"Rapé na Balada" ou a desonestidade intelectual da Folha de São Paulo

“Rapé na Balada” ou a desonestidade intelectual da Folha de São Paulo

“Rapé na Balada” ou a desonestidade intelectual da Folha de

Com o título “Rapé da Amazônia conquista adeptos em bares e baladas’ a matéria publicada no impresso AGORA da FSP e reproduzido no caderno de cotidiano da Folha de S. Paulo On Line, não passa de um produto barato de profundo desconhecimento e desonestidade intelectual.

No primeiro parágrafo, a matéria refere-se ao ‘pó alucinógeno no limite da legalidade’, e daí partem os mais flagrantes engodos destinados a ludibriar o leitor, causando de modo artificial, indignação, medo e preocupações.

A suposta ‘ilegalidade’ seria por conter o rapé DMT – Dimetil Triptamina, um alcaloide de uso proibido pela ANVISA. É totalmente inverídica a informação de quer o rapé tradicional da Amazônia leva DMT. A matéria se refere especificamente ao Huni Kuin.

As usadas pelos Huni Kuin estão catalogadas no livro Una Isi Kayawá – o Livro da Cura, feita em parceria com o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Informação disponível que o repórter ignorou. Muitas plantas podem conter DMT, em doses variadas, mas a proibição da ANVISA só pode regular de fato o DMT isolado ou sintetizado.

A primeira desonestidade é chamar de ‘Rapé da Amazônia’ um rapé supostamente adulterado com DMT isolado ou sintetizado por razões e métodos que a matéria não esclarece, mas que fogem totalmente das capacidades de produção do rapé nas aldeias.

Tampouco há qualquer registro de que o ‘rapé da amazônia’ seja alucinógeno. Chamá-lo de ‘Pó Alucinógeno’ é ultrapassar o limite da responsabilidade.

O que teria embasado o repórter a chamá-lo de ‘pó alucinógeno’? Por acaso experimentou? Entrevistou especialistas? Meus caros, nem com muita vontade e força de expressão o rapé explicitado na matéria seria ‘alucinógeno’.

Há também na escolha do título; ‘Ganha adeptos nas Baladas’. A leitura do próprio conteúdo da matéria, nos mostra algo totalmente diferente do que é sugerido. A matéria descreve antes, uma cerimônia própria para o uso de rapé conduzida por um Huni Kuin, em que segundo a matéria ‘são entoados cânticos’. Ora, a reportagem se refere ao um ritual próprio e não a uma balada. É o oposto do que diz o título.

Em nenhum momento, há a descrição de uso indiscriminado do rapé em baladas. De concreto, o que existe é a afirmação de um único entrevistado: “O advogado Glauco Paone, 52 anos, diz usar rapé esporadicamente, em bares na Vila Madalena… “Gosto de usar na balada, dá uma boa acalmada, mas prefiro usar em casa”. Esta foi em toda reportagem a única referência explícita à ‘balada’. Outra entrevistada, a advogada Letícia Krueger…  “Curto usar na noite…”, podemos supor que ‘na noite’ tenha significado de ‘balada’, por aqui no Acre, e nas aldeias, a gente também usa ‘na noite’.

"Rapé na Balada" ou a desonestidade intelectual da Folha de São Paulo

Foto: Rubens Cavallari/FolhaPress

Enfim, a reportagem mais uma vez comete uma série de ‘pecados’ comuns ao meninos da Vila Madalena ao se referirem a contextos culturais amazônicos e brasileiros que não cabem nas suas pobres descrições colonizadas do mundo.

Não há muito mais o que se esperar da Folha de São Paulo. Seu diretor-presidente, Otávio Frias Filho, quando visitou a comunidade Céu do Mapiá do Santo Daime recorreu como ‘referência’ ao livro ‘O Coração das Trevas’ de Joseph Conrad, que mais tarde inspirou o filme ‘Apocalipse Now’ de Francis Ford Copola.

Ou seja, Otávio Frias Filho, proprietário da Folha de São Paulo e provável inspirador de seus pupilos da ‘vila madá’ acreditava estar indo para um lugar semelhante ao Congo do do rei Leopoldo ou ao Vietnã em guerra. Isso nos dá uma amostra de como esses rapazes estão despreparados para tratar de assuntos que estejam além do reino mágico situado entre as marginais pinheiro e tietê.

A conclusão possível é que o ‘Rapé da Amazônia’ não é capaz de trazer danos comparáveis à reportagem, veiculada sem qualquer compromisso com a verdade.


"Rapé na Balada" ou a desonestidade intelectual da Folha de São Paulo

 

ANOTE AÍ:

Leandro Altheman é jornalista, formado pela ECA-USP. Radicado há 18 anos em Cruzeiro do Sul -Acre, é autor do livro Muká, a raiz dos sonhos – um relato pessoal sobre a imersão do autor no universo do povo  Yawanawá. Para saber mais sobre o de Leandro Altheman, visite seu blog: Terras Nauas onde esta matéria foi publicada originalmente.

Leandro nos foi apresentado pelo acreano Jairo Lima, parceiro da Xapuri. Jairo, também escritor, publica seus textos no blog Crônicas Indigenistas.

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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