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Retrocessos inaceitáveis ameaçam a sobrevivência dos povos originários

Retrocessos inaceitáveis ameaçam a sobrevivência dos povos originários –

Por: Zezé Weiss

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Uma das primeiras providências do presidente JMB depois de tomar posse foi cumprir uma de suas principais promessas de campanha, repetida inúmeras vezes: “Nem um centímetro a mais de terra para os indígenas”.

Poucas horas depois das cerimônias inaugurais em Brasília, ainda durante o feriado do 1º de janeiro, o presidente assinou a Medida Provisória (MP) número 870, transferindo da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura, comandado pela ruralista Tereza Cristina, a competência do processo de demarcação das terras indígenas.

Logo em seguida, no dia 2, o presidente assinou outra MP, transferindo da Funai para a Secretaria de Assuntos Fundiários, comandada por Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR), a atribuição do licenciamento ambiental de obras que afetam as terras indígenas.

No dia 3, a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), principal organização indígena brasileira, divulgou nota acusando o presidente de representar interesses compromissados com o que há de mais atrasado no Brasil. Diz a nota:

Bolsonaro e os coronéis da Bancada Ruralista sabem que, para colocar mais terras no mercado, vão precisar inviabilizar a demarcação das terras indígenas, quilombolas, assentamentos de reforma agraria e unidades de conservação.

Mas também sabem que o mundo tende para um novo modo de produzir e consumir, e que não vamos hesitar em denunciar esse governo e o agronegócio nos quatro cantos do mundo, denunciando e exigindo a adoção e o respeito às salvaguardas sociais e ambientais, necessárias ao fiel cumprimento de nossos direitos constitucionais.

Estamos preparados, não vamos recuar, nem abrir mão dos direitos conquistados, e muito menos entregar nossos territórios para honrar o acordo entre Bolsonaro e seus coronéis.”

Em depoimento ao site Amazônia Real, Dinamam Tuxá, vice- coordenador da APIB, afirma que a medida “institucionaliza o genocídio” e explicita o “aval declarado do Estado para a violência nas aldeias,” retornando a condição dos povos indígenas à “estaca zero, ao Brasil de 1500, quando nos massacraram e tomaram nossos territórios.” Ele aprofunda:

O Ministério da Agricultura está contaminado. A ministra é uma líder ferrenha do agronegócio. Há muito tempo o agronegócio vem pleiteando a paralisação das terras indígenas, o que já vinha acontecendo nos últimos anos. Agora, migrando para o Ministério da Agricultura, liderado pela bancada do agronegócio, sabemos que de fato não haverá qualquer demarcação de terra. Isso irá acarretar aumento de violência nas aldeias e desmatamento nos territórios.”

À moda de justificativa, além de fazer críticas difusas às ONGs, o presidente escreveu em sua conta no Twitter que pretende voltar à antiga política de “integrar” os indígenas, desconsiderando as diretrizes da Constituição de 1988: “Mais de 15% do território brasileiro é demarcado (sic) como terra indígena e quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por Ongs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a (sic) todos os brasileiros.”

Ro’otsitsina Xavante, da Namunkurá Associação Xavante (NAX), localizada na Terra Indígena São Marcos, no Cerrado matogrossense, contestou a justificativa integracionista do presidente em sua rede social: “Não estamos isolados, pois nossos ancestrais foram obrigados a se integrar durante a colonização. Os povos que estão em isolamento voluntário enfrentam, sim, a exploração, mas não das ONGs e sim de um sistema agropecuário e agricultura forçada, chegando com a extração de madeira ilegal, pela cobiça de governantes como o presidente, entre outras invasões”.

No dia 3, a APIB protocolou representação solicitando à procuradora Raquel Dodge que ingresse com ação judicial para suspender o Art. 21, inciso XIV, e seu parágrafo 2º, inciso I, da Medida Provisória n. 870, de 1º de janeiro de 2019, referente à atribuição do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no que tange a identificação, delimitação e registro de terra tradicionalmente ocupada, pela afronta ao Art. 6º da Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho – OIT, promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004; bem como pela afronta do Art. 1º do Decreto n. 1.775/96, Art. 19 da Lei n. 6.001/73 e Art. 1º e 4º do Decreto n. 9.010/2017.

A APIB solicitou também a instauração de Inquérito Civil com o fi to de investigar e monitorar os atos e processos administrativos de demarcação de terras indígenas que irão tramitar no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, bem como apurar eventual responsabilidade administrativa atentatória à moralidade administrativa, à democracia e ofensa aos direitos culturais dos povos indígenas, com fundamento no Art. 129, inciso V, da Constituição de 1988.

Por meio de sua assessoria de comunicação, a Procuradoria Geral da República (PGR) informou que: “Todas as medidas anunciadas pelo governo serão analisadas pelas respectivas áreas do Ministério Público, mas, neste momento, não podemos adiantar posicionamento. Estamos em contato com a coordenação da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão e qualquer novidade em relação a este assunto, entraremos em contato”. A 6ª Câmara da PGR é responsável pela atenção às demandas das populações indígenas e comunidades tradicionais.

Também em nota, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), diz acreditar que, “a partir do protagonismo dos povos indígenas, das demais comunidades e grupos sociais afetados pelas medidas arbitrárias do governo Bolsonaro, serão desencadeadas intensas articulações, campanhas e mobilizações – no país e no exterior – com o objetivo de chamar a atenção de organismos e sociedades para a desastrosa política posta em prática no Brasil, conclamando a todos a se manifestarem junto às autoridades, na perspectiva de que a Medida Provisória 870/2019 seja rejeitada pelo Congresso Nacional, assegurando então que os direitos individuais e coletivos tornem-se prioritários frente aos interesses políticos e econômicos corporativos”.

ANOTE AÍ:

Ilustração: Fernando Lopes
Foto: Divulgação

zeze 1Zezé Weiss

Jornalista
Socioambiental
@zezeweiss

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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