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“O tempo está cosendo o manto com o qual um mártir deixará a prisão”

“O tempo está cosendo o manto com o qual um mártir deixará a prisão”

MANTILHA

Por Marcilio Godoi
O tempo está cosendo o manto
com o qual um mártir deixará a prisão.

Não é capa de herói, asas de anjo
impermeável capotão ou escudo.

Não encobrirá nada, nada
ao estilo de generais prussianos
pois que sua pele, sua prole
sem dinastia ou coroa nada pedem
como tratos de príncipes ou ritos
de majestade mortificada.
Está mais para o mantô de Arthur Bispo do Rosário,
que não era imperador, mas gente de pessoa.
E será o seu manto de apresentação:
sobreveste bordada com zêlo
sem os estereótipos do estilo
e já sem vaidade alguma
em linhas desfiadas de passagens
tiradas de sua própria biografia.
Poder-se-ão ler ali escritas
em seu forte poncho indígena
sagrado, consagrado por vias
não eclesiásticas, brasilatinas,
palavras simples como o nome
dos lugares pelos quais passou,
a graça de pessoas que por ele
guardam estima, idolatria ou respeito,
talvez alguma palavra triste, ignominiosa
como lawfare ou condução coercitiva.
Será sua veste de adoração
ao país pelo qual se devotou inteiro,
fato de povo, pés no chão, tecido sem renda
cru como o corpo, a alma,
a terra, a multidão fiel.
Para ser usado ao sair da cadeia,
sem nobilidade comprada,
tratar-se-á de um simples sobretudo.
Sobretudo, inocente.

Quem é Marcilio Godoi?

Escritor e poeta. “Born to be uai”.

Marcílio Godoi é doutorando em pela FFLCH/USP, mestre em Crítica Literária e Literatura Brasileira pela PUC-SP e jornalista diplomado pela Faculdade Cásper Líbero. Possui diploma também em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG e estudou na Escola Guignard – UEMG, em Belo Horizonte. Foi colaborador mensal na Revista Língua Portuguesa e é professor semestral convidado do GV PEC Comunicação Corporativa – FGV/SP. Publicou, entre outras obras, Estados Úmidos da Matéria (Editora Patuá, 2016); A Inacreditável História do Diminuto Senhor Minúsculo (SM Edições, 2013); Pequeno Dicionário Ilustrado de Palavras Invenetas (Sagui, 2007); São Paulo Cidade Invisível, Uma Reportagem Afetiva (Letras e Expressões, 2004); A Pequena Carta, Uma Fábula do Descobrimento do (Bom Texto, 2002). Venceu o Prêmio Barco a Vapor (Edições SM), em 2012, e o Grande Prêmio Cásper Líbero, em 2003.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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