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Quando os ventos dos Orixás sopram até a raiz da grama desperta

Quando os ventos dos Orixás sopram até a raiz da grama desperta
A invocação dos Orixás na poesia de Audre Lorde
Os ventos dos Orixás
I
Esta terra nem sempre será estrangeira.
Quantas de suas mulheres se doem ao suportar suas histórias
robustas e gritando como o grão da terra em erupção
ou castigadas em correntes almofadadas, mudas como garrafas
mãos esvoaçando vestígios de resistência
nas costas daqueles que um dia foram amantes
meia verdade
apitando no cérebro como uma chaminé furiosa
quantas
anseiam trabalhar ou se abrir
para que corpos desafogando no silêncio
possam planejar o próximo passo?
Tirésias levou 500 anos, dizem, para evoluir em uma mulher
cada vez menor e mais escura e mais poderosa
até que, do tamanho de uma noz, foi dormir numa garrafa.
Tirésias levou 500 anos para se transformar numa mulher
então não se desanimem de seus filhos.
II
Lendas impacientes falam através de meu corpo
mudando esta formação da terra
propagando
Irei me tornar eu mesma
uma encantação
negros ruidosos personagens de formas ásperas
pulando de um lado para o outro em páginas brandas
e Mãe levanta seus seios para começar meu parto
próximo à água
a bela e eu deitaremos juntas
no calor da verdade de seu corpo minha voz vem mais forte
será meu irmão rugindo para fora do mar
a terra treme nossa escuridão inchando uma na outra
ventos de alerta nos anunciarão vivos
enquanto Oyá, Oyá minha irmã minha filha
destrói as crostas das praias bem dispostas
e a risada negra de Exu revira a pura
areia adormecida.
III
O coração da tradição deste país são os homens-trigo
morrendo por dinheiro
morrendo por água por mercado por poder
sobre as crianças de todos
eles se sentam em suas correntes sobre a terra seca
antes do anoitecer
contando lendas enquanto esperam sua vez
de conclusão
esperando que os jovens possam ouvi-los
medos que abalam a terra coroam seus pálidos rostos cansados
a maioria deles passam suas vidas e de suas esposas
trabalhando
a maioria deles nunca viram praias
mas enquanto Oyá minha irmã move a boca
de seus filhos e filhas contra eles
irei imergir a partir das páginas de seus jornais
pulando fora dos almanaques
ao invés de uma resposta para a sua busca por chuva
eles me lerão
a negra nuvem
significando algo inteiro
e diferente.
Quanto os ventos dos Orixás sopram
até a raiz da grama
desperta.

Audre Lorde – Nascida em Nova York em 1934, a poeta, ensaísta e ativista Audre Lorde é reconhecida como uma das figuras mais importantes do e da luta contra o e a homofobia/lesbofobia nos EUA.

Após suas primeiras publicações na revista New Negro Poets, USA, de Langston Hughes ao longo dos anos de 1960, seu livro de estreia na poesia, The First Cities, foi lançado em 1968. O poeta e crítico negro Dudley Randall o descreveu como um “livro quieto, introspectivo”, concentrado sobre a temática de sentimentos e relacionamentos, um comentário que parece se adequar também ao segundo volume Cables to Rage, de 1970, publicado inicialmente fora do país.

É a partir do terceiro livro, From a Land Where Other People Live (1972), indicado ao National Book Award, que a temática da opressão parece surgir com mais vigor, trazendo à tona um tipo de tom furioso que se torna a marca pela qual sua poesia seria reconhecida pela crítica, a ponto de, por exemplo, um autor como Jerome Brooks afirmar em Black Women Writers (1950 – 1980): A Critical Evaluation: “Lorde's poetry of anger is perhaps her best-known work”.

Seus livros subsequentes se desenvolvem nesse mesmo registro, como New York Head Shot and Museum (1974), Coal (1976, a primeira de suas publicações a ser lançada por uma grande editora) e The Black Unicorn (1978), considerado por muitos o ponto mais alto de sua trajetória poética. No mesmo ano de lançamento de The Black Unicorn, Lorde foi diagnosticada com câncer de mama, e da sua luta contra a doença saiu o livro de prosa de não-ficção The Cancer Journals, de 1980.

Suas outras obras em prosa incluem dois livros sobre relações entre mãe e filha, A Burst of Light (1981) e Sister Outsider: Essays and Speeches (1984), além da autobiografia (descrita pela autora como uma biomitografia) Zami: A New Spelling of My Name (1982). Ela também foi professora entre o final da década de 70 e começo da década de 80 na John Jay College of Criminal Justice e na Hunter College of The City University of New York, e entre 84 e 92 desenvolveu um trabalho de ativismo em Berlim com alemãs.

Infelizmente, apesar de ter superado o câncer de mama, Lorde desenvolveu câncer de fígado, que levou à sua morte em 1992. Em sua poesia e sua luta contra a opressão, porém, ela deixou um legado muitíssimo vivo.

Fonte: Escamandro

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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