O veneno do dendê
O Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos. Essa notícia não é boa para nenhum país, mas pode ser pior. Estamos usando produtos que já foram banidos na Europa.
Felício Pontes Jr.
A consequência desse fato não é apenas o dano à saúde das comunidades vizinhas da área onde se usa o produto. Todos estamos sendo contaminados quando fazemos uso ou comemos alimentos com alta incidência de agrotóxicos.
No intuito de ser mais uma forma de “desenvolver” a Amazônia, o governo federal, em 2004, criou o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, mas foi a partir de 2010 que a produção deslanchou. Seu objetivo era utilizar áreas degradadas para cultivar dendê. Dos 31,8 milhões de hectares disponíveis para esse plantio, quase 30 milhões de hectares estão na Amazônia Legal.
Parte dessa área está nas mãos de agricultores familiares. Assim, a ideia foi financiar não apenas as grandes empresas que se dispusessem à empreitada, mas também os pequenos agricultores. E centenas foram seduzidos, principalmente no Pará.
O problema maior é o uso de agrotóxico nessa cultura. O Organização Não Governamental (ONG) Repórter Brasil vem assumindo um jornalismo investigativo sobre o dendê na Amazônia. Suas constatações são estarrecedoras. Ela descobriu que em 166 mil hectares são utilizados cerca de 332 mil litros de herbicida todo ano.
Como estamos falando da Amazônia, onde há alta ocorrência de cursos d´água e de chuva, há risco tanto para as comunidades quanto para a biodiversidade animal e vegetal expostas à contaminação.
AGROTÓXICO NA CULTURA
E a contaminação foi inevitável. A Repórter Brasil detectou que, no Baixo Tocantins, no Pará, o agricultor Antônio Ribeiro possui um pequeno lote na comunidade Castanhalzinho, bem ao lado de um grande plantio de dendê.
Ele narra que “nos dias de aplicação do veneno no dendê a família tem sofrido com fortes dores de cabeça. Ontem mesmo passei 24 horas no hospital por conta da dor”, diz o agricultor.
Segundo ele, não é possível manter nenhuma criação de aves, como galinhas e patos. “Eu até tentei, mas aí elas ficam doentes, começam a melar o bico, e morrem. Não sei dizer se é por causa do veneno, mas acredito que sim”, conta Antônio.
O principal problema da família, no entanto, é que a única fonte de água para o consumo, um poço artesiano, está localizada a menos de 50 metros do dendezal.
No fim de 2014, uma das maiores instituições de pesquisa da Amazônia entrou na briga. O Instituto Evandro Chagas divulgou estudo que avaliou as águas superficiais e sedimentos em uma área de 840 quilômetros quadrados, no Baixo Tocantins, e detectou a contaminação por agrotóxico utilizado na cultura do dendê em 14 dos 18 pontos coletados.
Próxima dessa área, localiza-se a Terra Indígena Turê-Mariquita. O cacique Raimundo Tembé informa o que anda ocorrendo naquela região: “As caças diminuíram com os venenos que são jogados, contaminando os igarapés. Encontraram um tatu morto, o que não é normal de se ver…”.
É necessário, urgentemente, rever o programa de biocombustível e uso de agrotóxico. Qualquer monocultura na Amazônia agride a vocação natural da região, que detém a maior biodiversidade do planeta.
Felício Pontes Jr. – Procurador da República. Escritor, em Povos da Floresta – Cultura, Resistência e Esperança. Paulinas, 2017.