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Risível Risério: ou como o psiquê do homem branco, do alto dos seus privilégios, subestima o racismo estrutural brasileiro

Risível Risério: ou como a psiquê de um homem branco subestima o racismo estrutural brasileiro

Risível Risério: ou como a psiquê do homem branco, do alto dos seus privilégios, subestima o estrutural brasileiro

No último dia 15 de janeiro, o ensaísta Antônio Risério iniciou o ano de 2022 com um artigo deplorável que, publicado no caderno Ilustríssima do jornal Folha de São Paulo, ganhou projeção mais pela avalanche de críticas que levou do que propriamente pelas ideias e força de seus argumentos ali apresentados…

Por Iêda Leal/via Jornal Brasil Popular

Conhecido polemista, não é a primeira vez que o mediano escritor ganha holofotes pelo que verbaliza em muitas áreas por onde já atuou e deixou sua marca indelével. Passou pela gestão pública e foi afastado sob forte denúncias de malversação de recursos públicos; no marketing político também atuou para não deixar saudades, acusado também de inúmeros crimes e desvios; até junto a editora que já havia publicado suas obras foi defenestrado para, a partir de então, atacar a quem dera abrigo a seus escritos.

Para além de todas as suas relações conflituosas que mantém com todos que dele se acercaram em algum momento de sua vida, Risério já estaria esquecido como uma figura menor no debate público brasileiro. Até o jornal Folha de São Paulo, veículo de imprensa paulista que ajudou a que perdurou no país de 1964 a 1985 e que, anos mais tarde, ainda teve a pachorra de defender, em editorial, a ditadura brasileira lhe atribuindo o nobre título de “ditabranda”, dar palco para mais um impropério do risível Risério nesse último dia 15. O escritor não poderia, enfim, ter achado melhor veículo para postar suas polêmicas. Eles se merecem, ao fim e ao cabo.

Nesse fatídico artigo publicado pela Folha, que ganhou as redes sociais e mobilizou a opinião pública nacional mais que o presidente Jair Bolsonaro, Risério fala e defende o que ficou conhecido como “racismo reverso”: com o título “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, o escritor baiano, vejam só a ironia, diz que ataques de negros contra brancos existem para provar que existe o racismo negro.

Defende que os pretos contam com instrumentos de poder para institucionalizar o seu racismo e, de forma patética, cita casos no mundo em que os negros praticaram o seu racismo contra brancos, com atos de . A leitura do artigo desse que também se intitula de “poeta” passa a exigir um esforço hercúleo para ser possível chegar até o seu fim. Qualquer leitor com um mínimo de acúmulo nesse debate, ou mesmo um nível básico de honestidade intelectual, teria a mesma dificuldade em digerir tais argumentos.

Quando o autor do artigo fala de brigas juvenis de gangues em Nova York para exemplificar o racismo de negros contra brancos, ou de disputas comerciais com coreanos, ou ainda do antissemitismo do movimento “Black Lives Matter”, chega a ser inútil o debate se prestar contra argumentos rasteiros como esses: quando se confunde deliberadamente as causas e consequências dos fatos sociais (e isso para alguém que também se intitula sociólogo e antropólogo), não dá para não lembra de Brecht quando disse que “do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Seria inútil argumentar com ele, como o ato de dar “pérola aos porcos” aos racistas despudorados de nossos tempos.

E por falar em porcos, estamos aqui chafurdando na lama que ele propôs para, mais uma vez, chamar os holofotes para si.

Racismo reverso não existe, meu caro risível Risério! Racismo é processo permeado pela existência necessária de estruturas de poder que, sem as quais, não é possível dele falar honestamente. O artigo se presta, com um olhar mais crítico sobre ele, a um debate cada vez mais anacrônico porque também cada vez mais extemporâneo.

Desde que passou a compor o lado dos baianos elogiosos ao coronel Antônio Carlos Magalhães (ACM), o escritor se propõe a atacar o que chama de identitarismo e as esquerdas em geral. Defende, em outro artigo publicado pela mesma Folha, que as políticas identitárias agridem a democracia, sem perceber que democracia é conceito que, para não ser esvaziado, tem mesmo que cada vez mais se apropriar substancialmente das pautas identitárias.

Democracia sem direitos à população negra, mulheres, pessoas e qualquer outra minoria política social é conceito esvaziado que, sem titubeios, podemos falar que ficou no passado. A sua democracia formal, fria e distante dos direitos sociais, explica mais sobre as psiquês humanas do que sobre os desafios sociais que temos a enfrentar nas sociedades contemporâneas. Foi-se o tempo, meu caro Risério, até na academia, que o debate dos direitos sociais das minorias políticas não reverbera mais. Recicle suas ideias porque elas não mais deverão lhe dar palco algum.

(*) Por Iêda Leal, educadora, secretária de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em – CNTE e coordenadora nacional do Unificado – MNU.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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