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Paulo Freire: Uma paixão de mudar, de refazer, de criar…

Paulo Freire: Uma paixão de mudar, de refazer, de criar…

Entrevista de Paulo Freire à Andes no ano de 1990

A ANDES – SINDICATO NACIONAL foi a São Paulo conversar com Paulo Freire, o educador brasileiro mais conhecido e premiado mundialmente. Paulo Freire falou de suas ideias sobre a Universidade, a educação em geral e de seu trabalho atual na Secretaria de Educação do Município de São Paulo.

ANDES-SN: A Universidade não tem sido um tema tratado por você com freqüência, pelo menos de modo explícito. Entretanto a educação como prática da tem relação com a Universidade democrática. Como você vê esta relação?

PAULO FREIRE: De fato, explicitamente, não tenho falado muito da Universidade mas implicitamente sim. Isto não quer dizer que não me preocupe ou não goste da Universidade, aliás eu sou um professor universitário. O problema da Universidade Brasileira é que ela tem sido, em todos estes anos, elitista, autoritária e distanciada da realidade.

Veja o problema do analfabetismo. Ela simplesmente o ignora, passa ao largo. É verdade que existem exceções. A Universidade Federal da Paraíba vem se preocupando com o problema mas é preciso que outras, também, se voltem para estudar, pesquisar o problema da alfabetização de adultos e crianças. Embora o analfabetismo não seja um problema apenas pedagógico, a formação de nossos professores, por exemplo, precisa ser mais cuidada.

É preciso que leiam autores como Emília Ferreiro, Vigolsky Snyders e outros. Mas é importante que os textos sejam contextualizados. É preciso ler o mundo, ler a realidade de modo crítico. É preciso que a da palavra seja precedida da leitura do mundo e, este não é um problema apenas da alfabetização, como possa parecer a alguns.

Na Universidade, às vezes, os professores esquecem totalmente esta questão. Veja, quando o aluno trabalha
com um texto ele, às vezes sequer contextualiza este texto. É necessário que ele situe o autor no tempo, que compreenda o momento em que o autor escreveu e relacione com o momento atual do leitor.

Educador e educando precisam superar a posturas ingênua e vivenciar uma prática concreta de construção da história. Em relação à questão da é preciso muito mais, é preciso democratizar a Universidade por dentro e por fora. É preciso que um maior número de trabalhadores tenha acesso à Universidade mas também as relações internas da Universidade precisam ser democratizadas. Não basta eleger os dirigentes.

Às vezes, nos apegamos a um certo ritualismo mecânico e não avançamos na democratização das relações entre os diferentes segmentos da Universidade. As relações entre professores e alunos precisam ser, de fato, relações educativas, dialógicas.

ANDES-SN: A alfabetização é um tema sobre o qual você inovou e, assim, se projetou mundialmente. Como você vê o problema no Brasil hoje?

PAULO FREIRE: É claro que não podemos achar que o que servia para o Brasil da década de 60, serve hoje. O país mudou mas o problema do analfabetismo permanece e tem-se feito muito pouco neste sentido. Aqui em São Paulo estamos trabalhando com algumas Universidades, através de convênios com a Secretaria e estamos fazendo um trabalho que acredito seja uma importante contribuição à educação do trabalhador.

Estamos desenvolvendo uma amplo programa de alfabetização e pós-alfabetização coordenado pelo Moacir Gadotti. E o “MOVA” como é conhecido. Aqui, a educação do trabalhador, (criança, jovem e adulto) vem sendo tratada de modo integrado. Não adianta continuarmos nos preocupando apenas com a alfabetização do adulto quando a continua expulsando os alunos que vão engrossar o contingente de adultos analfabetos.

É preciso alfabetizar os adultos, mas também criar condições para que a escola não continue produzindo analfabetos. É preciso uma transformação radical que mude a cara da escola. Certamente que a mudança da própria situação sócio-econômica do brasileiro é fundamental.

ANDES-SN: Enquanto Secretário de Educação de um Município tão complexo como é São Pauto, você deve estar vivendo uma experiência muito rica. Quer falar sobre ela?

PAULO FREIRE: Eu teria muita coisa para contar. Prefiro, porém, dizer uma coisa rápida e sinceramente: não me arrependo de ter aceito o convite de Erundina para fazer com ela e um bando de gente boa, esta caminhada. Não me arrependo. Mas, não é fácil mudar.

ANDES-SN: Você é um dos educadores brasileiros mais premiados no exterior Recentemente esteve na Europa. ande recebeu um prêmio. Em que consistiu esse prêmio?

PAULO FREIRE: Na verdade nestes 16 meses em que sou Secretário de Educação da Cidade de São Paulo, estive algumas vezes no exterior. Gostaria ddizer que, em nenhuma destas viagens, a administração pública teve de gastasequer um cruzeiro.

Têm sido todas estas viagens financiadas pelos organismos que me convidam e que são ora Universidades, ora administrações municipais, ora órgãosinternacionais. No próximo mês de maio, por exemplo, estarei me ausentando de São Paulo para receber o doutoramento honoris causa da Universidade de Massachusefts, nos .

Depois que assumi como secretário este é o terceiro doutoramento que recebo e, nestas ocasiões, de modo geral, falo do que fazemos e do que não podemos fazer à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Tenho uma compreensão diferente, não provinciana das relações que o administrador de um setor de trabalho da municipalidade sobretudo de uma Cidade como São Paulo, deve ter com outras partes do mundo. Não me considero turista. Sou um educador engajado, mesmo que nada tenha contra turistas.

ANDES-SN. O que está mudando na Secretaria de Educação Municipal de São Paulo e em que consiste esta mudança?

PAULO FREIRE: A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo compreende uma rede de 653 escolas onde funcionam 18.305 classes regidas por 26.966 professores atendendo a 676.239 alunos. Ao assumir a Secretaria, nos comprometemos a construir uma educação pública, popular e que tenha como marca principal a educação como prática da liberdade.

Entende-se a escola como um espaço de educação popular voltado para a formação social crítica e para a sociedade democrática. A escola aberta para que o povo participe coletivamente da construção de um novo saber que leve em conta suas necessidades e se torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito de sua própria escola. Nesta perspectiva, a escola é também centro irradiador de popular em permanente recriação e também espaço de organização das classes populares.

O trabalhador deve encontrar nesta escola um lugar de debates de idéias, soluções, reflexões onde sistematizando sua própria experiência encontrará menos de auto-emancipação intelectual independentemente dos valores da classe dominante.

Temos quatro grandes prioridades que não são hierárquicas mas concomitantes. As mudanças estão se dando, ao mesmo tempo nos currículos, entendidos de modo amplo, nas próprias condições físicas da escola no professor que está realizando um amplo programa de formação permanente e na questão da alfabetização de jovens e adultos que já estavam fora da escola.

Está mudando além disso a forma de se processar a mudança que está sendo compartilhada, participativa. Estamos construindo progressivamente uma escola pública, popular, autônoma, criativa, competente, séria e alegre ao mesmo tempo, animada por um novo espírito.

ANDES-SN: No seu livro Medo e Ousadia você diz que os professores deveriam ter nas mãos, através de suas organizações, não só a defesa dos salários, mas o processo de sua formação permanente. Pode falar sobre esta questão?

PAULO FREIRE: Estou convencido, em primeiro lugar e nisto não estou só, de que a luta dos professores e professoras, jamais deixando de lado a reivindicação salarial, deve ir mais além dela. Ir mais além da reivindicação salarial significa lutar por melhores condições de trabalho que, proporcionando maior conforto às educadoras e educadores lhes ofereçam caminhos à criatividade.

O descaso a que vem sendo relegada a educação entre nós é tal que se torna fácil reconhecer quão difícil é deixarmo-nos tocar pela paixão de mudar, de refazer, de criar, o que nos empurraria a ir mais além da reivindicação salarial. É neste sentido que a clareza política em torno do que fazemos como educadores ou educadoras, em torno de nosso sonho que é político, se impõe a nós como necessidade de nosso quefazer.

Quanto mais criticamente claros nos tornamos em face de, a favor de que e de quem, contra que, e contra quem somos educadoras e educadores, tanto melhor percebemos que a eficácia de nossa prática exige de nós competência científica, técnica, e política. Jamais uma sem a outra. Jamais clareza política sem saber científico. Jamais este com ares de descomprometido.

Na linha destas reflexões é que me parece fundamental o papel político-pedagógico das entidades da categoria. Tudo o que puder ser feito como contribuição à formação permanente de seus quadros numa prática e numa visão que não dicotomize o político do científico, deve ser feito.

ANDES-SN: Há cerca de dois anos atrás, falando das perspectivas da educação, você apontava como tarefa fundamental deste final de século a tarefa da libertação e apontava a prática educativa como processo de resgate da liberdade. Como se dá esse resgate?

PAULO FREIRE: Penso que a liberdade, como gesto necessário, como impulso fundamental, como expressão de vida, como anseio quando castrada, como ódio quando explosão de busca, nos vem acompanhando ao longo da história. Sem ela, ou melhor, sem luta por ela, não é possível criação, invenção, risco, existência humana. O que ameaça a liberdade não é, porém, o limite de que precisa para ser e sem o qual, deixando de ser, vira licença. O que ameaça a liberdade é o arbítrio que, despótico, se faz autoritarismo.

Há sempre ameaças rondando a liberdade que, por isso mesmo, precisa estar desperta. A libertação é o processo permanente de busca da liberdade que não é ponto de chegada mas sempre de partida. Se hoje faminto e cansado, preciso de pão e repouso, amanhã, alimentado e dormido, descubro que preciso de som, de imagem, de palavra escrita. Ontem, precisado do fundamental para viver, não percebia o significado do ato arbitrário que fez mudar uma estação de rádio ou silenciou um jornal ou proibiu a venda de um livro.

A luta pela liberdade implica um mínimo de sentimento e de percepção da falta da liberdade. Esta luta vem dando sentido à minha prática de educador. Lutar pela libertação, como busca permanente, é a forma que encontro neste final de século, para ser autenticamente gente.

Entrevista concedida, em abril de 1990 a Maria Clóris Magalhães Almeida (Diretora da ANDES-SN – Gestão 88/90 e Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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