No caso da Amazônia, onde ela já trabalhou, Abad recorda a “experiência traumática que representou o genocídio no final do século XIX por causa da extração da borracha” naquela região, o que “provavelmente se transmitiu desde então mediante narrativas orais”. Atualmente, essas comunidades continuam enfrentando os interesses “das companhias extrativistas de gás, hidrocarbonetos e madeira”.

A esse respeito, Abad recorda que, estando no Peru, os machiringas lhe falaram sobre esses contatos que haviam mantido com pessoas de algumas comunidades isoladas com as quais compartilham idioma. “Sua principal preocupação era que estavam cercados”, relata.
Direitos pouco respeitadosO que ocorre se alguém ignora todas as precauções e quer visitar um desses povos? A questão jurídica é mais complexa e depende de cada país. No caso de Sentinela do Norte, segundo noticiou o EL PAÍS, “a presença de estrangeiros é proibida nas imediações, embora pesquisadores locais aleguem falta de controle marítimo na zona”.
Monge observa que há um marco básico sobre esse tema que é a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, aprovada pela ONU em 2007. Esse documento, votado após 20 anos de negociações, reconhece o direito dos povos nativos à propriedade da terra, aos recursos naturais desses territórios, ao respeito a suas tradições e à autodeterminação.
Entretanto, como explica Abad, a legislação nacional e internacional não é respeitada por culpa dos interesses econômicos que há por trás, especialmente na Amazônia. No Brasil, o contato com esses povos também não é permitido, mas garimpeiros ilegais frequentemente chegam perto de suas áreas. “Se em Sentinela do Norte houvesse petróleo, os sentineleses não teriam sido deixados em paz como foram até agora. E tampouco seriam respeitados se não se defendessem continuamente.”Sem deixar de lamentar a morte de Chau, Abad aponta que o missionário cometeu um “gravíssimo erro” causado por “desinformação e prepotência”. E acrescenta: “Eles não nos pediram para irmos lá. É preciso respeitar sua decisão”.
Não sempre é assim: a ONG Survival International menciona em seu site a experiência dos jarawa, uma tribo nômade de 400 pessoas, também das ilhas Andaman. Alguns jarawenses romperam seu isolamento em 1998, e desde então a comunidade enfrentou tentativas de “sedentarização” por parte das autoridades locais, além de caçadores ilegais que se apropriam dos animais necessários à subsistência dos indígenas.
Somem-se a isso duas epidemias de sarampo nos últimos 20 anos e o turismo maciço. A Survival usa o termo “safáris humanos” para descrever como os turistas dirigem por seu território na esperança de “avistá-los”.
Matéria publicada neste site originalmente em 29 de novembro de 2018.
https://xapuri.info/centena-de-povos-indigenas-querem-continuar-isolados/
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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