SANKOFA: JUÍZAS FORMAM COLETIVO FEMINISTA-ANTIRRACISTA

Sankofa: Juízas do Brasil formam coletivo feminista e antirracista

Em um período de apenas três meses, o Sankofa já acolheu mais de cem juízas de direito, federais e do trabalho, de primeiro e segundo graus, por adesão espontânea

Por Planeta Ella/Mídia Ninja

Na última sexta-feira, 8 de dezembro, um marco importante foi estabelecido no cenário jurídico brasileiro com a inauguração do Sankofa, o primeiro coletivo de mulheres juízas que se autodefine como feminista e antirracista. A iniciativa, que ganhou força após a aprovação por unanimidade de um ato normativo em setembro, foi relatada pela desembargadora Salise Sanchotene, conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Denominado Sankofa, em referência ao conceito simbólico africano de Sankofa, que expressa o retorno ao caminho para resgatar o que ficou para trás, visando caminhar para um futuro honrado e reparar o passado, o coletivo tem como propósito central promover a igualdade de gênero e raça na magistratura. A resolução aprovada em setembro garante às juízas de 1° grau o acesso aos tribunais de 2° grau, com políticas de cotas raciais instituídas pelo CNJ.

Em um período de apenas três meses, o Sankofa já acolheu mais de cem juízas de direito, federais e do trabalho, de primeiro e segundo graus, por adesão espontânea. O grupo congrega uma diversidade de experiências, desde juízas com mais de 30 anos de carreira até aquelas com dois ou três anos de profissão, destacando a amplitude do movimento.

Para garantir a participação ativa de todas as integrantes, o coletivo realiza reuniões virtuais, possibilitando a colaboração de juízas que não residem na capital. O evento oficial de constituição do grupo está marcado para o início de 2024, prometendo ser um marco na luta pela igualdade e representatividade na magistratura.

*Com informações da Folha de São Paulo

Fonte: Mídia Ninja Capa: Reprodução/Internet

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Tudo sobre o sankofa, símbolo africano que conecta passado e futuro
(Foto: Bagaball/Wikimedia commons)
Sabe aquele momento em que uma situação dá errado e alguém te diz que, olhando pelo lado bom, ao menos serviu para ensinar uma lição?

No futuro, quando você se encontrar novamente em um lugar parecido, poderá olhar para trás e saber como agir – ou não agir. Essa reflexão é algo que, desde os primórdios, fazemos.

Porém, atualmente, vivemos em uma cultura formatada para esquecer rapidamente o seu passado. “Nossa sociedade valoriza o imediatismo, sem nenhum tipo de reflexão daquilo que passou. Então, cada vez mais, as ciências humanas são necessárias para o entendimento da nossa própria condição humana”, aponta o historiador Pierre de Sousa Grangeiro.
Para Pierre, a história é essencial para estudar o passado, entender o presente e, de uma certa maneira, transformar o futuro.

O movimento de olhar para trás para refletir e aprender sobre a trajetória pode ser representado por um símbolo que surgiu no século 17: o sankofa.

Seres humanos são criadores de símbolos

É fundamental abordar dois aspectos antes de explicar o símbolo sankofa e a sua origem: o ser humano é um ser que trabalha o simbólico, é criador de símbolos. Quem aponta isso é Luciano Gomes dos Santos, professor de Ciências Sociais da Faculdade Arnaldo Janssen, de Belo Horizonte (MG).
“O ser humano, do ponto de vista antropológico, é um ser simbólico”, aponta o professor. Isso acontece, segundo Luciano, porque a capacidade de criar e compreender símbolos é fundamental para nossa cognição, socialização, expressão, adaptação cultural e construção de realidades sociais.
“Os símbolos desempenham papel central em praticamente todos os aspectos da experiência humana, desde a comunicação até a expressão criativa, da identidade à adaptação cultural, e são essenciais para nossa compreensão e organização do mundo ao nosso redor”, explica.

Sankofa e a origem dos adinkras

sankofaTatuagens com o síimbolo sankofa (Foto: Katie Cowden/Flickr/creative commons)

Na África Ocidental, um exemplo da importância cultural dos símbolos são os adinkras. Os adinkras são um sistema de comunicação baseado em símbolos que representam uma mensagem ou provérbio. Assim explica Mayra da Cruz Honorato, professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM) e psicóloga sanitarista.

“Os adinkras pertencem à cultura dos povos da língua Akan, que em sua maioria se localizava na região que hoje reconhecemos como Gana, Burkina Faso, Togo e Costa do Marfim”, esclarece a professora.
Segundo Pierre de Cristo, historiador e antropólogo do coletivo cultural Olhar da Perifa, o sankofa é um dos mais de 80 símbolos que constituem os adinkras, criados pelo rei Nana Kofi Adinkra.
“Ele era proprietário de uma fábrica de tecidos na Costa do Marfim, e decidiu incluir vários conceitos de sabedoria em seus tecidos para a vestimenta do povo Akan”, relata o historiador.

Volte e pegue: o importante significado de sankofa

Luciano Gomes explica que sankofa é uma palavra da língua Twi ou Axante, falada pelos Akan. “A palavra é composta pelos termos san, que significa ‘retornar’, ko, que significa ‘ir’, e fa, que quer dizer ‘buscar’ ou ‘procurar’. A tradução do termo seria ‘volte e pegue”.
Dois símbolos representam a palavra: o primeiro é um pássaro mítico e o segundo, um coração estilizado, com desenho baseado no formato do pássaro mítico. “Em sua simbologia, sankofa representa a ideia de olhar para trás para aprender e buscar sabedoria nos ensinamentos do passado, enquanto avançamos para o futuro”, aponta o professor.
O pássaro representa o conceito de prestar atenção no passado para aprender e buscar sabedoria nos ensinamentos mais antigos. Ele simboliza que devemos aprender com nossas histórias e tradições para nos guiarmos em direção a um futuro melhor.
“O ovo, que costuma aparecer nas costas do pássaro, representa o potencial, a fertilidade e as oportunidades que surgem quando nos reconectamos com nossas raízes e aprendemos com o passado. Ele simboliza a ideia de renascimento, crescimento e rejuvenescimento que ocorre quando reconhecemos e valorizamos as lições do passado”, elucida Luciano.
Já o coração estilizado no símbolo sankofa representa o aspecto emocional e afetivo do retorno ao passado para aprender. Ele simboliza o cuidado com a própria história e a valorização das tradições e culturas de nossos antepassados.
“O coração também pode representar a conexão emocional que sentimos ao nos reconectarmos com nossas raízes e aprendermos com a sabedoria acumulada ao longo do tempo”, sugere o professor.

Retomar o passado garante um presente e um futuro mais justos

Luciano defende que a história é como o DNA coletivo da espécie humana. “Por meio do estudo histórico, podemos compreender a causa primeira dos problemas sociais e compreendê-los porque perpetuam até hoje em nossa sociedade”, justifica o professor.
A discriminação racial tem suas raízes em sistemas de escravidão ou colonização. Enquanto a desigualdade de gênero é resultado de normas culturais e estruturas patriarcais historicamente enraizadas, exemplifica o especialista.
Para Luciano, compreender essas origens nos ajuda a abordar os problemas de maneira mais eficaz, visando suas causas fundamentais. “Podemos aprender com os sucessos e fracassos dessas políticas e usar essas lições para informar abordagens mais eficazes no presente”, aponta.
Além disso, o professor ressalta que a história muitas vezes é contada a partir da perspectiva dos vencedores ou dominantes, deixando de fora as experiências e perspectivas das comunidades marginalizadas.
Por conta disso, é importante estudar a história de forma inclusiva, aprendendo com as narrativas de experiências de grupos que foram historicamente excluídos ou marginalizados. “Isso nos permite entender melhor como certos grupos foram afetados por problemas sociais e como essas experiências continuam a influenciar suas vidas até hoje”, ressalta Luciano.

Sankofa chega ao Brasil por meio da metalurgia

sankofaFoto: Silvana De Jesus Santos

O símbolo do sankofa pode ser encontrado de diversas formas em grades, janelas e portas de ferro das casas aqui no Brasil. “Parte de resgatar o passado é entender como esse símbolo chegou e se popularizou aqui no Brasil, mesmo que nem todos tenham consciência de seu significado”, explica a professora Mayra.
“A região da costa africana ocidental, onde se localiza hoje Gana, Burkina Faso, Togo e Costa do Marfim, dominava historicamente a metalurgia. A partir do tráfico negreiro, ao chegarem no Brasil, as pessoas escravizadas são alocadas na mineração e metalurgia para exploração da sua mão de obra”, conta a professora. Como consequência, as mãos que produzem e manuseiam os ferros das casas são mãos africanas e descendentes de diferentes nações africanas.
“Pensando no significado do sankofa, é importante reconhecer esta estratégia de comunicação. Ao decorar os portões e janelas com o símbolo, é passada uma mensagem a todo o povo Akan de que não devem esquecer do seu passado e de sua origem”, reflete a professora.

Sankofa como um símbolo de resistência para afro-descendentes no Brasil

No Brasil, o símbolo sankofa tem sido cada vez mais reconhecido e utilizado. Principalmente dentro do contexto da cultura afro-brasileira e da luta por equidade racial.
“Embora o sankofa tenha suas raízes na África Ocidental, sua mensagem de olhar para trás para aprender com o passado tem ressonância em diversas comunidades afrodescendentes ao redor do mundo, incluindo no Brasil”, aponta Luciano.
Conforme o professor, o sankofa no Brasil é muitas vezes utilizado como um símbolo de orgulho e afirmação da identidade africana e afrodescendente. “Em um país com uma rica história de cultura africana e uma população significativa de ascendência africana, o sankofa pode ser visto como uma maneira de celebrar e reconhecer essa herança cultural. Promovendo, assim, um maior entendimento e valorização das contribuições das pessoas afro-brasileiras para a sociedade”, justifica.

Relembrar o passado é buscar sua própria identidade

O passado de uma sociedade molda sua identidade coletiva. “Ao compreender de onde viemos, quem éramos e como chegamos onde estamos, podemos ter uma compreensão mais profunda de nossa identidade como comunidade, nação ou cultura”, aponta Luciano. E, dessa forma, fortalecer os laços sociais e culturais entre os membros da sociedade.
Para o professor, o resgate do passado ajuda a preservar a memória coletiva de uma sociedade. Isso significa reconhecer e honrar as contribuições de gerações anteriores, mantendo viva sua história, cultura e tradições. Como consequência, uma sociedade que negligencia seu passado e seus ancestrais, arrisca perder parte de sua identidade e sabedoria acumulada ao longo do tempo.
Neste sentido, o sankofa não é apenas sobre retornar para reconhecer os erros, mas também os acertos. Quem aponta isso é Mayra. “Sankofa, para os descendentes do povo africano, é sobre quais estratégias foram usadas para sobreviver ao que passou e como isso se apresenta nas nossas estruturas sociais até os dias de hoje”.
“Acredito que resgatar o passado, tendo em mente a população negra brasileira, é importante para reconhecer que existem várias histórias, povos, culturas e saberes anteriores à colonização e à escravização. É o exercício do retorno a algo que o tráfico atlântico retirou”, finaliza a professora.
 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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