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POVO KALUNGA, GUARDIÕES DA LIBERDADE

POVO KALUNGA, GUARDIÕES DA LIBERDADE

Povo Kalunga, Guardiões da liberdade

O povo Kalunga é uma comunidade de negros originalmente formada por descendentes de escravos que fugiram do cativeiro e organizaram um quilombo, há muito tempo atrás, num dos lugares mais bonitos do Brasil, a região da Chapada dos Veadeiros, no norte de Goiás.

Por Lúcio Flávio, SE/MinC

Autor de obras monumentais como Guerra e paz e Anna Karenina, o escritor russo Léon Tolstói entendia como poucos a importância do conceito de universalidade. “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”, costumava pregar.

Uma das mais de duas mil comunidades espalhadas pelo território brasileiro, o povo Kalunga – descendentes de escravos desertores, mais tarde libertados das minas de ouro no Brasil – sabe do peso simbólico que guardam essas palavras ditas, séculos atrás, pelo autor épico. Daí a necessidade e busca dos membros do maior (em extensão,) sítio histórico e cultural do país em dar um passo à universalização por meio da valorização da própria .

“A cultura do nosso povo andava esquecida, tão esquecida que as pessoas da própria comunidade estavam desmotivadas”, conta Lucilene dos Santos Rosa, 27 anos, e, há dois anos, secretária Municipal de Igualdade Racial do município de Cavalcante, localizado a 320 km de Brasília. “Esse estado de espírito contribuiu para que algumas de nossas tradições fossem esquecidas”, lamenta. A retomada do resgate e afirmação da cultura dos Kalungas teve início, virtualmente, em 2008, com a visita do secretário executivo do Ministério da Cultura, Alfredo Manevy, à Chapada dos Veadeiros, região onde se localiza o Sítio Histórico e Kalunga.

O encontro, impulsionado pela de diversidade defendida pelo MinC, desde 2003, causou impacto ao representante do governo federal, que percebeu a importância de manter vivas as tradições e manifestações culturais daquela comunidade. “A visita do secretário foi um acontecimento, já que ninguém tem interesse em conhecer nossa cultura e tradição”, conta Lucilene, que acabou se tornando uma espécie de porta-voz e representante do seu povo. “Para nós, essa visita foi encarada como a primeira ação do ministério na comunidade”, continua.

Alfredo Manevy concorda que a presença de gestores do Ministério da Cultura foi significativa. “Esse apoio a maior comunidade quilombola do Brasil reafirma o nosso reconhecimento dessa cultura riquíssima”, complementa o secretário executivo, que, entre os dias 13 e 16 de agosto de 2009, participou da Missão Kalunga I, encontro que permitiu que ele e seus principais assessores e colaboradores ouvissem atentamente os problemas e demandas dos moradores da região. “A cultura kalunga reflete a presença da cultura africana nos primórdios da sociedade brasileira”.

Os primeiros encontros

Realizada em novembro de 2009, durante as comemorações do dia da Consciência Negra, o 1º Encontro da Cultura Negra Kalunga marcou o início da parceria entre o Ministério da Cultura e a comunidade quilombola da região de Goiás.

Ao longo de dois dias, reunindo, kalungas dos municípios de Monte Alegre, Teresina de Goiás e Cavalcante, além de convidados, a animada festa, viabilizada com apoio do MinC, contou com vários atrativos culturais e ações sociais que reacenderam a necessidade de manter viva a cultura e tradição da região. “Foi um encontro bonito e interativo, com todos participando das oficinas de saberes e fazeres, rodas de prosas (palestras educativas) e shows com os artistas da região”, lembra Lucilene.

Afirmação da cultura e fortalecimento das festas e romarias

No sentindo de fortalecer a cultura da região, duas importantes ações foram desencadeadas pelo Ministério da Cultura, por meio da Secretaria Executiva.

A primeira, o Programa de Afirmação Quilombola, tem como meta o resgate e a preservação da memória cultural dos kalungas, com a implementação de projetos básicos como a construção de Centros de Referência Cultural e de Memorais. Segundo o assessor do MinC, Fernando Lana, entre as iniciativas, chama atenção o Memorial Casa de Léo, estratégico Ponto de Cultura que ajudará a conscientizar as novas gerações sobre a necessidade de manter vivas as tradições do povo local.

“Pretende-se ser um museu que, além de preservar a cultura quilombola, tem o objetivo de conscientizar as novas gerações sobre a importância de suas raízes”, defende o assessor, que detalha o conceito do . “D. Leonilda Fernandes foi uma importante liderança na região, que ajudou a preservar a memória do seu povo, daí a homenagem à sua figura”, explica.

“O conceito desse memorial esbarra em projeto de memória que resgatou a obra da escritora . Alguns representantes da comunidade visitaram a Casa da poetisa e ficaram impressionados com o grau de preservação do espaço. Estupefatos com o que viram, indagaram se eles não poderiam ter algo semelhante”, lembra.

A outra ação de apoio desenvolvida pela Secretaria Executiva do Ministério da Cultura diz respeito ao fortalecimento das festas e romarias nas comunidades kalunga. Atualmente, sete comunidades de três municípios da região realizam inúmeros encontros religiosos envolvendo mais de cinco mil pessoas, entre moradores e turistas.

“Além de toda a sabedoria que foi construída durante séculos, há, na essência desse povo, as festas tradicionais, como as romarias, folias, batizados, casamentos e império”, enfatiza Lana, que, no último dia 14 de setembro entregou aos artistas da região um kit com vários instrumentos como sanfonas, violões, violas, zabumbas, pandeiros, caixas, microfones, além de bombas a diesel e geradores.

A infraestrutura, que contou com o apoio de 100% do MinC, irá turbinar as sacras e tradicionais festas desse povo que é guardião da liberdade. “Esses festejos eram realizados sem estrutura nenhuma, em grande precariedade”, comenta Lana, que, no próximo dia 20 de novembro, volta à região para entregar outros seis kits, cada um no valor de R$ 7,5 mil, e que atenderá outras comunidades kalunga. “Não se trata de uma ação intervencionista, estamos apenas dando suporte e estrutura para que elas se tornem mais bonitas”, diz.
Parceiros importantes

Com os projetos e ações em andamento, uma etapa importante seguida pelo Ministério da Cultura foi a consolidação das parcerias. Conhecida pelos trabalhos sociais realizados na região de Goiás, a Universidade Federal de Goiás (UFG) está entre os grandes companheiros do MinC na missão Kalunga. Professora de Artes Visuais da instituição, Tereza Gomes aplaude o desempenho e apoio que o ministério tem desenvolvido no local. Desenvolvendo trabalhos na região desde 2009, ela diz que o fortalecimento da cultura kalunga promove a troca de conhecimento entre membros da comunidade.

“As ações do MinC promovem o resgate de cidadania e autonomia desse povo, legitimando o reconhecimento dessa cultura pela sociedade brasileira”, garante a professora Maria Tereza, que conta com a ajuda de 10 voluntários da UFG, entre alunos e professores. Juntos, eles desenvolvem trabalhos em áreas como artesanato, cerâmica, tecelagem e restauro de instrumentos. “Pelo menos uma vez por mês, professores e alunos viajam até à região para colocar em prática essas ações”, revela a professora.

Uma rica experiência defendida pela professora Maria Tereza e sua equipe é a troca de saberes promovida entre os mestres das comunidades e as gerações mais jovens. Um exemplo da necessidade urgente dessa troca é o quase desaparecimento de algumas tradições do povo Kalunga, como a restauração dos instrumentos e o rico trabalho de tecelagem. “Estamos mapeando as pessoas, indo atrás dos mestres, daquelas pessoas que guardam na memória essas habilidades, para que as raízes não se percam”, defende Maria Tereza. “Esses conhecimentos têm que ser passados para os mais jovens, para as novas gerações”, emenda.

Outras ações

Atualmente, o MinC articula uma série de ações que visam beneficiar a afirmação do povo Kalunga na região. Além do Memorial Casa de Léo, em fase de construção, nas proximidades do município de Teresina de Goiás, outros dois projetos similares, que se pretende sejam desenvolvidos em parceria com o Centro de Excelência em Turismo/UnB, estão em fase de estudo: o Memorial Casa de , em Cavalcante, e Memorial Casa de Santina, em Monte Alegre de Goiás.

A Secretaria Executiva, junto com a Fundação Cultural Palmares e a Secretaria de Articulação Institucional (SAI), também planejam a construção de pontos de culturas nos três municípios que agregam a comunidade Kaluga. “Já realizamos, inclusive, reuniões com alguns prefeitos da região”, comenta o assessor do MinC, Fernando Lana.

Ainda em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG) e apoio importante do Sebrae/GO, o MinC pretende, por meio da Secretaria Executiva, dimensionar manifestações culturais da região, como as romarias, giros de folias, além de oficinas de instrumentos e danças locais. Nos últimos dois meses, a comunidade Kalunga do Vão das Almas e Vão do Moleque revisitaram suas tradições com as romarias de N. Senhora d’Abadia e N. S. do Livramento.

Junto com o Instituto Casa Brasil de Cultura (ICBC), o Ministério da Cultura planeja lançar ainda este ano o livro Povo Kalunga – Cultura, Tradição e Dignidade, projeto que visa resgatar não só a história do povo, mas também o histórico e geografia do Sítio Kalunga, além dos contos presenciais.

Em parceria com a Avesso Filmes e apoio da Eletrobrás, o MinC surge como colaborador estratégico na realização do documentário A rota do Sal, da dupla André Braga e Cardes Amâncio. Em fase de execução, o filme pretende resgatar a história dos antigos ribeirinhos que viajavam de Paranã (TO) a Belém (PA), em busca de sal.

“A idéia do filme surgiu ouvindo as histórias e estórias de antigos moradores, descendentes de negros africanos de comunidades quilombolas”, registrou o diretor André Braga no blog da produtora Avesso Produções. “Os antigos contam histórias que ouviram de seus pais e avós. Queremos registrar algumas dessas memórias, antes que elas se percam”, continua.

Com a preocupação de que as tradições do povo kalunga sejam perpetuadas entre os jovens da comunidade, O MinC, em parceira com o SEBRAE/GO, articula a implementação da ação Futuras Lideranças Kalunga que, entre outras atividades, viabiliza a capacitação de nova geração de líderes, assim como a criação de oficinas sobre a elaboração de projetos culturais e prestação de contas.

Fonte: UFG

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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