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Rumos equivocados para um Brasil sustentável e promissor

Rumos equivocados para um Brasil sustentável e promissor

Por Suzana M. Padua

“Governos, por piores que sejam, são transitórios. Mas o que se perde na natureza é para sempre”.

As áreas socioambientais do Brasil, que são a maior riqueza do país, estão sendo dizimadas sob nossos olhares. A biodiversidade, quase nem mencionada pelo governo atual, é uma riqueza do Brasil e do planeta, agrade ou não ao presidente. Tivemos a sorte de nascer no Brasil, que tem aproximadamente 20% de toda a vida do planeta e o maior reservatório de água doce. Doce também deveria ser a responsabilidade por proteger tamanho patrimônio. Mas não tem sido assim – tudo está em risco de arder e a culpa é nossa.

A sensação é de impotência diante de tanta barbárie. Muitos ambientalistas encontram-se estupefatos, pois se veem sob escrutínio de críticas infundadas, mas que muitos brasileiros desinformados acreditam. A competência tem sido ignorada, seja advinda de profissionais de carreira, principalmente aqueles ligados a órgãos ambientais como ICMBio e IBAMA, seja dos que trabalham em organizações não governamentais (ONGs), estes últimos responsabilizados por tudo de errado que ocorre no país.

É como a metáfora do sapo na água quente. Quando a água esquenta de repente o sapo consegue sentir e pula fora rapidamente. Mas, se aquecer lentamente, custa a perceber e acaba morrendo. Na verdade esse governo ferveu a água de tal jeito que só nos resta pular. Mas, para onde? O pensamento e a ação precisam ser estratégicos porque as barbaridades têm sido diárias e inusitadas. Cada dia um susto novo.

Há uma ruptura geral de todos os processos anteriores, pois muito do que havia levado anos a se concretizar, como a construção do Fundo Amazônia, forma encontrada para que os países ricos contribuíssem para a manutenção da floresta em pé, tem sido desmantelado – demolido! A negociação para que este Fundo se materializasse levou anos e se deve ao empenho de muitos, capitaneado pela então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

A questão ambiental seguiu seu curso, com inúmeros problemas, mas independentemente do viés partidário ou ideológico, sempre visando a proteção da riqueza natural brasileira. Isso porque está esse patrimônio acima de interesses pessoais. Prova disso foi a carta entrega ao presidente da Câmara no dia 28/8/2019, assinada por todos os ex-ministros do Meio Ambiente, solicitando uma suspensão de projetos de leis e outras iniciativas legislativas que aumentem o desmatamento.

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Eles passarão, mas sobrará política ambiental de pé? Foto: Marcos Corrêa/PR.

As falas dos ex-ministros foram contundentes – todos mencionaram a importância de se proteger a biodiversidade por ser um bem inestimável do país. E ficou clara na fala de todos a revolta com o que está ocorrendo com a descontinuidade de frentes de trabalho que eram eficazes e bem sucedidas.

“A culpa sempre é dos outros”.

A culpa sempre é dos outros. O governo nunca quis dialogar, somar, construir. Muito pelo contrário, desde o início briga, confronta e nega as verdades que para eles são inconvenientes, como foi com os dados de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Tem agido assim com as leis que mudam de acordo com seus interesses pessoais e familiares, negam comprovações científicas e estão colocando o Brasil contra países com enorme potencial de se travar negociações benéficas para todos.

A estratégia do governo é a de brigar com todos. Até o agronegócio está sendo mais ambientalista que o próprio governo, pois compreende que se leva tempo para se construir uma legitimidade que é indispensável para que o livre comércio venha a progredir e a proliferar.

A descontinuidade do Fundo Amazônia, a não aceitação de verbas externas com medo da perda de soberania é inaceitável principalmente diante da escassez de recursos para se extinguir o fogo ateado em consequência de sinais e ações inconsequentes dos governantes. Soberania se conquista com trabalho sério e de qualidade. Mas um país que ignora a ciência e age com impulsividade, com ímpetos impensados e sem embasamento teórico ou na experiência adquirida, não pode ser levado a sério.

O que não condiz com o que a cúpula governamental, principalmente as preconcepções do Presidente Bolsonaro e de seu ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, é porque é de esquerda. Tudo é rotulado, desqualificado e combatido sem antes haver uma ponderação do que é melhor para o país. O presidente fala sem pensar ou não pensa no falar. Já o ministro tem o dom da retórica vazia e com grande habilidade distorce verdades. Assusta como descredencia o que vinha sendo feito, desconstruindo processos e transferindo responsabilidades.

“Governos, por piores que sejam, são transitórios. Mas o que se perde na natureza é para sempre”.

Exemplos são inúmeros, mas o mais surpreendente foi com o presidente do INPE, Ricardo Galvão, cujo passado é impecável e de qualidade inquestionável. Chamado de mentiroso, por apresentar dados de desmatamento que não interessavam ser divulgados pelo governo, Galvão foi corajoso em não pedir demissão como forma de mostrar que nada tinha a esconder, até ser exonerado do cargo.

Desde o início desse governo vários servidores públicos foram transferidos ou humilhados ao cumprirem suas funções, como os de controle de áreas sendo desmatadas, por exemplo, largamente noticiado pela mídia. Se o profissional é bom, aí mesmo corre o risco de ser afastado de sua área de competência, pois quanto mais medíocre mais fácil de ser manipulado.

Na verdade, essa sempre foi a tônica do país, que nunca levou educação a sério. Gente que pensa é perigoso. E isso está agora mais evidente do que nunca. O CNPq corre o risco de fechar as portas por falta de verbas, bolsas estão sendo cortadas, universidades públicas encontram-se sem condições de funcionar efetivamente e escolas públicas vão de mal a pior.

Ora, sem educação, sem pesquisa e sem incentivos ao empreendedorismo, o país fica à mercê de um governo que tem como manobra chamar atenção todos os dias para algo estapafúrdio, enquanto aprova medidas alarmantes para o futuro do país.

Quer aprovar, por exemplo, uma desoneração fiscal para ruralistas devedores, que soma R$ 83 bilhões em 10 anos, o que seria R$ 8.3 bilhões/ano, enquanto o orçamento aprovado para o Ministério do Meio Ambiente é de R$ 2.8 bilhões anuais. Faz sentido?

É lastimável. É triste. É desolador. Mas, a força da natureza que defendemos precisa estar presente em nossa missão em nosso olhar focado na busca de soluções construtivas. Governos, por piores que sejam, são transitórios. Mas o que se perde na natureza é para sempre.

*Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreendedora Social Schwab.

Fonte: O Eco

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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