Os evangélicos, o vírus e o verme
Por Marco Fernandes, Delana Coraza e Angélica Tostes
O agravamento da pandemia do Covid-19 no Brasil contribuiu para o maior isolamento político do presidente Jair Bolsonaro desde sua posse. Graças às suas atitudes irresponsáveis e seus desastrados pronunciamentos oficiais – chamando a epidemia de “gripezinha”, desqualificando as medidas de contenção do vírus e até mesmo expondo centenas de pessoas ao risco de contaminação com seus “rolêzinhos da morte” na capital federal – o presidente perdeu importantes aliados, se distanciou de outros, deu munição de sobra para os ataques da oposição e até despertou rumores sobre seu possível afastamento, por renúncia ou impeachment.
Aparentemente, são pequenas as chances de que Bolsonaro deixe de ocupar a presidência a curto prazo. Mas o último embate na segunda-feira (6) entre ele e o ministro da saúde, Luiz Mandetta – que apoiado pelos militares se manteve no cargo contra a vontade expressa do presidente – deixou claro que a última palavra sobre as medidas contra a epidemia já não são suas, fortalecendo os recentes boatos de que Bolsonaro estaria perdendo poder nos bastidores de seu próprio governo.
Nas últimas semanas, o presidente perdeu apoio de setores da direita, de parte da cúpula militar e de alguns de seus ministros mais importantes, como Paulo Guedes e Sérgio Moro, que defenderam publicamente a quarentena. Até mesmo os evangélicos pentecostais e neopentecostais – uma de suas bases de apoio mais fiéis – tomaram distância de sua estratégia suicida, com algumas poucas exceções. Um grande indício disso é a ministra Damares Alves, a mais representativa evangélica do governo, sempre na linha de frente da defesa de Bolsonaro, cujo silêncio a respeito da epidemia até agora é bem revelador.
Enquanto o presidente atacava as medidas de contenção do vírus, a maioria das grandes denominações recuava e deixava de promover cultos em suas igrejas e passaram a transmiti-los pela internet, mantendo os fiéis em casa. Apesar do alinhamento político com Bolsonaro, os pastores midiáticos mantiveram o bom senso e não aderiram à cruzada negacionista de seu líder. Nos corredores do Judiciário, no entanto, Bolsonaro mantinha a batalha sob pressão de alguns membros da bancada evangélica.
No último dia 27 de março, o Ministério Público Federal havia entrado com um pedido na justiça para proibir o presidente de adotar medidas contrárias ao isolamento social, conforme orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Dois dias depois, Bolsonaro disse que haveria uma “guerra de liminares”. Logo na sequência, enquanto fazia um pronunciamento fingindo recuar, a Advocacia Geral da União (AGU) recorreu ao TRF-2, e o desembargador Reis Friede (que também é professor do Estado Maior da Aeronáutica e do Exército, faz apologia do golpe de 1964 e acha que Bolsonaro vai salvar o país) derrubou a liminar que mantinha igrejas e casas lotéricas fechadas e decidiu que, por promoverem “atividades essenciais” à população, ambas deveriam permanecer abertas. Na prática, os cultos estavam liberados desde então. Mesmo assim, a maioria das grandes igrejas manteve a orientação de não realizá-los, contrariando o presidente. No dia 2 de abril, a Justiça Federal de Brasília concedeu mais uma liminar proibindo os cultos.