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Para todas as mulheres de Formosa e do planeta, Feliz Dia!

Para todas as mulheres de e do planeta, Feliz Dia!

Por Fátima Safadi Carvalho 

Para este Dias das Mães que, por conta desta perversa e cruel pandemia não posso abraçar a minha, desejo a cada mãe daqui da nossa Formosa e do planeta um Feliz Dia.  Pra vocês que estão em casa, em quarentena, cumprindo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), e para vocês mães que infelizmente precisam se expor durante esta pandemia,  mando de presente um texto que escrevi faz tempo, contando  um pouco desse que vive lá fora, nas colinas da terra das avós de minhas avós, minhas ancestrais. Por um mundo de  mais tolerância e fraternidade, onde todos os dias sejam felizes dias para todas as mães.

UM BRASIL DENTRO DO

Cada qual com seu sonho de viagem. Eu, antes de cogitar conhecer a Disney, a Europa ou os Tigres Asiáticos, sempre quis buscar minhas origens árabes, conhecer a terra natal de meus avós paternos e de meu pai, libanês de nascimento e brasileiro há cerca de 60 anos, aliás, mais brasileiro do que muita gente que conheço.

Fatima BekaaMinha decisão de viajar para recebeu comentários maldosos e mal informados:

– O que vai fazer naquela terra, vai acabar levando um tiro, ou mesmo uma bomba!

– Você vai ter que vestir burca!

– Cuidado com os terroristas!

Me impressiona como a imprensa, mal-intencionada, desinforma as pessoas!

Passaporte na mão, alguns poucos dólares no bolso e lá vou eu, de São Paulo para o Líbano, com escala em Istambul, na Turquia. O prazer de rever minhas irmãs Emina e Samira, além de uma dezena de sobrinhos e parentes, compensou as mais de 20 horas sobre o Atlântico.

Três da madrugada, chegamos a Beirute, capital linda, moderna, segura, orla marítima iluminada, muita cor, muito brilho, muita música; muita gente vestindo baby-look, tênis, saia curta; muitas mulheres com os comportados e não menos lindos lenços árabes. Tudo junto e misturado, em uma perfeita harmonia que já há algum tempo não se observa por aqui em nossas terras tupiniquins.

Dali, seguimos rumo ao Vale do Bekaa, por uma estradinha que serpenteia entre os vales e a montanha, com belas mansões nas encostas.  Parada na padaria para o primeiro lanche no país: doces, pães e frutas das mais variadas. Depois, mais subida com muita pressão nos ouvidos, muitos acampamentos de refugiados sírios, muita criança, muito frio.

Emoção total quando chego a , cidade que, pelas histórias de família, reverberou em minha mente a vida inteira. Minha irmã Samira, a quem não via há anos, me recebe com a mesa posta, tipicamente árabe. Nos três dias que se seguiram, uma acolhida como determina a árabe: todo o vilarejo vindo felicitar a visitante “americana”. E dá-lhe comida, chá e muuuito café!

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HISTÓRIA, RELIGIÕES E SOLIDARIEDADE

Nem de longe o Líbano de hoje lembra uma nação historicamente ocupada e dominada por invasores desde o ano 3.000 A.C.  Primeiro foram os Hicsos, Egípcios e Assírios, enquanto ainda era a Fenícia. A partir do ano de 64 A.C. os Romanos, depois os Cruzados, os Turcos com seu império Otomano e por fim a dominação francesa, que deixou o país somente em 1946.

Essa imperiosa necessidade de resistir e sobreviver, sem falar no vizinho rico e belicoso Israel apontando seus olhares e garras afiadas 24 horas por dia, levou o país a falar três idiomas, o árabe, o francês e o inglês, ensinado às crianças desde a alfabetização, além do português e do espanhol, popularizado em face de uma mais recente e grande migração.

Creio que a solidariedade e a capacidade de acolher do povo libanês venha dessa nossa história milenar de contato com as mais diversas culturas.  Meus parentes e a região que visitei são predominantemente muçulmanos. Convivendo com cenas de intolerância religiosa por aqui, imaginei que fosse encontrar um ambiente fundamentalista. Exatamente o contrário. Lá, prevalece uma convivência pacífica entre cidades e povos de religiões diversas.

Os cristãos representam cerca de 53% da população, sobretudo na capital Beirute. O atual presidente do Líbano, um cristão maronita, nomeou como seu primeiro ministro um muçulmano. Todo o parlamento libanês é mesclado entre as religiões. Volto, portanto, com a imagem de um país democrático e solidário onde cristãos, muçulmanos, pessoas de outras crenças e refugiados sírios convivem harmoniosamente.

Sendo o vizinho mais próximo, o Líbano acolheu uma grande quantidade de famílias sírias. Embora acolhidas, essas famílias ainda vivem em tendas de lona, com quase nenhuma condição sanitária e de higiene. O grande contingente de refugiados, em um país de pequeno território, mudou a paisagem, com colônias instaladas em pontos antes atrativos e turísticos.

Em contrapartida, os sírios são bons construtores e oferecem mão de obra de boa qualidade e a baixo custo. As mulheres, excelentes cozinheiras, trabalham como empregadas avulsas e diaristas. Os dois povos aguardam o fim do conflito sírio para retomar suas vidas de normalidade.

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O VALE DO BEKAA

Minha estadia no Líbano esteve muito direcionada a Balloul, no Vale do Bekaa, com visitas a Aarão, Lehla, Zahle, e à cidade histórica de Baalbek, maior polo de atração turística da região, onde se encontram as gigantescas, impactantes e colossais ruínas de Balbeek com seus palácios, templos e arenas deixadas pelo Império Romano.

Em Balloul, durante o dia, a oportunidade de colher cerejas diretamente do pé e no terreno pertencente a meus antepassados, me aproximou das minhas raízes e me fez valorizar o sentido da vida. Já à noite, a pedida com minhas irmãs e familiares era sair para fumar narguilé e comer shawarma de carneiro, uma espécie de churrasco grego com carne, molho de alho e vinagrete, envolto em pão sírio. Se quiser comodidade, o narguilé é servido na forma de “delivery”. Muito interessante e muito forte na cultura local!

Como estava ali no final do mês de Ramadã, que é quando acaba o inverno rigoroso, vi a cidade se transformar em festa, com uma vida noturna frenética e extremamente segura, muitos casamentos, e a animada presença dos turistas.

Zahle, a capital do Vale do Bekaa, de maioria cristã, possui os melhores restaurantes, uma vida noturna agitada, e um comércio intenso e sofisticado. Os moradores do Bekaa dependiam em muito do comércio com a Síria, apenas 60 km distante. Com a crise síria, Zahle assumiu essa importância comercial, além da forte importação da Turquia.

Em Baalbek, onde também existe um verdadeiro espetáculo de engenharia montado em gigantescos blocos de rocha, cuja época de construção remonta ao período pré-dilúvio, fiz passeios de camelo e conheci restaurantes com vistas exuberantes onde se servem pratos de carne de ovelha, quibe, e doces dignos do pecado da gula, confeccionados com açúcar de beterraba, bem mais suave do que o nosso, de cana-de-açúcar.

Governada pelos muçulmanos xiitas, mesmo com forte presença militar, a cidade recebe os turistas com seus excelentes hotéis, sua deliciosa gastronomia e seu pujante comércio de peças de ouro, expostas e vendidas em bancas de rua. Não há registro de roubo ou bandidagem. Foi certamente meu momento mais emocionante no Líbano.

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UM BRASIL DENTRO DO VALE DO BEKAA

Foi preciso ir até o Líbano para melhor entender a relação entre os dois países. Nota-se a presença brasileira nos mais variados segmentos, sobretudo na alimentação.

Os melhores cafés consumidos são importados do Brasil, assim como as carnes de frango e bovina. Senti-me em casa. Aliás, me deparei com pessoas falando português por todas as cidades onde passei, e o meu árabe com sotaque português fez sucesso.

O Vale do Bekaa é predominantemente agrícola e o principal abastecedor da capital Beirute. Para onde se olha se vê plantação de tomate, batata, pepino, laranja, e muita cebola. Surpresa maior foi encontrar uma plantação de uva, vinícola que abastece uma fábrica de vinhos em Beirute. O famoso Chateau Kefraya já ocupa espaço entre os melhores vinhos do mundo.

No extremo oriente do vale encontra-se a cidade de Luci, uma espécie de colônia brasileira no Líbano. Ali, praticamente só se ouve o idioma português e foi onde fui comer pastel e churros feitos na hora por uma senhora libanesa que já morou em São Paulo. Vem gente de toda parte para saborear essas guloseimas brasileiras.

Retorno ao Brasil com a imagem do Líbano como um país democrático e solidário onde cristãos, muçulmanos, pessoas de outras crenças e refugiados sírios convivem pacífica e harmoniosamente, e onde a presença brasileira é muito bem-vinda. Ao Líbano, terra de minhas raízes, voltarei, com certeza!

 Fátima Safadi Carvalho, mãe da Aline do Ômar,  é pedagoga e pré-candidata a vereadora pelo Partido dos Trabalhadores (PT) de Formosa nas eleições de 2020.  Esta matéria foi produzida em colaboração com Amarildo Carvalho. As fotos são todas do acervo de Fátima Safadi Carvalho.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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