OS VENTOS DA FLORESTA

OS VENTOS DA FLORESTA

Os ventos da floresta

Os outros ventos do mundo que não me queiram mal (e olhe que tantos deles foram tão bons comigo), mas os ventos que mais amo são os que passeiam, e cantam, e dançam na verde imensidão da minha floresta.

Por Thiago de Mello

Não vou dizer que todos são meigos e que só gostam de fazer afagos. Nem que todos chegam cantando faceiros, e te abraçam com delicadezas de pétalas. Mas gosto mesmo dos atrevidos, dos que sopram em rajadas rijas agitando as imensas asas invisíveis sobre a tua cabeça quando vais de canoa no meio do rio.

Não digo que me sejam dos preferidos, mas respeito o caráter forte dos que chegam trazendo o temporal. Dos que vergam as árvores das margens e levantam a chuva pelos ares antes que ela chegue ao chão.

Eu poderia ficar um tempão contando para você das virtudes e poderes dos ventos meus amigos.  (…) Mas só vou dizer que o mais poderoso dos ventos da floresta amazônica é o Vento Geral. Dei o nome dele a um livro que reúne vários trabalhos meus. Exatamente porque o chamado Geral não é um vento só, que chega forte já demais. Forte, às vezes até violento. Mas não é ventania, nem vendaval, nem vento de tempestade, que desce água das nuvens. Não.

São vários ventos chegando de bocas diferentes. De bocas de rios e de alturas atmosféricas, de várias direções. Parecem ventos doidos, ou brincalhões, dançando em cima das águas, empinando as ondas que se entrechocam, o rio cheio de carneirinhos brancos.

Os vários ventos se encontram no meio do rio (eles preferem chegar na hora do entardecer), se abraçam, dizem adeus e vão embora, ninguém sabe para onde.

Quem mora na floresta já sabe que há um instante do dia em que o vento desaparece completamente. O ar fica parado. O mormaço vibra no verde do chão. Nenhuma folha se move. Nem a pontinha da palma da inajazeira. Ou é perto do meio dia, ou é na boca da noite.

Um dia perguntei ao Marcote, um menino meu amigo, que também varou vento e foi-se embora:

– Marcote, para onde é que o vento vai?

– Eu acho que ele vai para a casa dele, que fica lá em cima das nuvens. Mas às vezes ele demora a chegar, porque fica lá longe no rio, brincando de fazer banzeiro.

O meu amigo Tonzinho Saunier, caboclo de Parintins, considera carícia de vento mais doce que carícia de moça. Gosto não se discute. De mim digo que gosto muito da doçura, por exemplo, do vento que me afaga neste instante em que bem cuido destas palavras, deitado na minha rede branca da varanda, na beira do rio Andirá.

Mas também digo que não se dispensa ternura de mão de moça. Muito especialmente de certa moça que amanheceu na tarde da minha vida.

Thiago de Mello Poeta maior da Amazônia e do Brasil, em “Amazônia – Águas, Pássaros, Seres e Milagres”. Editora Salamandra, 1998.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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