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Jovem alma…

Jovem alma…

Por Jairo Lima

Jovem alma…

Em que suspiros a alma que de ti respira a tal pensamentos lhe fere?

Ao cair da tarde, quando o equinócio à luz pálida do dia que se apresenta, à mãe do céu noturno olhe para as estrelas e lá verás, triste espírito, que dos sonhos de liberdade dos grilhões invisíveis d’alma te livrastes.

Ao horizonte foca teu olhar e das sombras do mundo que te rodeia entenda que dos sentimentos somos senhores e não servos. Afinal, que desperdício seria se cedêssemos ao arbítrio do invisível que de tão presente, por vezes, toma forma de uma dor, que profundamente aperta em nosso peito, nos consumindo a existência tal qual a lúgubre luz de uma vela que aos poucos perece.

Acalente seu coração, minha pequena rosa vermelha. Saiba que há dias para a caça e outros para a prece. Há dias para de si se pores ao longe, e dias para ao longe se pôr de si. Ao engenho da vida nos entregamos, juntando as pequenas peças de um infinito mosaïque, na vã esperança que ao fim de nossa comédia existencial o tenhamos finalizado.

Caminho ao jardim, entregando-me aos aromas de minhas rosas, embriagando-me de lembranças do que foi, ou do que poderia ter sido. Mas, se ao passo essa embriaguez ao tino não me afasta, da razão me preenche e das dúvidas me põe ao longe, dando-me à certeza de minha maturidade que das peças do mosaïque, que ao primeiro suspiro à luz pus a primeira peça, ao distante estou de seu fim.

Respire, jovem alma… respire esse ar impregnado de lembranças que te embalam, e que à distância do horizonte transporta teu leve espírito aos meus maternos braços. De suas lágrimas acalento ao colo, seguro e aconchegante, como se de mim, teu frágil corpo jamais tivesse se afastado. E trarei à certeza de sua jovem alma o entendimento de que somos como a brisa morna ao fim do gelado inverno, prenunciando o renascer eterno da primavera.

Lembre-se, criança: Há dias para a caça, e há dias para a prece…

Nunca deixe que o perigoso láudano da tristeza em seu ser faça morada.

De sua, sempre vigilante,

Mãe de Copas

Primidi, mês de Germinal.

Jairo Lima – Indigenista acreano. Em Diários de Alice.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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