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Quem mandou matar Ari Uru-Eu-Wau-Wau?

Quem mandou matar Ari Uru-Eu-Wau-Wau?

Em meio à restrição do confinamento nos territórios indígenas por causa da pandemia do novo coronavírus, a violência contra as lideranças não cessa e faz sua segunda vítima na véspera de uma data de tanta resistência, como é o 19 de abril
Por Izabel Santos e Elaíze Farias
Em Rondônia, na manhã de sábado, 18/4, foi encontrado morto o professor e agente ambiental Ari Uru-Eu-Wau-Wau, de 33 anos, na estrada do distrito de Tarilândia, no município de Jaru, a 292 quilômetros de distância de Porto Velho. O corpo estava ao lado de sua motoneta; daí surgirem dúvidas da polícia sobre o crime por parte da investigação.
A família diz que há marcas de pancadas em Ari. O Boletim de Ocorrência (BO) da Polícia Civil trata a morte como homicídio. No laudo do Instituto Médico Legal (IML), ao qual a agência Amazônia Real teve acesso, consta como “indefinido” [sic] o motivo do óbito do indígena.
Em 31/3, o líder Zezico Rodrigues Guajarara, da aldeia Zutiwa, da Terra Indígena Arariboia, foi assassinado em um trecho da estrada Matinha, município maranhense de Arame, a 477 quilômetros da capital São Luís. Até o momento, a Polícia Federal não esclareceu o crime.
NOTA DO CONEXÃO PLANETA
Ari é o o sexto indígena assassinado em cinco meses. O primeiro foi Paulo Paulino Guajajara, morto com um tiro por madeireiros, em emboscada, em 1o. de novembro de 2019, que integrava o grupo Guardiões da Floresta, que protegiam a TI Araribóia de invasores. No início de dezembro, morreram três indígenas: os caciques Raimundo Benício Guajajara, 38 anos, e Firmino Praxede Guajajara, 45 anos, foram executados numa rodovia, entre as aldeias Boa Vista e El Betel, quando voltavam de uma reunião com a Eletronorte.
Dias depois, o jovem Dorivan foi encontrado morto e esquartejado na cidade de Amarante, no Maranhão. Na época, Sonia Guajajara, liderança indígena e coordenadora executiva da APIB – Associação dos Povos Indígenas do Brasil alertou: “Estamos num campo de batalha”.
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Ari morava na Aldeia 621 Jaikara da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Por telefone, enquanto estava no município de Jaru, onde foi buscar o corpo no IML, um dos irmãos dele, Tangãe Uru-Eu-Wau-Wau, disse à reportagem que a notícia de sua morte chegou por volta das 8h e ele correu rumo à estrada Linha 625.
“Quando cheguei lá (perto do corpo), ainda consegui vê-lo ao lado da motoneta, mas os policiais tinham chegado antes e não deixaram a gente ficar por perto muito tempo. O corpo de Ari estava na margem esquerda da estrada e consegui visualizar marcas de pancada no pescoço, de sangue no chão de terra e de um outro veículo nas proximidades. Os policiais ficaram falando que era acidente”, afirmou.
Tangãe disse que também ficou intrigado com a falta de informação por parte da perícia e com o fato do delegado que registrou o ocorrido, identificado com o nome de Salomão de Matos Chaves, ter recolhido o celular e o canivete de Ari. “Espero que ele (nos) entregue”, disse. “Queremos que haja uma investigação bem profunda e peguem o responsável pela morte. Há cinco anos morreu outro Uru-Eu-Wau-Wau. O corpo foi encontrado no rio e nunca tivemos respostas sobre o que aconteceu”.
Ivaneide Bandeira, coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, organização que atua junto aos Uru-Eu-Wau-Wau, disse que a Polícia Federal precisa investigar a causa da morte para não se ter dúvida e que os autores sejam punidos. “Se foi acidente, quem provocou? Estou cansada de ver indígena morrer e ouvir que foi acidente”, denunciou.
Ivaneide foi responsável, junto com Tangãe Uru-Eu-Wau-Wau, de buscar o corpo de Ari no IML e levá-lo para a aldeia. A Amazônia Real não conseguiu falar com a coordenação da Funai (Fundação Nacional do Índio), em Rondônia.
Segundo Ivaneide, o coordenador do órgão indigenista, Reginilson Jacob Oliveira, havia dito que já teria comunicado à Polícia Federal e solicitado investigação.
Ainda no sábado, a Anistia Internacional emitiu nota exigindo esclarecimentos e que as investigações sobre a morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau sejam conduzidas pelo Polícia Federal. “Exigimos que as autoridades brasileiras tomem todas as medidas necessárias para investigar a morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau e para garantir o direito de sua família e de seu povo à verdade e à justiça. É preciso que se esclareça urgentemente se sua morte está relacionada à série de invasões que sua terra vem sofrendo”, declarou Jurema Werneck, diretora executiva da ONG.
Segundo Tangãe Uru-Eu-Wau-Wau, Ari saiu da aldeia 621 Jaikara na sexta-feira, 17, por volta de 18h, mas não comunicou para onde iria. “Ele costumava sair e voltar logo. Hoje (18) de manhã, meu sobrinho viu o corpo no canto da estrada e foi nos avisar. Fiquei sem acreditar, muito abalado”.
Ari Uru-Eu-Wau-Wau era casado e tinha dois filhos, de 10 e de 14 anos de idade.  Na noite do sábado o corpo foi transportado para a aldeia, onde passará pelos rituais funerários da etnia e será enterrado conforme a tradição dos Uru-Eu-Wau-Wau: debaixo da rede onde ele dormia em sua moradia.

Sob constante pressão do agronegócio e da extração ilegal de madeira

A luta pela Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia contra os madeireiros e grileiros
(Foto: Gabriel Uchida/Kanindé)

Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau foi demarcada em 1991 com 1.857 mil hectares de área, mas tem um longo histórico de invasão e grilagem que remonta a década de 70, resultando em uma vasta perda florestal, impacto ambiental e ameaças à sobrevivência das etnias que vivem no território. A área também já foi alvo de títulos expedidos irregularmente pelo Incra para trabalhadores rurais, cujas consequências se arrastam até hoje.
A terra é sobreposta ao Parque Nacional de Pacaás Novos, a maior unidade de conservação de Rondônia. Esta região é uma das mais impactadas pelo agronegócio e a exploração ilegal de madeira.
O território tradicional abriga também os povos Amondawa e os Oro Win. Ainda há referências sobre a presença de índios não-contactados. Os Japaú, como os Uru-Eu-Wau-Wau se autodenominam, falam a língua Tupi-Kawahiva. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), três grupos isolados já foram identificados no território Uru-Eu, entre eles os Yvyraparakwara e os Jururcy.
No final de 2016, a invasão à Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau se intensificou, período em que aumentaram os desmatamentos. Uma nova onda de invasões e grilagem evoluiu, com a participação declarada de autoridades governamentais e de políticos.
Desde então, a Amazônia Real produziu uma série de reportagens sobre a situação do território. Em março de 2017, o site mostrou que grileiros e autoridades chegaram a fazer reuniões dentro de um posto da Funai localizado na terra indígena. A partir daquele mesmo ano, a Polícia Federal vem realizando operações de combate a crimes ambientais e de invasores e grileiros. As invasões, contudo, nunca cessaram.
Em outubro de 2019, a PF, em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), o Exército Brasileiro deflagrou a Operação Terra Protegida, para combater o desmatamento, queimadas, ameaças aos servidores públicos e invasão de áreas da União no Parque Nacional do Pacaás Novos Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, região de Nova Mamoré e Campo Novo de Rondônia.
Em nota divulgada na ocasião, a PF diz que “cumpre a 20 mandados judiciais, sendo quatro de prisão preventiva, oito de busca e apreensão e oito de sequestro e indisponibilidade de bens, expedidos pela Justiça Federal em Guajará-Mirim, e cumpridos em Porto Velho, Buritis, Campo Novo de Rondônia e Nova Mamoré”.
“Em Rondônia, a Polícia Federal também cumpre mandado de busca no interior da Terra Indígena e no Parque Nacional, especificamente com o objetivo de verificar a existência de edificações e loteamentos no interior das áreas protegidas, além de efetuar as prisões dos principais investigados nos municípios citados acima”, diz a PF.

Insegurança e omissão das autoridades

A morte do professor e agente ambiental Ari Uru-Eu-Wau-Wau aumenta a insegurança no território. Esse povo é constantemente ameaçado e não têm apoio efetivo dos órgãos ambientais. O coordenador na Associação Indígena Jupaú, Bitate Uru-Eu-Wau-Wau, sobrinho de Ari, destaca que o assassinato traz ainda mais tensão ao território. “Estamos totalmente abalados com o que aconteceu! E quando recebemos essa notícia junto com a minha comunidade ficamos muito tristes”, contou, destacando que o clima nas aldeias está bastante tenso.
“O Ari fazia parte da minha equipe de vigilância da terra indígena, era professor na comunidade dele e sempre esteve à frente das ações de vigilância. Não estamos seguros, e mesmo protegendo o território vamos viver nesse medo”, acrescentou Bitate.
Levantamento realizado em 2019 pela entidade reuniu relatos de lideranças indígenas que afirmaram estar sofrendo ameaças por esses invasores e também apontaram a ausência dos órgãos responsáveis pelo monitoramento ambiental e da situação dos povos indígenas, especialmente o Ibama e a Funai.
“É obrigação do Estado Brasileiro e de seus representantes proteger os povos indígenas do Brasil. Mas o que temos visto é uma série de desmontes e violências. Entre os direitos intensamente violados desde 2019 estão o direito à vida, à segurança, à terra e ao território. Cobramos imediatamente das autoridades que medidas concretas sejam adotadas”, ressalta a nota da Anistia Internacional.
“Além disso, em tempos de pandemia, é preciso fortalecer os órgãos federais responsáveis pela proteção e a saúde dos povos indígenas, assim como proteger suas terras, evitando que invasores levem o vírus para essas populações. Bolsonaro e Sergio Moro devem garantir todas as condições necessárias para que a Funai e a Polícia Federal atuem pela proteção desses brasileiros e brasileiras”, conclui a nota da ONG.
A Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (Agir) também pediu que as investigações sobre a morte de Ari sejam conduzidas pela Polícia Federal, e não pela Polícia Civil de Rondônia. “Devido à forte possibilidade de este assassinato estar ligado às invasões e loteamentos de não-indígenas, dentro da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, requer-se que a Polícia Federal assuma a investigação e que o Ministério Público Federal acompanhe as investigações sobre a morte do professor Ari Uru-Eu-Wau-Wau desde o seu início”, reivindica, na nota.
Agir contesta a hipótese de acidente e destaca o contexto de invasões e de ameaças que o povo sofre. “Há tempos que os Uru-Eu-Wau-Wau e seus apoiadores vêm denunciando a invasão e os loteamentos de não-indígenas dentro desta área e, ao mesmo tempo, vêm também denunciando as ameaças de morte que membros desse povo vem sofrendo. Exigimos que, uma vez identificados o(os) assassino(s), que estes sejam imediatamente presos. Assim como exigimos que a Funai e todos os demais órgãos responsáveis pela fiscalização desta área indígena façam uma fiscalização contínua e não apenas pontual a fim de evitar novas mortes de indígenas Uru Eu-Wau-Wau e de outros povos indígenas”.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também pediu providências. “Este é o segundo assassinato de lideranças indígenas em menos de 20 dias. Zezico Guajajara, professor e liderança que lutava pela proteção do território do seu povo foi brutalmente assassinado, no Maranhão, em 31 de março. A violência contra os povos indígenas só aumenta e este crescimento tem relação direta com a política genocida do governo Bolsonaro”, diz a nota, destacando que os indígenas não estão expostos apenas ao coronavírus, mas a crimes cometidos por madeireiros, garimpeiros e grileiros devido a fiscalização ambiental precária.
*Este texto foi publicado originalmente pela agência Amazônia Real, em 19/4/2020

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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