Povos do Xingu unem forças para enfrentar pior destruição já registrada

do unem forças para enfrentar pior destruição já registrada

Indígenas e ribeirinhos debateram estratégias para proteger territórios durante encontro da Rede Xingu+ na aldeia Khikatxi, Território Indígena do Xingu (TIX)…

Por Sandra /via ISA

Diferentes frentes de ameaças se intensificaram na Bacia do Xingu nos últimos quatro anos. Só em 2021, mais de 710 mil hectares foram desmatados na região. São mais de 194 árvores derrubadas por minuto. No ano passado, foi registrado um salto de 30% de nos territórios protegidos em comparação ao ano anterior. 

Os dados alarmantes são do Sirad X, o sistema de monitoramento remoto da Rede Xingu+. O desmatamento é o principal resultado de diferentes atividades ilegais que colocam em risco a integridade da floresta e dos povos que nela vivem, como a grilagem de terras, o roubo de madeira e o garimpo. 

E a situação torna-se ainda mais grave com a iminência da destruição do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu, a última barreira de proteção da Amazônia Oriental. 

“Nosso povo Mebengokre vivia no meio da riqueza. Nosso povo aproveitava só riqueza, – peixe, caça, plantar mandioca, plantar nossa comida – isso que nosso povo fazia. Nosso povo não tinha esse costume que kuben [branco] tem de não olhar o outro, não ajudar o outro. Muitos de vocês sabem do que ‘tô falando. Kuben rico demais e kuben pobre, muito pobre, favelado. Kuben são assim, gente que não tem casa boa mora perto de casa grande, casa bonita”, afirmou o cacique Kayapó, Megaron Txucarramãe.

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Megaron Txucarramãe
Megaron Txucarramãe, liderança Mebengokre, lamenta destruição do Xingu: “nosso povo vivia no meio da riqueza”|Lucas Landau/ISA

Megaron e lideranças de 25 povos indígenas e comunidades tradicionais da região estiveram no 5º Encontro da Rede Xingu+, na aldeia Khikatxi, Território Indígena do Xingu (TIX). Os Khisedje receberam os parentes entre os dias 9 e 14 de maio de 2022. 

Com seus lares, e culturas violadas, os povos do Xingu se vêem ameaçados  por diversas frentes de agressão. Neste contexto hostil, a união é o principal caminho na luta pela proteção territorial. O pacto pela vida ganha corpo na Rede Xingu+, articulação entre povos do Xingu e organizações civis parceiras.

[Leia o manifesto da Rede Xingu+]

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juventude indígena
Xingu do presente e do futuro: jovens lideranças se reúnem em encontro da Rede Xingu+ para discutir estratégias de luta|Lucas Landau/ISA

No encontro, uma prioridade foi dar protagonismo à juventude indígena e ribeirinha, que chega cheia de novos saberes — pronta e engajada para assumir a luta ao lado dos mais velhos. Mitã Xipaya, comunicador da Rede Xingu+, foi apresentado por sua prima, a cacica Juma Xipaya. 

“Mitã é fruto de uma nova geração, depois de mim. Quando eu assumi como a primeira cacica mulher do povo Xipaya e do Médio Xingu, eu falei ‘quero jovens do meu lado para aprender’. Porque eu só fui escolhida para ser cacica pelo fato de ter estudado e por ter lido o parecer técnico da [Fundação Nacional do Índio] Funai por completo. E o Mitã é fruto disso. Se queremos lideranças comprometidas com o futuro, precisamos ensinar”, disse.

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A liderança indígena Juma Xipaya luta pelos direitos dos indígenas impactados pela construção da Usina de Belo Monte
A liderança indígena Juma Xipaya luta pelos direitos dos indígenas impactados pela construção da Usina de Belo Monte|Lucas Landau/ISA

Ngrenhkarati Xikrin, da aldeia Pot-Kro na Terra Indígena Trincheira-Bacajá, fez um apelo emocionado aos presentes. “Meu pai me pediu para eu vir pedir ajuda. Porque a gente não sabe o que fazer mais. Os homens não querem que a gente participe. Hoje eu tô aqui porque meu pai falou: ‘você tem que ir e lutar por vocês, eu estou velho. Chegou a hora de você compartilhar com os parentes de fora e pedir ajuda dos parentes que estão lá’. Estão poluindo o nosso rio, somos muito impactados lá. Por favor, ajudem a gente”, exclamou.

Maial Paiakan Kayapó, jovem liderança e pré-candidata a federal pelo Pará,  também é parte da juventude que assume a frente da luta agora que os mais velhos precisam passar o bastão. “Desde criança, a gente sempre esteve no espaço político. Por isso que a gente está aqui e vai continuar essa luta, isso é um legado.  A gente tem que honrar o nome do nosso pai. Infelizmente a Covid levou meu pai e também [muitos outros] quando o governo negou assistência de saúde para vários povos indígenas. Foi muito doloroso pra nossa família e pro movimento indígena em geral. Sempre que viajo, e estou numa TI, eu olho pra floresta e penso que foi luta do meu pai. Meu pai sempre falou que não vai ser fácil, mas vocês tem que continuar”, contou.

Obras de infraestrutura ou de destruição?

Outro ponto abordado pelos presentes foram os graves impactos de obras de infraestrutura no Xingu e em seus povos. Doto Kayapó, liderança da Terra Indígena Mekrãgnotí, falou sobre os projetos da BR-163 e da Ferrogrão, ferrovia que pode trazer ainda mais devastação à região

“Eu me lembro quando o governador [do Mato Grosso] me chamou e me apresentou esse [da Ferrogrão]. Eu disse que eu não decido sozinho, porque temos um protocolo de consulta. Esse protocolo fala que nenhum indígena que trabalha na cidade pode decidir por nós. Sozinho eu não sou nada”, lembrou.

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rio xingu
Rio Xingu em risco: crianças indígenas brincam na Aldeia Khikatxi, do Povo Khisedje, do Território Indígena do Xingu|Lucas Landau/ISA

De acordo com a liderança, a BR-163, que liga Santarém, no oeste do Pará, a Cuiabá, Mato Grosso, facilitou a entrada de bebidas alcoólicas nos territórios, além de aumentar os casos de atropelamento de indígenas.

A abertura de estradas próximas às áreas protegidas também facilita o fluxo de atividades ilegais. “Como o garimpeiro entra nas terras? Pelas estradas. Como transportam o gado? Nas estradas. As estradas são os vetores desses problemas. É o momento de unir forças para barrar esses grandes empreendimentos”, sublinhou Ianukula Kaiabi Suiá, presidente da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX).

Estradas como BR-163, BR-242, Ferrogrão, Usina Hidrelétrica (UHE) Belo Monte e o projeto de mineração da Belo Sun, dentre vários outros exemplos, são empreendimentos com capacidade de destruir permanentemente todo o ecossistema das regiões afetadas. 

A forma que os indígenas encontraram para resistir aos grandes empreendimentos foi a partir da construção de seus Protocolos de Consulta. Neles, definem as regras para a consulta em cada território. 

Veja especial sobre os protocolos de consulta do povo Arara

Aliança contra o

O garimpo ilegal é uma das maiores ameaças aos povos indígenas hoje. Além de levar a presença de não indígenas aos territórios, o que se tornou ainda mais grave na pandemia, os garimpos poluem o solo e contaminam a água e os peixes com mercúrio.

Criada em dezembro de 2021, a aliança anti-garimpo dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami foi desenvolvida para juntar as forças de povos que são afetados pelo garimpo. Apenas nas Terras Indígenas, a área ocupada pelo garimpo cresceu 495% entre 2010 e 2020. Os territórios Kayapó (PA), Munduruku (PA) e Yanomami (RR) são as mais impactadas pela exploração ilegal de ouro, respectivamente.

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mulheres indígenas
de diversos povos condenaram as principais ameaças aos territórios, como o garimpo e o desmatamento|Lucas Landau/ISA

“Na TI Kayapó vimos uma intensificação do garimpo”, afirmou a analista de geoprocessamento do Observatório De Olho no Xingu, Thaise Rodrigues. Segundo ela, nos últimos quatro anos, o desmatamento pelo garimpo foi maior do que a devastação registrada em 40 anos. “Mais de oito mil hectares de floresta foram derrubados pelo garimpo. O problema não é só o desmatamento, mas a contaminação da água, contaminação de mais de 20 sub bacias no Xingu”, alertou.

“Muitas lideranças pensam que garimpo é normal. Garimpo mata pessoas, mata as crianças, derrama sangue. Nossos jovens estão sendo assassinados por garimpeiros ilegais”, denunciou Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.

“A Rede Xingu+ manifesta seu apoio à Aliança Contra o Garimpo dos povos Yanomami, Munduruku e Kayapó. Eles estiveram conosco esses dias e ouvimos deles o sofrimento e graves crimes que têm sido cometidos em seus territórios com a omissão do governo. Exigimos que os invasores sejam expulsos e que os financiadores do garimpo e compradores do ouro ilegal sejam investigados e punidos”, diz o manifesto da Rede Xingu+.

http://xapuri.info/solidariedade-ao-povo-kayapo/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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