por Moisés Mendes 

É o que mais o filme nos ensina. Vamos continuar falando das lições de Eunice Paiva e da decisão de Walter Salles Júnior de divulgar o discurso escrito, que não leu em Los Angeles, com o recado a adoradores de ditadores e torturadores. Não importa se o diretor perdeu mesmo o papel com o que havia escrito ou se apenas desistiu do roteiro. Até essa dúvida nos diverte. Com o discurso escrito tornado público, Salles nos oferece um segundo Oscar.

Vale relembrar que, no momento em que se prepara para falar no palco, o cineasta pega os óculos, como se fosse ler algo, e leva a mão ao bolso do casaco. Mas recua e não chega a enfiar a mão no bolso.

Optou pelo improviso? É um detalhe que vale agora como curiosidade. Importa que o discurso escrito foi divulgado, como um recado muito mais para os brasileiros.

É uma mensagem forte antiditadura e antifascismo que poderia não ter lá, naquele ambiente, a força que tem aqui. O trecho mais incisivo, que está no discurso escrito, é este: “Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam conosco”. E encerra com o grito de guerra da resistência: “Viva a Democracia, Ditadura Nunca Mais!” Com palavras em letras maiúsculas.

Por que divulgar o discurso escrito? Por isso mesmo. Para dizer que contém frases de advertência à extrema direita. Um recado que, sendo dado por um brasileiro, poderia ter pouco impacto no meio da festa nos Estados Unidos, mas tem repercussão no Brasil.

Tanto que foi parar na capa de todos os jornais e repercutiu também lá fora. Walter Salles cometeu o esquecimento de propósito? Se foi assim, está valendo. Abaixo, os dois discursos. 

Primeiro, o feito de improviso: 

Em nome do cinema brasileiro, é uma honra tão grande receber esse prêmio de um grupo tão extraordinário. Vai para uma mulher que, depois de uma perda tão grande em um regime tão autoritário, decidiu não se dobrar e resistir. Esse prêmio vai para ela: o nome dela é Eunice Paiva. E também vai para as mulheres extraordinárias que deram vida a ela. Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. 

E finaliza, citando executivos da Sony, produtora internacional do filme.

E esse é o discurso escrito: 

Obrigado, em nome do cinema brasileiro. Agradeço à Academia por reconhecer a história de uma mulher que, diante de uma tragédia causada por uma ditadura militar, optou por resistir para proteger sua família. Em um tempo em que tais regimes estão se tornando cada vez menos abstratos, dedico esse prêmio a Eunice Paiva e a todas as mães que, diante de tamanha adversidade, têm a coragem de resistir. Que nos ensinam a lutar sem perder a capacidade de sorrir, mesmo quando elas se sentem frágeis. Este prêmio também pertence a duas mulheres extraordinárias, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. Elas não apenas elevaram nosso filme, mas representam o fato de que a arte resistiu no Brasil. Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam conosco. Obrigado a todos, em nome do cinema brasileiro e latino-americano! Viva a Democracia, Ditadura Nunca Mais! Walter Salles

Na coletiva que deu depois do prêmio, Salles disse sobre o texto escrito: “Eu terminava dizendo: Viva a democracia, ditadura nunca mais. Eu gostaria de ter falado essa parte em português. Era a única parte em português e estou feliz em poder dizer isso hoje”.

Mas perdeu o bilhete? Desistiu e improvisou. Não faz mal. Pronto, está dito: Viva a democracia, ditadura nunca mais. Agora, é agir politicamente, em todas as frentes, para que prevaleçam a verdade, a memória e a justiça.

b3d49aaf 0cc1 46fd 80e6 569ceb2d8819 1

<

p style=”text-align: justify;”>15721047Moisés Mendes – Jornalista, autor de Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero Hora, de Porto Alegre. Matéria publicada originalmente no Brasil 247.

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

REVISTA