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A fragilidade social diante do extermínio da população negra

POPULAÇÃO NEGRA E A FRAGILIDADE SOCIAL DIANTE DO EXTERMÍNIO

A fragilidade social diante do extermínio da população negra

A falta de senso crítico leva à comemoração da morte de um ser humano sem dó nem piedade

Por Iêda Leal

A naturalização da morte da população negra traduz a concepção distorcida do que seja direitos humanos. A Constituição Federal de 1988 consagra, em seu artigo 1°, o princípio da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais.

Estamos vivenciando tempos de desconsideração de todo processo da construção, da conquista e da garantia desses direitos. O cerceamento das liberdades individuais, a perseguição dos direitos coletivos, o pensamento conservador e as políticas ditatoriais têm tirado a vida de muitas pessoas.

No dia 20 de agosto de 2019, o jovem Willian Augusto da Silva, de 20 anos, foi morto por um sniper da Polícia Militar enquanto mantinha 37 pessoas reféns num ônibus na Ponte Rio-Niterói, no Rio de Janeiro. Não estamos falando sobre a punição que ele teve pela gravidade da situação, ou ainda sobre a falta de justiça potencial, caso ele seguisse com o sequestro.

O que tratamos aqui é da crueldade, da falta de humanidade e da deformação mental das pessoas moldadas no padrão homem branco-racista-homofóbico,  que aspiram a assumir o protagonismo do fascismo vigente no Brasil, claramente demonstrada na comemoração da morte de Willian pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.

Ao descer do helicóptero no local da tragédia, o governador deu risos e socos no ar, um verdadeiro absurdo. E, pasmem, ele foi parabenizado por muitos após aquele ato terrivelmente repudiável. Ficou claro que faltou compaixão e sobrou desrespeito de quem deveria proteger a população e, não comemorar o extermínio de um ser humano, qualquer que fosse a circunstância.

Uma grande parcela da sociedade está de acordo com a necropolítica, oficializada por Witzel, reforçada pelo ex-governo de Jair Bolsonaro, que se apresentou como uma política de morte em que o Estado é autor e não vê problema algum nisso, porque está assegurada a legitimidade para matar.

No entanto, não apenas os criminosos são mortos pelos tiros disparados por eles, todos morrem, todos somos atingidos! As balas perdidas se acham em vários corpos e, na grande maioria das vezes, corpos pretos, periféricos, pobres, trabalhadores e sem qualquer ligação com o crime.

O alento de que ainda existe esperança vem da mesma história. Na delegacia, Paulo César Leal, pai de uma das vítimas do sequestro, consolou Renata Paula da Silva, mãe de Willian. Segundo ele, tentou ajudar, já que não lhe cabia o julgamento, pois ela acabara de perder o filho.

O homem afirmou nas entrevistas que deu que a única intenção como ser humano, foi tentar ajudar, já que a dor é dos dois lados. Um abraço que nos dá sensação de alívio, de gente que entende a necessidade de proteção do outro. É disso que o mundo carece: amparo e atenção!

Mais do que nunca, choramos as mortes que se tornam números para o Estado. Pessoas coisificadas pelo poder opressor, apoiado pelos oprimidos sem clareza política e de classe. Que o questionamento sobre civilização x barbárie nos ajude a refletir a tolerância e a empatia como fundamentais na mediação das relações entre nós e os outros. Façamos valer a legislação brasileira como garantia para viver!

#VidasNegrasImportam!

Iêda Leal – Tesoureira do SINTEGO. Artigo enviado em 25 de julho de 2019 desde a Tailândia, onde participou do Congresso Mundial de Educação. Capa: Divulgação.

A cultura negra para além da escravidão

A cultura negra para além da escravidão

Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho. 
Em sangue a se banhar. 
Tinir de ferros… estalar de açoite… 
Legiões de homens negros como a noite, 
Horrendos a dançar…
Negras mulheres, suspendendo às tetas 
Magras crianças, cujas bocas pretas 
Rega o sangue das mães: 
Outras moças, mas nuas e espantadas, 
No turbilhão de espectros arrastadas, 
Em ânsia e mágoa vãs!
(Castro Alves, Navio negreiro.)

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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