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O SONHO QUE CRESCE NO CHÃO DA FLORESTA

O SONHO QUE CRESCE NO CHÃO DA FLORESTA

O sonho que cresce no chão da  

E termino este aceno de mão agradecida/com o abraço das crianças amazônicas/que ainda vão nascer, abençoadas/pelo majestoso arco-íris de amor./que se segue, úmido de seiva,/das terras firmes do alto-Xapuri/com as de todas as raças humanas

Por Thiago de Mello

O SONHO QUE CRESCE NO CHÃO DA FLORESTA
Fotomontagem: Vozes da Floresta/Acervo Comitê Chico Mendes

Não frequentas mais,

de corpo comovido,

os espaços do mundo.

A medida do tempo não te alcança.

Já ganhaste a dimensão do sonho,

és luzeiro da esperança.

 

Trinta anos são só um sinal

Que a memória nos serve

para dizer que te amamos,

Irmão dos mananciais.

 

Chegado foste ao mundo,

De coração já acreano

— a fronte estrelada,

O peito caudaloso –,

para que te cumprisses

na construção do triunfo

do que no homem é grandeza,

é orvalho e lúcida bondade.

 

Atendias e atendes altivos chamados:

a floresta e os seus povos

e, deixa que eu te diga,

o povo geral do mundo,

precisava e precisam

constantes da esperança

com que semeavas e semeias

o poder da descoberta

de que o amor é possível.

Os inimigos da vida,

com medo da aurora,

ceifaram ferozes

o teu caminho escrito

por indeléveis letras.

Só porque tiveste

O dom de sonhar,

Como convém e é bom,

com os pés fincados

na verde verdade do chão

de cada dia.

 

Doidos por te dar sumiço

cuidavam que podiam

amordaçar a fé

no reinado da justiça

e converter em moeda

o esplendor da primavera.

 

Nem pressentir podiam

que és da estirpe de seres

destinados a durar

No caminho dos homens.

Agora inabalável,

Prescindes do corpo

Para prosseguir plantando

e repartindo sementes.

Perduras e és conosco.

Nos levas, te levamos.

Eis que a vida do homem

é o que ele faz e fala,

escreve e canta: Vives:

dás fundamento ao por vir.

 

A tua própria morte

nos alcança a fundura

mais azul do peito

com um brado companheiro,

que nos chama, nos clama,

é chama que nos chama

para amassar o barro,

preparar a pizzarra

aparelhar os esteios

de massaranduba,

Itaúba, pau d´arco

e, pacientes, construir

as esplêndidas cidades.

 

Com a mão da sagrada ira

escreves os algarismos sinistros

dos hectares de esmeraldas

devorados pela hedionda lâmina

de gás, fogo e ingratidão.

E logo nos atravessas

a espessura das cinzas

desviando os apelos

das veredas injustas.

 

Por isso te canto, irmão.

Tu nos fazes capazes

(o ferrão da fera dói)

de cuidar do chão e do céu

deste reino da claridão

nosso berço e morada,

que nela e dela vivemos.

 

Avançamos pelas sendas

que ajudaste a abrir

e para que não nos percamos,

cuidadosos dos atalhos,

deixaste os candeeiros

da perseverança acesos

nos troncos das seringueiras,

nas sacopemas das sumaumeiras,

nas palmas das inajazeiras,

nas folhas das imbaúbas

que guardam o segredo do sol

e até nas favas morenas

da acapurana menina

tua companheira de empate.

 

É preciso dizer que às vezes

nos morde a sombra do desânimo

e nos estremece a fúria

dos terçados da opulência

que não dorme e é cheia de olhos.

É quando os pássaros da floresta

nos acodem confiantes

(as corujas prolongam

as suas despedidas das estrelas)

cantando as sílabas alegres

do teu nome de menino.

 

Vêm no meu canto o rumor

dos remos dos pescadores

a alegria da palmeira

abraçada pelo vento;

o papagaio banda-de-asa

dos meninos da várzea,

barrigudinhos, magrelos,

mas que já estão na escola

(às vezes dormem com fome,

Viva o chibé de erva-cidreira).

 

Trago o grito ensandecido

dos pássaros de asas queimadas

pelas brasas dos desumanos;

o suor contente das quebradeiras de coco,

das fazedoras de farinha d´água

das amassadoras de açaí.

 

E termino este aceno de mão agradecida

com o abraço das crianças amazônicas

que ainda vão nascer, abençoadas

pelo majestoso arco-íris de amor.

pelo majestoso arco-íris do amor

que se segue, úmido de seiva,

das terras firmes do alto-Xapuri

com as cores de todas as raças humanas.

O SONHO QUE CRESCE NO CHÃO DA FLORESTA
No Amazonas é assim

Thiago de Mello ancestralizou em 14.01.2022.  Poeta maior do Brasil e da Amazônia. entregue em mãos para Zezé Weiss, como presente para ser publicado no livro Vozes da Floresta, uma biografia coletiva de Chico Mendes, Xapuri, 2008.

“ME DESPEÇO PARA PERMANECER”

“Como quem reparte pão, como quem reparte estrelas, como quem reparte flores, eu reparto meu canto de amor. Com uma estrofe apenas, eu me despeço – para permanecer com vocês. Me despeço para permanecer”. 

fala do poeta, escritor, jornalista e tradutor Thiago de Mello foi pronunciada em um evento na Biblioteca Mário de Andrade, em , em comemoração aos seus então 90 anos. Nesta sexta-feira (14 de janeiro de 2022), aos 95, morre o gigante da literatura brasileira. Mas permanece. 

A causa de sua morte ainda não foi divulgada. De acordo com a Folha de S. Paulo, familiares informaram que ele partiu dormindo.  

A vasta obra de Thiago de Mello já foi traduzida para cerca de 30 idiomas. O seu livro mais recente – um texto antigo mas até então inédito – foi publicado em 2020 pela editora Valer, sob o título Notícias da visitação que fiz no verão de 1953 ao Rio Amazonas e seus barrancos.  

Entre seus muitos livros de poesia estão A lenda da rosaPoesia comprometida com a minha e a tua vidaMormaço na florestaVento geral e Num campo de margaridas

Faz escuro, mas eu canto 

Nascido em 1926 em Barreirinha, no interior do Amazonas, Mello cursava medicina no Rio de Janeiro na década de 1950 quando resolveu levar alguns de seus versos para Carlos Drummond de Andrade. Disse que pensava em abandonar a faculdade e se dedicar às letras. O já consagrado escritor desaconselhou o jovem: viver de poesia não é coisa fácil. Mello o desobedeceu.   

Chegou a trabalhar como adido cultural na Bolívia, no Peru e no Chile, mas em curto tempo teve a carreira diplomática interrompida pelo golpe militar brasileiro, em 1964. Quando deflagrado, Mello estava a trabalho na capital chilena e recebeu a notícia de Salvador Allende que, dali a nove anos, sofreria um golpe ele próprio. 

Nesse momento Thiago de Mello começou a escrever o que se tornaria um dos seus mais conhecidos poemas: Os estatutos do homem.  

Nele, o poeta decreta: “Fica proibido o uso da palavra liberdade / a qual será suprimida dos dicionários / e do pântano enganoso das bocas. / A partir deste instante / a liberdade será algo vivo e transparente / como um fogo ou um rio / e a sua morada será sempre o coração do homem”. 

O texto compôs o livro Faz escuro, mas eu canto: porque a manhã vai chegar, publicado em 1965 e cujo título – trecho do poema Madrugada Camponesa – foi tema da mais recente Bienal de São Paulo, realizada em setembro de 2021.  

Uma versão musical de Faz escuro, mas eu canto foi feita em parceria com o sambista Monsueto Menezes e gravada por Nara Leão.  

Por sua luta contra a ditadura militar, Thiago foi preso por cerca de um mês e meio. Em 1965 participou de um protesto no Rio de Janeiro feito por intelectuais e artistas, em frente ao hotel Glória. Na ocasião, ele foi um dos detidos que ficaram conhecidos como os “oito da Glória”. Entre eles, estavam Carlos Heitor Cony, Antonio Callado e Glauber Rocha. 

Em 1969, o poeta partiu para o exílio. Viveu na Argentina, em Portugal e no Chile.  

Conviveu com alguns dos maiores escritores latino-americanos, tais como Mario Benedetti, Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez e Pablo Neruda. Este último, por quem nutriu amizade, teve livros traduzidos ao português por Thiago de Mello.  

Em defesa das florestas

Desde que retornou do exílio nos anos finais da ditadura militar, Mello viveu, até seus últimos dias, no Amazonas.  

A terra onde nasceu foi homenageada em seus versos, suas lutas e também nas suas publicações em prosa, como nos livros Manaus Amor e MemóriaAmazonas, pátria da Água e Amazônia – a menina dos olhos do mundo

Em entrevista concedida à Revista Princípios em 2014, Thiago de Mello já alertava para os impactos negativos do aquecimento global na vida da floresta amazônica.  

“Eu busquei contribuir para o conhecimento da floresta com meus livros. São seis ou sete livros só sobre a vida na floresta: suas lendas, seus mitos, seus milagres, suas grandezas, suas misérias também…”, relata o poeta amazonense.  

Na mesma entrevista, o escritor afirma que “quando parcela de um povo se conscientiza, sabe as razões por que esse povo está sendo oprimido, a primeira coisa que faz é querer organizar-se, organizar-se para lutar”. E completa: “Esse povo conscientizado vai crescer e vai ser invencível”.

Edição: Ednilson Valia e Vinícius Segalla. Matéria publicada no Brasil de Fato em 14/01/2022. 

O SONHO QUE CRESCE NO CHÃO DA FLORESTA
Foto: Instituto

CHICO MENDES

Por Dilva Frazão –  Biblioteconomista e professora/Brasil Escola 

BIOGRAFIA

Chico Mendes (1944-1988) foi um líder seringueiro, sindicalista e ativista ambiental brasileiro. Lutou pela preservação da Floresta Amazônica e suas seringueiras nativas. Recebeu da ONU o Prêmio Global de Preservação Ambiental.

Chico foi assassinado, em 1988, pois contrariava os fazendeiros que desmatavam a região da floresta.

Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, nasceu em Xapuri, Acre, no dia 15 de dezembro de 1944. Filho do seringueiro Francisco Alves Mendes e de Maria Rita Mendes, desde acompanhava seu pai pela floresta e já presenciava o desmatamento na região. Sem escolas, só foi alfabetizado com 19 anos de idade.

Sindicalista

Em 1975, Chico Mendes iniciou sua atuação como sindicalista, foi nomeado secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Basileia. No ano seguinte iniciou sua luta em defesa da posse de terra para os habitantes nativos da região.

Chico criou os “empates” – forma de luta pacífica para impedir o desmatamento da floresta, onde toda a comunidade se mobilizava e fazia barreiras com o próprio corpo nas áreas ameaçadas de destruição pelos serralheiros e fazendeiros.

Ativista Ambiental

Em 1977 participou da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. Nesse mesmo ano foi eleito vereador pelo MDB. Recebeu as primeiras ameaças de morte por parte dos fazendeiros. Em 1981 assumiu a direção do Sindicato de Xapuri, tornando-se presidente.

Em 1982 candidata-se a deputado federal pelo PT, mas não consegue se eleger. Em 1984 foi acusado de incitar os posseiros a praticar violência. Julgado pelo Tribunal Militar de Manaus foi absolvido por falta de provas.

Em outubro de 1985 Chico Mendes liderou o Primeiro Encontro Nacional de Seringueiros quando apresentou a proposta da “União dos Povos da Floresta” – um documento que reivindicava a união das forças dos índios, trabalhadores rurais e seringueiros, em defesa e preservação da floresta Amazônica e das reservas extrativistas em .

O ativista denunciou também o constante massacre sofrido pelos povos indígenas. Nessa época, criou o Conselho Nacional dos Seringueiros.

Repercussão internacional

A liderança de Chico Mendes na luta dos seringueiros e na preservação da floresta, atingiu repercussão nacional e internacional. Em 1987 proferiu um discurso na reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Miami (EUA), denunciando a destruição da floresta e solicitando a suspensão do financiamento para a construção da BR – 364, que atravessaria o estado de Rondônia e chegaria ao Acre.

O objetivo da rodovia seria criar um caminho para escoar a produção gerada pelos estados amazônicos e pelo Centro Oeste, que chegaria ao Pacífico pelo porto peruano.

Nesse mesmo ano Chico Mendes recebeu, em Xapuri, uma comissão da ONU, que viu de perto a destruição da floresta e a expulsão dos seringueiros. Dois meses depois o financiamento foi suspenso e o BID exigiu do governo brasileiro o do impacto ambiental na região.

O Senado americano, onde Chico Mendes também foi convidado a falar, fez recomendações a diversos bancos que também financiavam projetos na região. No mesmo ano Chico Mendes recebeu da ONU o Prêmio Global 500, de Preservação Ambiental.

Em 1988 foi criada no Acre, a União Democrática Ruralista (UDR). Nesse mesmo ano Chico Mendes participou da criação da primeira reserva extrativista do Acre. Após a desapropriação das terras do fazendeiro Darly Alves da Silva e de receber ameaças de morte por prejudicar o progresso da região, Chico Mendes denunciou o fato às autoridades, pedindo proteção, o que não ocorreu.

Durante o Terceiro da CUT, Chico Mendes voltou a denunciar as ameaças que vinha recebendo. A tese que apresentou – “Defesa do Povo da Floresta” – em nome do sindicato de Xapuri, foi aprovada por unanimidade e Chico Mendes foi eleito suplente, na direção da CUT.

Morte

Durante todo o ano de 1988, Chico Mendes recebeu ameaças de morte por grupos ligados à organizações clandestinas que desmatavam a região. Após inúmeros conflitos, Chico Mendes foi assassinado com tiros de escopeta ao sair de sua casa em Xapuri.

Em 1990 os acusados de sua morte, o fazendeiro Darly Alves da Silva, o mandante, e seu filho Darci Alves da Silva, o executor, foram julgados, condenados a 19 anos de prisão e levados para a Penitenciária de . Três anos depois eles fugiram e só foram recapturados em 1996. Em 1999 conquistaram liberdade condicional.

Chico Mendes faleceu em Xapuri, no Acre, no dia 22 de dezembro de 1988, deixando a esposa Ilzamar Gadelha Mendes os filhos Sandino e Elenira e Ângela, filha do primeiro casamento.

 

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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