Qual a relação entre fogo e orçamento secreto?

Qual a relação entre fogo e orçamento secreto?

Qual a relação entre fogo e orçamento secreto? “Projeto político”, alerta dossiê

Desta vez, o coletivo de organizações e movimento sociais alerta como o poder político está no rastro dos incêndios…

Por Mídia Ninja

O que o agronegócio tem a ver com orçamento secreto, desmatamento, grilagem e cortes orçamentários dos órgãos de fiscalização e controle ambiental? Estão intrinsecamente ligados, como revela a terceira fase do Dossiê Agro é Fogo. Desta vez, o coletivo de organizações e movimento sociais alertam como o poder político está no rastro dos incêndios criminosos.

Pesquisadora do Agro é Fogo, Bárbara Dias foi mediadora da mesa de lançamento de novos documentos do dossiê, na manhã desta quinta-feira (13). Ela explicou que a primeira fase evidenciou a relação do agronegócio com o desmatamento, incêndios e grilagem e a segunda, como tem sido utilizado o potencial destrutivo pelo setor.

Bárbara frisou que as comunidades tradicionais e indígenas também utilizam o fogo, mas que detêm conhecimentos ancestrais de uso e manejo do fogo. Sem contar que eles não fariam nada que os prejudicasse. “É que é importante para biodiversidade, em contraponto ao fogo do agronegócio. O fogo e incêndios criminosos são armas utilizadas para expropriação e expulsão de comunidades tradicionais, mas sobretudo para grilar os territórios”, diz ela.

“A gente tem visto crescer dentro do Congresso Nacional, medidas, projetos de lei que têm facilitado que os incêndios ocorram sem qualquer tipo de responsabilização dos criminosos que estão por trás deles. Muitos incêndios são reincidentes. Quando a gente coloca a lupa nesses lugares, vê que os responsáveis são justamente os que estão ao redor das comunidades”.

Para enfatizar a relação intrínseca entre incêndios, conflitos e , o dossiê, a partir da sistematização do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (CEDOC – CPT), aponta que em 2021 ocorreram 142 conflitos envolvendo o fogo criminoso em 132 comunidades, atingindo ao todo no país 37.596 famílias. Algumas comunidades foram atacadas mais de uma vez, explicitando a ação recorrente de terror tendo o ato de incendiar como arma direta. Os estados de Mato Grosso do Sul (26 ocorrências), Mato Grosso (22), Bahia (14) e Rondônia (10) concentram 50,7% de todos os conflitos com fogo ocorridos em 2021.

Mas a prática criminosa não está restrita apenas ao Brasil. “No contexto sul-americano, o cenário se repete em países sul-americanos, reforçando a lógica colonial, que ainda atua em nosso país e em nosso continente”, destaca Bárbara. O dossiê traz exemplos da Colômbia e Paraguai.

Diante do cruzamento de informações das comunidades com mapeamento de conflitos do Cedoc, o Agro é Fogo detectou a sobreposição de conflitos mapeados com locais de maiores incidências de incêndios. Ela destaca que em todos os biomas os incêndios têm sido utilizados como arma, mas principalmente em áreas que registram expansão da fronteira agrícola.

“O Cerrado tem sido a maior vítima, principalmente em áreas de transição com a e Caatinga. Já os principais alvos, têm sido os indígenas”, aponta a pesquisadora.

O evento híbrido contou com a presença de Hiparadi Xavante (liderança Xavante do Mato Grosso), Davi Krahô (liderança Krahô Takaywrá do Tocantins) e Adriano Karipuna (liderança Karipuna de Rondônia), que relataram prejuízos aos territórios.

Orçamento secreto e cortes orçamentários

Territórios demarcados estão sendo pressionados e, de outro lado, há ainda muitas demarcações a serem realizadas, o que o governo de Jair Bolsonaro se nega a fazer. A assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso, que também participou da mesa, destacou que os indígenas não estão pedindo dinheiro, a não ser, o que lhes é de direito. “É questão de disputa política, poder. Faltam políticas ambientais de garantia territorial”, disse ao introduzir o tema do orçamento secreto.

“Estamos olhando com mais atenção para a questão do orçamento secreto, acho que é um tema central. O que já sabemos do orçamento secreto? No orçamento público, embora seja secreto, ele é visível a partir de um marcador para as emendas de relator. Isso quer dizer que esse dinheiro está carimbado para emendas de relator. Na essência, esse recurso é do orçamento público, vem de fontes do orçamento público”, explica.

Segundo Alessandra, esses recursos são capturados por dentro. São recursos da saúde, educação, assistência social. “Também da gestão ambiental, da organização agrária, embora um valor bem pequeno. Nas artimanhas do orçamento e supostamente cumprindo resoluções do Congresso e não da constituição, vão por dentro do Congresso. Tem duas resoluções que dão margem para captura do dinheiro público, mas principalmente da saúde, educação e assistência, executando como se fosse política pública, e de fato é, mas executando de forma direcionada”. Dessa forma, a corrupção cresce, como mais um recurso para instrumentalização política na construção de base, e inclusive, para acelerar tramitações de projetos prejudiciais à agenda ambiental.

Junto a Nathalie Beghin, ela assina um dos sete artigos deste dossiê, titulado “Política socioambiental entre o desmantelamento e a retomada: desafios à vista”.

Elas descrevem que sucessivos cortes do orçamento público para políticas socioambientais expressam e devem ser lidos como uma dimensão desse desmantelamento. “É preciso dizer, contudo, que parte do problema da pequenez do orçamento da União deve ser endereçada ao Teto de Gastos. Essa medida fiscal, aprovada em 2016 como emenda à Constituição, impossibilita o crescimento real das despesas por 20 anos, reduzindo públicos em setores fundamentais”, diz trecho do artigo.

O problema, segundo elas, se agravou com a adoção do orçamento secreto.

“Esses recursos são executados por intermédio de emendas parlamentares designadas pelo parlamentar responsável por relatar o orçamento geral da União. Em 2021, o total de gastos com essas emendas (R$10,79 bilhões) alcançou mais de quatro vezes os valores despendidos com para o mesmo ano. A execução do orçamento secreto, além de disputar recursos com políticas públicas socioambientais e ser executado sem transparência, favorece o chamado “centrão”, que tem na sua formação uma forte intersecção com a bancada ruralista no Congresso Nacional”.

Realçam que o orçamento público é uma escolha que expressa uma prioridade (ou falta dela) ou, ainda, uma estratégia de fragilização de uma política.

“Contudo, em alguns casos, a presença de mais recursos pode evidenciar nuances do desmantelamento dessa mesma política. No combate ao desmatamento temos um exemplo claro disso. Entre 2019 e 2020, o dinheiro do acordo anticorrupção da Lava-Jato, destinado ao combate ao desmatamento, foi quase todo direcionado para os militares nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em detrimento do fortalecimento dos órgãos ambientais. Junto ao retumbante fracasso das GLOs no combate ao desmatamento, esse caso mostra como a decisão política foi alinhada ao desmantelamento da política ambiental”.

No atual governo, o “Dia do Fogo” é cotidiano

O governo Bolsonaro intensificou um processo violento do uso criminoso. Que sim, já existia antes, mas ficou pior. O chamado “Dia do Fogo”, ocorrido em 10 de agosto de 2019, por uma ação organizada pelos fazendeiros da região norte do país com a finalidade de incendiar grandes áreas partiu do incentivo do discurso do atual governo.

Esse ato foi um marco no país e só ganhou repercussão internacional após toda essa consequência refletir no Sudeste, em que as fumaças de tais incêndios escureceram o céu de São Paulo no meio do dia. Atualmente tais áreas devastadas, como foi o PDS Terra Nossa, no Pará, continuam sendo, anualmente, invadidas por grileiros e gerando conflitos agrários mesmo sendo uma terra destinada, por lei, à Reforma Agrária.

O Dia do Fogo não parou em 2019, a cada ano os focos de incêndio aumentam e a recorrência são os mesmos locais em que existe forte atuação do agronegócio. Os incêndios, tanto como ameaça direta – a queima provocada nas casas e pertences – quanto indireta – problemas respiratórios, cardíacos, e a invasão de pragas -, é um vetor possibilitado pelos governantes para consolidar um projeto de sociedade que gera desigualdades.

Insegurança alimentar

Moradores da Comunidade Boa Esperan%C3%A7a e a colheita de arroz. Foto Raniere Roseira Agente da CPT Regional Maranh%C3%A3ojpg 1

Agronegócio não coloca comida na mesa dos brasileiros (Raniere Roseira/CPT)

Diferente de outros modos de relação com a terra, o “agro”, do “agronegócio” e da “agropecuária”, é discutido no dossiê mostrando sua outra face que percorre os interesses do capital externo e não o de colocar comida na mesa dos brasileiros. É um modelo que coloca em risco o direito à vida, ao território e à soberania alimentar. Um modelo que só funciona por ciclos de devastação que passam pelos incêndios, grilagem, gerando conflitos e desmatamento para abertura de pastos e limpeza de área para monocultivos.

Os conflitos envolvendo fogo se dão em todos os biomas conforme designação do IBGE. Mas só no Cerrado contínuo e em suas zonas de transição, foram 54% de todos os conflitos com fogo no Brasil no ano de 2021. Existe, portanto, uma sobreposição de violências, por exemplo, nas áreas da , 44% das comunidades sofreram com incêndios somados a ações de desmatamento e grilagem.

Só em 2021, o de Mato Grosso registrou mais de 7.400 km2 de áreas atingidas por incêndios florestais, o equivalente a quase cinco vezes o tamanho de São Paulo. O Cerrado sofreu com aumento de 7,9% na taxa de desmatamento, número maior desde 2015 e, com o governo de Jair Bolsonaro, toda a devastação do Cerrado já subiu 17%.

São áreas ricas em sociobiodiversidade sendo desmatadas com tratores e fogo e, depois, empobrecida com gados e monocultura, e tudo isso ao redor das terras indígenas. Das dez áreas protegidas mais desmatadas entre agosto de 2020 e julho de 2021 em Mato Grosso, seis são do .

A cadeia de devastação entre incêndios, desmatamento e grilagem, é ressaltado no DOSSIÊ com análises e experiências dos povos e comunidades da Amazônia e Cerrado que retratam o quanto os conflitos territoriais apontam alguma ação ou inação do Estado brasileiro. Prática que envolve o uso criminosos do fogo como arma de expulsão, ameaça, desequilíbrio da sociobiodiversidade e da soberania alimentar, enfim, atinge não só quem está no campo, mas também quem se encontra na cidade.

Agro é fogo

A Articulação AGRO é FOGO reúne cerca de 30 movimentos, organizações e pastorais sociais que atuam há décadas na defesa da Amazônia, Cerrado e e seus povos e comunidades. Surgiu enquanto articulação como reação aos incêndios florestais que assolaram o Brasil nos últimos dois anos. Do infame Dia do Fogo em 2019 aos incêndios que devastaram o Pantanal em 2020, assistimos atônitos a um governo federal que mente sobre as causas e sobre a sua própria responsabilidade no ocorrido.

O que move a Articulação é não somente a necessidade de qualificar o público, mas, sobretudo, ir além das imagens de satélite e números de desmatamento, trazendo a dimensão do que é vivido no chão da floresta e dos sertões.

Assista o lançamento:

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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