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O relógio e a saga do tempo: A importância do existir das coisas

Nada que existe passa despercebido por seu próprio existir. Não que tudo que existe tenha consciência de sua existência, mas somente pelo fato de existir já dá, não a outros, mas a si mesma, a sua importância. Nesse contexto, entra um fato que não teve sequer uma reação em si mesmo. Era um relógio marcador de pontos.

Estava escondido atrás de uma parede. Ali não se ouvia um tic-tac! Ele era um relógio digital. Digitava as horas trabalhadas. Tudo passava por ele, ele era o carro soberano para garantir um mísero salário ao fim do mês. Não reagia a nada que não estivesse registrado em sua “memória”. Memória! Um relógio que tem “memória” e se porta como um soberano cauteloso que sabe a hora de início e término do trabalho dos seus súditos
Pois bem! Nada que existe passa despercebido por seu próprio existir. Isso parece se tratar do ser humano! Ou não? Não. Fala-se de um relógio com “memória”. Ele não deixa que as pessoas deixem-lhe deixar de existir. Seu existir é percebido cada vez que uma pessoa “bate o ponto”.
É assombroso e até extrapolador o tanto de vezes que se deve fazer funcionar aquele relógio por dia. Ele trabalha quando a pessoa chega ao trabalho, sai para almoçar/retorna do almoço e à tarde quando já é hora de partir. Seu salário é garantido… Pois, deve-se pagar, todos os meses, a conta de luz. Caso isso não aconteça, o relógio deixa de ganhar o seu salário: a energia.
O relógio ganha energia para trabalhar enquanto as pessoas que o fazem trabalhar perdem energia para o trabalho. Ele tem “memória”: computadorizada. Nele contém múltiplas coisas. Uma que é óbvia é a hora. Além de ter “memória”, ele faz leitura.
Parece algo humano: tem “memória” e “lê”. Ler é uma característica de quem fala, mas se tratando de um relógio com “memória” esse argumento torna-se fajuto. Então, o que ele realmente lê? Ah! Agora sim! Ele faz leitura de digitais.
Em contraposição, tem-se o homem. Esse lê frase e palavra. Com efeito, aquele instrumento que faz os homens e a si mesmo trabalhar rege, mesmo sem ter razão, os racionais. Ele comanda a vida das pessoas que têm, entre um intervalo e outro, que “bater seu ponto”. Contudo, “bater o ponto” é sinônimo de salário ao fim do mês.
Diante deste fato engenhoso do trabalhar e ser chefe de uma chusma de pessoas, ainda se pode falar da funcionalidade deste relógio. Sua função é marcar a hora. Algo não alheio. Mas, realmente essa é a sua função? Não. Sua funcionalidade é muitíssimo vasta. Como também sua função pode ser de enganar já que é uma realidade detentora de “memória” e faz leitura porque essas capacidades são típicas do homem, homem que engana até mesmo a si próprio.
Consequentemente, um dia uma criança precisava acertar seu relógio que ficava no seu quarto. Passando perto do enganador ele viu a hora. Voltando para si, viu que em seu bolso havia uma caneta e um pedaço de papel. A criança, como se sabe, tinha que acertar seu relógio, então, não teve outra saída a não ser usar a hora que ali se encontrava.
A criança anotou a hora que aparecia no marcador em seu papel. Que aparecia? Sim. Aparecia: 23h e 37 min e 15 seg, depois quando olhava de novo o marcador marcava 23h e 37 min e 22 seg. Com isso, a criança observou que tinha algo errado. Tinha que achar uma tática para que o aparelho não percebesse que ela estava anotando sua hora. Foi até uma cadeira na qual se assentou. Voltando ao relógio viu que já era 23h e 42 min e 6, 7… 9 seg.
O relógio ainda percebeu que estava ali, pensou a acriança. Afastou bastante do aparelho e veio aproximando lentamente e anotou a hora rapidamente que marcava 23h e 46 min e 12 seg. Saiu correndo até seu quarto. Acertou seu relógio que estava marcando 09h e 12 min e 34 seg (este relógio estava parado, com isso, foi fácil anotar a hora certa em seu papel, foi de uma vez só e nem precisou de artimanha). Assim, o relógio da criança começou a funcionar às 23 h e 46 min e 12 seg do “horário do papel”. Seu relógio era de ponteiros.
Feliz com o relógio funcionando, a criança diz a um funcionário: “olha o que ganhei!”
_“Bonito! Mas por falar em relógio que horas são, pois tenho que ‘bater o ponto’”, disse o trabalhador.
A criança disse que deveria ser umas 23h e 46 min e 12, 13, 14… 17 seg., porque o relógio do ponto era indeciso. O funcionário sorriu e saiu.
No relógio de pontos era 00h e 03 min e 06 seg. quando o funcionário chegou para bater o ponto. Então, pensou: “mas não era 23h e uns 40 min?” Ele olha outra vez a hora e vê 00h e 06 min e 37 seg. Disse para si: “realmente o menino está certo,  está correndo muito!”.
Com isso, chega o menino e pergunta: “quantas horas são?” 00h e 08 min, disse. Ah! Pois no meu relógio são 23 h e 58 min. Não têm segundos, explicou. Tem grande diferença entre os relógios, disse o funcionário. O menino concordou e emendou dizendo que era porque o de pontos tinha “memória” e sabia ler e o dele nada além de ponteiros. O funcionário aceitou a explicação dizendo: “ah, é mesmo!”.
O relógio de pontos marca 00h e 18 min quando chega uma pessoa que tinha ficado na tocaia e ouvido toda a conversa sobre a hora em desacerto e disse: “esse menino é igual a este relógio, tem memória, lê, trabalha… Mas não sabe fazer nada, além disso”.
O funcionário indagou à pessoa: “ele acertou seu próprio relógio, e nem mesmo isso conta?” Claro que não, respondeu o homem que foi logo perguntando quem era essa criança tão atrasada.
O funcionário resumiu: “ele é o Tempo. Você não o conhece? Em cada relógio ele é um instante que perturba o nosso tempo! E eu sou a Energia, a qual não deixa o relógio ficar sem trabalho”.
Assim, ficou claro para o homem que pelo fato de uma coisa existir já tem sua importância em sua própria existência.
ANOTE AÍ:
 Joacir batina 1

 

 

 

Joacir d’Abadia, Pároco de Alto Paraíso-GO, Diocese de Formosa-GO.
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Filósofo, Escritor, articulista e Especialista em Docência do Ensino Superior.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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