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QUEIMADAS PELO BRASIL: AGROECOLOGIA É URGENTE

AGROECOLOGIA URGENTE EM TEMPOS DE QUEIMADAS

Queimadas pelo Brasil reforçam que agroecologia é pauta urgente

O fogo, as e a : é preciso olhar para a Terra

Por Helena Lopes/ANA, via Mídia Ninja

Alguns eventos são tão poderosos que parecem inexplicáveis, especialmente quando surgem de repente em nossa vida, nos tornando parte daquilo que antes parecia tão distante. Não é necessário que algo aconteça em nosso quintal para que nos indignemos. No entanto, nesta semana, uma série de eventos está ocorrendo no quintal de muitos de nós: as queimadas! Seria um descuido mortal ou um incêndio criminoso?

É certo que o fogo transformou a maneira como nos relacionamos com o mundo. Por exemplo, sua descoberta, ao permitir a passagem do cru para o cozido, alterou profundamente nossos hábitos à mesa e nossa relação com os alimentos. Hoje, porém, o cenário é de um país em chamas. De uma descoberta revolucionária, o fogo se tornou uma força incontrolável. Que tempos são esses? São mais de 100 mil focos de incêndio no Brasil; inteiras encobertas por fumaça; em , os prejuízos chegam a cerca de 1 bilhão de reais; e mais de 1,3 milhão de hectares foram consumidos pelo fogo no Pantanal.

Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, os meses de julho, agosto e setembro são conhecidos pela prevalência da seca. Essa condição tem se intensificado devido às mudanças climáticas e às diversas crises ecológicas que nos cercam, como a conversão de áreas de florestas em pastos e monoculturas, a exaustão das águas e do solo, e a expulsão de povos e comunidades tradicionais de suas terras.

De acordo com o relatório do IPCC – 2023 (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), 22% das emissões de gases de efeito estufa estão associadas à agricultura, ao uso da terra e às mudanças no uso do solo. Grande parte dessas emissões é resultado da liberação de devido ao desmatamento, quando toneladas de carbono armazenado em árvores e no solo são liberadas para a atmosfera. As ações humanas têm intensificado a presença do fogo, alterando o equilíbrio do sistema Terra (atmosfera, hidrosfera, geosfera, biosfera).

No caso brasileiro, isso significa que a agricultura de commodities, que converte milhares de hectares de vegetação nativa em desertos verdes à base de organismos geneticamente modificados e chuvas de agrotóxicos, tem modificado o sistema Terra, tornando os ecossistemas muito mais vulneráveis à ação do fogo. O fogo, que surge naturalmente em casos como a combustão espontânea de turfa no Pantanal ou na quebra da dormência de sementes no cerrado, teve sua dinâmica completamente alterada pelos períodos prolongados de estiagem e pelo aumento da temperatura do ar e do solo. Segundo o relatório do IPCC – 2019, a temperatura da superfície do solo é quase duas vezes maior do que a média global.

O fogo também é usado como arma, ateado a acampamentos de sem-terra, aldeias indígenas e casas de outros povos que resistem na defesa cotidiana de seus territórios. É uma ferramenta criminosa na abertura de pastagens e áreas de monocultivos, a mando de grileiros e representantes do agronegócio. O cientista brasileiro Carlos Nobre levanta a hipótese de que o fogo que consome o país vem sendo utilizado como uma estratégia orquestrada para abrir novas áreas agropecuárias, burlando políticas ambientais que criminalizam o desmatamento. Ao invés de desmatar, colocam fogo e tentam classificar esses crimes premeditados como incêndios de origem “natural”.

Os danos causados pelo fogo começam a se transformar em cifras, e bilhões de reais já são oferecidos como solução, uma espécie de canto da sereia. Entre os credores, estão aqueles que destroem qualquer chance de habitabilidade do planeta. As mudanças climáticas estão postas, mas pouco se fala sobre suas causas. O assunto parece surgir espontaneamente. É preciso enfrentar de frente e compreender que o uso da terra – e da Terra – é uma questão central para combater o que está acontecendo. Enfrentar as mudanças climáticas e as desigualdades sociais e ecológicas exige pensar nas dimensões agrárias do nosso país. Bilhões de reais não serão suficientes para conter o fogo que é reacendido diariamente.

Afirma-se, com razão, que o fogo poderia ter sido previsto e evitado por sistemas de monitoramento adequados, assim como por medidas efetivas de controle. No entanto, insistir em ignorar as causas não nos levará longe. Uma tecnocracia não conterá o aquecimento global e novas chamas.

É necessário ver claramente e, com urgência, reinventar a agricultura em nosso país. Se há esperança nesta , ela reside na compreensão de que a solução está diante de nós. A terra é a questão central, onde os povos vivem, onde a agricultura camponesa e familiar continua a cultivar alimentos livres de transgênicos e agrotóxicos, onde a agroecologia floresce, demonstrando que outras formas de cuidar da Terra estão em prática há muito e fazem parte de saberes e práticas ancestrais.

Para mudar o rumo que está levando as sociedades ao colapso, é urgente entender que o apoio à agroecologia significa promover soluções que restauram nossos ecossistemas e redes de relações sociais, ao mesmo tempo que reduzem os danos já causados.

Já passou da hora de termos um que defina suas prioridades com base nas demandas reais do povo brasileiro. É preciso direcionar os recursos públicos e todos os esforços possíveis para fortalecer sistemas alimentares mais saudáveis, diversificados e solidários.

E, mais uma vez, destacamos que não estamos começando do zero. Existem no Brasil propostas consolidadas há anos, algumas ainda não implementadas, como o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Entre os objetivos do Pronara estão o maior controle e fiscalização do uso de venenos; a adoção de medidas econômicas e financeiras, como a retirada de isenções fiscais para agrotóxicos; a produção de informações e maior transparência sobre os produtos; e, sem dúvida, o de alternativas, muitas delas já em curso graças à atuação do movimento agroecológico.

Na mesma linha, está o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), fruto de uma construção coletiva com a participação de representantes de órgãos do governo e de organizações da sociedade civil. O Plano traz uma série de ações, programas e políticas públicas que fomentam práticas alinhadas à agroecologia em todos os elos dos sistemas agroalimentares. São propostas que vão desde o apoio à produção agroecológica até a comercialização e o consumo de alimentos, passando pela promoção de ações voltadas ao manejo e conservação dos recursos naturais, à sociobiodiversidade, à construção de conhecimentos em agroecologia e à garantia de acesso à terra e aos territórios por parte dos povos e comunidades tradicionais e dos agricultores familiares.

O Planapo, que prevê ações para serem implementadas entre 2024 e 2027, já está pronto para ser lançado pelo governo federal, o que deve acontecer em setembro. No entanto, se o poder público não enxergar a urgência de assumir o compromisso e garantir recursos para a implementação das propostas do Plano, podemos afirmar que continuaremos avançando a passos largos em direção ao fogo.

Fonte: Mídia Ninja

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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