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Risco de Extermínio ameaça Indígenas Isolados

Risco de Extermínio: Pandemia e governo do inominável ameaçam Indígenas Isolados

Por Maria Fernanda Ribeiro

Análise inédita mapeia invasões de garimpeiros, madeireiros e até de traficantes a territórios com em isolamento e mostra como a Covid e as políticas do atual governo vêm estrangulando as e a sobrevivência dos isolados.

O assassinato de dois indígenas isolados por garimpeiros na Indígena Yanomami, divulgado em dezembro de 2021 pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), é uma tragédia que vinha sendo anunciada de vários lados.

Meses antes, Davi Kopenawa Yanomami já alertava sobre a situação dos Moxihatëtëma. “Estou preocupado com os parentes isolados porque o perigo está chegando para eles. Estamos cercados pelo garimpo, e tem garimpeiro que gosta de matar índio”, disse o líder, reconhecido mundialmente como um grande defensor na luta pelos direitos da Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima. “Eles são meus vizinhos, meus irmãos, e estamos lutando para o garimpeiro não chegar até eles”. 

Outro aviso do risco que corriam estava estampado com letras vermelhas no ranking Alerta Povos Indígenas Isolados , do OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato). A ferramenta é como um termômetro que mede o grau das ameaças – agravadas com a pandemia – contra os isolados. No primeiro lugar da lista, está justamente a Serra da Estrutura, área da TI Yanomami onde vivem os Moxihatëtëma. O principal agravante? Garimpo.

Mas os garimpeiros são apenas uma das ameaças contra os isolados. O ranking do OPI e relatos desesperados de lideranças indígenas alertam para uma “tempestade perfeita” que põe em risco a sobrevivência desses povos. Primeiro, veio o desmonte das políticas socioambientais promovido por Jair Bolsonaro, que enfraqueceu a fiscalização dos territórios. Veio também o discurso antiindígena do próprio presidente, que deu um salvo-conduto aos invasores. Em seguida, chegou a pandemia, que dificultou ainda mais a proteção das terras indígenas, deixando esses povos cada vez menos isolados.

Assim, as porteiras – que já estavam sendo abertas para garimpeiros, grileiros, madeireiros, missionários e até traficantes – foram escancaradas para a “boiada” passar. Caso do em TIs com isolados, que cresceu quase 1.500% durante o governo atual, se comparado à década anterior. Ou seja, entre 2009 e 2018, a média registrada foi de 582 hectares por ano, marca que chegou a 9.271 hectares durante a gestão Bolsonaro, segundo cálculo do Instituto Socioambiental (ISA).

MAPA 02 isolados

VETORES DA DESTRUIÇÃO – E DO VÍRUS

 Durante a atual “tempestade”, o desmatamento e o garimpo vão além de destruir os territórios dos povos originários, atuando também como vetores da Covid-19. Ambas as atividades foram responsáveis por abrir caminho para que o vírus contaminasse ao menos 22% dos indígenas infectados, segundo uma pesquisa com dados até agosto do ano passado, do economista e especialista em Humberto Laudares.

“São justamente os indígenas, os maiores protetores da floresta, que mais sofrem com essa dupla pandemia sanitária e ambiental. Infelizmente, as políticas vindas do governo estão a favor das pandemias e contra os indígenas”, afirma Laudares.

Para Angela Kaxuyana, liderança do movimento indígena da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), é desesperador saber que a vida dos isolados, que dependem de um território preservado, está em risco: “Quando tem queimada ou desmatamento, eles são os primeiros que sofrem”.

“Sempre existiram ataques, invasões e tentativas de desaparecer com os povos isolados. Mas antes desse governo muito declarado contra os indígenas, as pessoas agiam de uma forma mais tímida, mais camuflada”, afirma Kaxuyana. “Só que hoje o que intensifica essa ameaça é que você tem o presidente declarando que tem como agenda oficial esse desmonte [de políticas pró-indígenas], além da pandemia, claro.”

Para ela, a Covid segue sendo uma ameaça aos indígenas em geral, mas especialmente aos isolados. “Se algum for contaminado, teria um genocídio em dois ou três dias”.

Os riscos para essas populações são maiores por serem mais vulneráveis a doenças infectocontagiosas – uma simples gripe pode matar e deixar povos inteiros à beira da . Foi o que aconteceu com os Nambikwara. Após o contato com não indígenas, 90% da população foi morta por epidemias como as de sarampo e gripe. É justamente por contatos catastróficos como esses que alguns povos se isolaram.

Há atualmente 114 registros da presença de isolados na , sendo que são 28 povos isolados oficialmente confirmados, segundo a Funai. Para se chegar ao nível de alerta, o levantamento considerou pontos como casos/ por Covid, risco de invasões e planos de contingência caso haja contato.

awa Flay Guajajara

TI ARARIBÓIA –

“Perdemos o controle, nossa terra está toda invadida.”

Na TI Yanomami, cujo risco de alerta é o mais grave, é o garimpo a principal ameaça, acompanhada de uma situação epidemiológica já fragilizada antes da pandemia, com problemas como desnutrição infantil severa. São mais de 2.100 casos de Covid e 22 mortos pelo vírus, de acordo com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).

No segundo lugar no ranking está a TI Araribóia, no Maranhão, onde os Guajajara dividem o território com os isolados Awá Guajá, que frequentam as mesmas regiões alvos de invasões de madeireiros ilegais. A área foi a que mais sofreu com o desmatamento ilegal, segundo o monitoramento do Sirad-Isolados de agosto.

Foi quando os invasores derrubaram uma área de mata nativa equivalente a 85 campos de – um aumento de 78% no desmatamento em relação a agosto de 2020. Focos de queimadas também aumentaram 100% este ano.

Maria Fernanda Ribeiro – Jornalista. Matéria publicada originalmente no Repórter Brasil. https://reporterbrasil.org.br/2021/11/risco-de-exterminio-pandemia-e-governo-bolsonaro-ameacam-indigenas-isolados/


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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