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Por que as agressões são sempre contra os terreiros?

Por que as agressões são sempre contra os terreiros?

Por Danilo Molina

O caráter persecutório da ação do Governo do Distrito Federal contra as religiões de matrizes africanas foi constatado pela OAB-DF, que decidiu recorrer do caso.

Mais uma vez, os adeptos das religiões de matrizes africanas foram surpreendidos por um ato de agressão e de intolerância religiosa. Infelizmente, o abuso partiu daquele que deveria garantir integralmente a liberdade religiosa e de crença, o próprio estado brasileiro. É que o Governo do Distrito Federal (GDF) derrubou a construção de uma filial do terreiro de candomblé Caboclo Boiadeiro, um dos mais antigo da capital federal, fundado em 1975.
O caráter persecutório da ação do GDF contra as religiões de matrizes africanas foi constatado pela Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, que decidiu recorrer do caso, a partir do entendimento de que a destruição do terreiro foi um ato de intolerância religiosa. Dentre os agravantes, estão a alegação da direção do centro de que não foram notificados do ato intempestiva do governo e o fato dos fiscais não terem pedido para verificar a documentação do centro e, sequer, terem deixado os frequentadores de retirarem os elementos litúrgicos e sagrados de dentro templo, antes do ato de demolição.
Ainda que a alegação do GDF, de que o terreiro demolido era “recente e irregular” e de que remoções em locais “não necessitam de prévia notificação”, é inaceitável o caráter truculento e autoritário como se deu todo o processo. Desde o ano passado, o terreiro já havia entrado com um pedido de regularização da área junto às autoridades competentes.
Entretanto, ao invés de optar pelo diálogo, pelo entendimento e pelo pacifismo, GDF partiu para o ataque, reforçando uma cultura de intolerância, de opressão e de preconceito, históricos, contra os adeptos das religiões de matrizes africana. A pergunta que fica é: por que as agressões são sempre contra os terreiros? No Rio de Janeiro, para dar outro exemplo, passaram a ser recorrentes os relatos de traficantes que ordenam o fechamento de terreiros nas comunidades carentes.
De acordo com dados mais recentes do Disque 100, serviço de denúncias do Ministério de Direitos Humanos, aumentaram em 7,5% os registros de discriminações contra os adeptos dessas religiões no primeiro semestre de 2018. Já as denúncias por discriminação contra todas as religiões caíram de 255 para 210, uma redução de 17% no mesmo período. Esse é só mais um indício de que o aumento dos atos de intolerância religiosa é direcionado ao chamado povo de santo.
Constituição Federal garante a liberdade religiosa, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e suas respectivas liturgias. Mas, a escalada do ódio contra os terreiros transpassa a letra fria da lei e carrega um forte componente histórico. De 1500 até 1824, apenas o catolicismo era permito. No Brasil Colônia, os povos originários e os escravos foram submetidos à catequização jesuítica forçada e os negros, trazidos à força da África, foram impedidos de realizarem seus cultos.
A separação oficial entre o Estado e a igreja só ocorre após a proclamação da república, em 1890, logo após o fim da escravidão, mas não incluiu a religiosidade e as expressões culturais dos negros. Os ex-escravos foram relegados à própria sorte, em uma sociedade extremamente preconceituosa, sendo obrigados a enfrentar severas dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e à escolarização. Processo semelhante ao que ocorreu na aceitação da sua cultura e religião.
Todo esse passado colonial e escravocrata não pode ser desconsiderado quando analisados os casos de intolerância e o preconceito as religiões de matriz africana. Não se trata apenas do preconceito contra uma religião, mas também contra todo um segmento da sociedade brasileira, marcado por um processo histórico de exclusão social profunda.
A situação é ainda mais dramática quando as agressões partem do próprio estado, como no caso da demolição do terreiro Caboclo Boiadeiro por parte do GDF. Mas, esse povo de santo, que foi capaz de superar escravidão, seguirá resistindo no enfrentamento das sequelas desse passado colonial e escravagista. Um passo fundamental para esse enfrentamento seria a tipificação do crime de intolerância religiosa, para que os crimes de ódio contra nossos terreiros não ficassem mais impunes, como ocorre na maioria dos casos.
Afinal, nosso país só poderá ser uma democracia de fato, quando a defesa integral dos direitos humanos transpassar qualquer posicionamento político, religioso ou ideológico. Além disso, quando estado brasileiro for capaz de assegurar os direitos individuais e coletivos de todos, independentemente de condição social, gênero, religião, orientação sexual e raça. É esse nosso dever civilizatório inquestionável.
Fonte: https://pt.org.br/danilo-molina-por-que-as-agressoes-sao-sempre-contra-os-terreiros/
Danilo Molina é dirigente do Centro de Umbanda Cavaleiros de Ogum e servidor de carreira. Foi assessor especial da Casa Civil da Presidência da República e assessor do Ministério da Educação.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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