Os meninos que ninguém vê (Só o lampião)
Por Marcelo Abreu
Eles moram nas redondezas do Centro Histórico, ali nos muitos cortiços. Brincam de se jogar na maré, quando ela explode nos paredões, espirrando sal para salgar a vida.
Os pequenos que ninguém vê pescam com anzóis artesanais, feitos em casa.
Tudo que conseguem pescar levam para casa. Será o jantar da noite.
São as únicas diversões a que têm direito. Até ir às praias, atravessar a ponte é muito difícil pra eles. A praia do outro lado, a mais próxima, a da Ponta d’Areia, virou elitista demais. Há uma área onde sequer lhes é permitido sentar ou passear. Serão vistos com desconfiança.
Algum segurança, da mesma cor deles, às vezes da mesma área, lhes mandará sair. Vazar.
Os pequenos que ninguém vê entenderam tudo. E ja nem passam por esse território das falsas e retocadas vidas da ilha de Caras.
Minha Mamadi mora nessa praia. Esse lugar muito sofisticado, que surgiu exatamente agora na pandemia, com bares, restaurantes e café com a cara pro mar, tempo em que não vou à ilha, nunca me verá.
Já disse isso aos meus amigos. Vamos marcar do outro lado da Ponte. É que estão os “meus” lampiões e as histórias que gosto de ouvir.
Desse lugar, só o Espigão e o mar, com os pés encharcados de sal, me importam.
Eu prefiro a vida real dos pequenos que ninguém vê.
*** Foto de um cara chamado Alan Rodrigues, que assina no Instagram como caosinfinito.
Valeu, André. Esse moço tem sensibilidade muito aguçada.

Marcelo Abreu – Jornalista. Escreve sobre as lindezas da vida humana.
[smartslider3 slider=43]