PF prende assassino

PF prende assassino de Ari Uru-Eu-Wau-Wau

PF prende assassino de Ari , em Rondônia Por Amazonia Real

Prisão preventiva do acusado saiu após dois anos e três meses de investigações e do declínio de competência da Justiça estadual (Foto cedida por Gabriel Uchida/2019)

 

Porto Velho (RO) –  Alívio, tristeza e medo. Esses foram os sentimentos relatados pela  família do líder e Ari Uru-Eu-Wau-Wau após a Polícia Federal de Rondônia divulgar que prendeu preventivamente nesta quarta-feira (13) o seu assassino. Ele morreu com marcas de espancamento, no pescoço e na cabeça, no dia 18 de abril de 2020. O acusado não teve o nome revelado pela polícia, que informou ser ele uma pessoa envolvida em diversos crimes na região de Jaru, a 292 quilômetros de distância de Porto Velho. 

O assassino, no momento da prisão pela PF, já estava preso também preventivamente pela prática de outro crime de homicídio, que aconteceu em 2021, oito meses após a morte de Ari. A polícia disse que o acusado estava preso no presídio de Jaru, onde foi cumprido o novo mandado de prisão.

O corpo de Ari Uru-Eu-Wau-Wau, de 33 anos, foi encontrado na margem esquerda da estrada estadual RO 010, Km 12, no distrito de Tarilândia. Como relatou a agência Amazônia Real na ocasião, a Polícia Civil colocou dúvidas se a morte havia sido por homicídio. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) constou como “indefinido [sic] a consequência do óbito do indígena”. Os Uru-Eu rebaterem a suspeita: “Foi assassinato, não acidente”.

“Quando cheguei lá [perto do corpo], ainda consegui vê-lo ao lado da motoneta, mas os policiais tinham chegado antes e não deixaram a gente ficar por perto muito .

Ele [Ari] estava na margem esquerda da estrada e consegui visualizar marcas de pancada no pescoço, de sangue no chão de terra e de um outro veículo nas proximidades. Os policiais ficaram falando que era acidente”, afirmou na época uma testemunha à reportagem.

O processo saiu da esfera estadual para a federal em maio de 2021, após a investigação concluir que a motivação do crime tem relação com a proteção dos direitos .

A partir desse momento, a apuração do caso foi conduzida pela Polícia Federal. Nesta fase da investigação a autoria do crime ainda era incerta.

Ari Uru-Eu-Wau-Wau fazia parte da equipe de vigilantes Guardiões, que protege o território indígena e combate as invasões de madeireiros e grileiros, criminosos responsáveis pelo aumento dos desmatamentos ilegais. O crime impactou toda a população de indígenas de Rondônia.

“Nos sentimos aliviados por ver que a justiça existe, principalmente para os povos indígenas. Esperamos que continue assim. Uma parte se sente feliz e a outra parte se sente triste porque,  na realidade, esse assassino levou uma das pessoas mais importantes de nossas vidas, matou um pai, um marido, um filho, uma liderança, um professor”, disse um familiar de Ari, que preferiu não dizer o nome por temer mais violência.

Ari Uru-Wau-Wau morava na Aldeia 621 Jaikara da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Um irmão dele, que foi quem encontrou o corpo na estrada, disse à reportagem que, apesar da prisão, existe um clima de  insegurança.

“Nós estamos felizes e ao mesmo tempo pensando: como vai ser daqui pra frente? São essas perguntas que ficam em nossa cabeça. Não estamos totalmente seguros por parte da Justiça para defender nosso território”, desabafa o irmão, que também não se identificou por medo. 

Morte violenta

Em 2019, a placa da da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau pela Funai, próxima a aldeia 623, foi alvo de vários tiros por invasores
(Foto Acervo Kanindé)

A prisão do assassinato de Ari Uru-Eu-Wau-Wau aconteceu na manhã desta quarta durante a Operação URU, que contou com o apoio do Ministério Público Federal (MPF). Foram cumpridos mandados de busca e apreensão no município de Jaru, mas o endereço em que foi realizada a ação não foi informado pela Polícia Federal. 

Segundo o delegado Rafael Fernandes Souza Dantas, a polícia chegou ao acusado por uma ligação, mas não deu detalhes se o preso agiu sozinho.

Segundo a assessoria de imprensa da PF de Ji-Paraná, as investigações apontaram que Ari Uru-Eu-Wau-Wau sofreu lesões que indicaram a morte violenta. Como o corpo não demonstrava sinais de autodefesa, conforme a polícia, a suspeita levantada foi a de que o autor do crime ofereceu uma substância à vítima, que ficou desacordada, para então iniciar as agressões físicas que culminaram em sua morte.

Posteriormente, o assassino conduziu o corpo para outro local, a estrada RO 010, Km 12, no distrito de Tarilândia, em Jaru.

“Uma das medidas investigativas adotadas foi a elaboração de laudo pericial indireto produzido pela Polícia Federal, com base nos elementos probatórios juntados no tempo dos fatos, que concluiu que a morte ocorreu entre 1h e 3h da madrugada do dia 18/04/2020”, diz a PF.

Procurada novamente nesta quinta-feira (14), a assessoria de imprensa da Polícia Federal disse que “não há mandantes para o crime. A motivação ainda está sendo apurada, possivelmente, não se trata de motivos relacionados ao meio ambiente, mas atritos pessoais entre o autor e a vítima (Ari Uru-Eu-Wau-Wau)”, informou a Delegacia da PF em Ji-Paraná.

Para Ivaneide Bandeira, a Neidinha Suruí, fundadora da Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental, é importante que a Polícia Federal dê continuidade às operações de fiscalização na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. 

“O Ari era um protetor da floresta e sua luta tem que continuar. É fundamental que a PF dê continuidade às ações de proteção do território, pois o que temos visto é que a grilagem de terra, o roubo de madeira e o garimpo tem gerado cada vez mais violência.

Precisamos ter paz e sossego”, afirma a ativista, que desde 2020 acompanha a luta pela busca de respostas e justiça, junto com a família e lideranças Uru-Eu-Wau-Wau. “A prisão me deixa um pouco mais aliviada, pois estamos esperando isso desde 2020. E esperamos que a justiça seja feita e que sejam retirados todos os invasores da terra indígena”, conclui.

A morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi um dos episódios mais marcantes do premiado documentário “O Território”, exibido nos principais festivais de cinema do mundo este ano. Coproduzido pelos indígenas e com produção executiva da jovem liderança Txai Suruí, o filme retrata a luta contra o desmatamento e tem previsão de estreia no Brasil para o segundo semestre.

Em 2021, Walelasoetxeige Paiter Bandeira Suruí, mais conhecida como  Txai Suruí, foi a única brasileira a discursar na abertura da Conferência das Nações Unidas sobre (COP26), em Glasgow, na Escócia. Ela é filha de Neidinha e do líder Almir Suruí. Em seu discurso, Txai cobrou justiça por Ari, que era seu amigo.

“Enquanto vocês fecham os olhos para a realidade, o defensor da terra Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo desde que eu era , foi assassinado por defender a floresta. Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática e nós precisamos estar no centro das decisões tomadas aqui”.

Também em 2021, o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, de 2020, do Conselho Missionário (Cimi), destacou as ameaças à Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau “em decorrência da omissão do em proteger os territórios indígenas, fazendo recair o peso da defesa da terra sobre os próprios povos” e citou a morte de Ari: “Mais uma liderança foi cruelmente assassinada”, diz o documento.

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Outdoor em Porto Velho da campanha da Kanindé por Justiça para Ari Uru-Eu-Wau-Wau.
(Foto: Kanindé)

 

http://xapuri.info/quem-mandou-matar-ari-uru-eu-wau-wau-e-por-que/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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