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Saúde: Vazio em áreas indígenas continua, deixado por ausência dos médicos cubanos

Governo não consegue resolver vazio deixado por médicos cubanos em áreas indígenas –

Números evidenciam a dificuldade de permanência dos médicos brasileiros nessas localidades –

Por Leonardo Fernandes/Brasil de Fato
Luiz Otávio é médico, formado em (AM), especialista em da Família e Comunidade. Desde 2016, trabalhava como supervisor acadêmico do programa Mais Médicos (PMM) em João Pessoa, na Paraíba. Com o fim do convênio entre Cuba, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e o , em novembro de 2018, o médico arrumou as malas e foi para o distrito Yanomami do de Roraima, determinado a salvar vidas.

“Com o fim do convênio, eu decidi largar as coisas em João Pessoa e vim assumir o edital [do PMM] aqui, para trabalhar no distrito como médico. E fiquei muito feliz ao descobrir que outros médicos brasileiros também fizeram isso. Atualmente somos um grupo de oito médicos”.

Luiz conta que o acesso aos distritos é bastante complicado e, muitas vezes, deve ser feito com um avião monomotor. As dificuldades fizeram com que essas comunidades ficassem por décadas totalmente desassistidas na Atenção Básica à saúde, até a criação do Mais Médicos em 2013. “Antes, tinha 14 médicos cubanos atendendo o distrito dividido em 37 pólos-base, que variam de acordo com a população das aldeias. Isso era algo histórico, porque distritos indígenas, principalmente na região da , historicamente foram desassistidos por profissionais médicos. É muito raro ter um profissional médico nessas equipes, tanto que o enfermeiro ou o técnico de enfermagem sempre fizeram as tarefas que deveriam ser da alçada profissional médica”, explica.

Desassistência no interior do Amazonas

Segundo o médico, desde a saída dos cubanos, oito profissionais brasileiros atendem aos distritos indígenas yanomamis. A situação é ainda mais grave no estado do Amazonas, como conta Januário Neto, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado (Cosems-AM) e titular da pasta no município de Manaquiri. “A saída dos cubanos do estado do Amazonas retirou de imediato 322 médicos, que trabalhavam quase que exclusivamente no interior do estado, deixando aproximadamente um milhão de pessoas à margem do sistema. Eram 322 médicos cubanos que atuavam em 60 municípios do estado”, denuncia.

As regiões com maior volume de população , segundo Neto, foram as mais afetadas pela saída dos profissionais cubanos. “As mais impactadas foram as regiões que comportam as áreas indígenas e as regiões mais distantes do estado do Amazonas, como as calhas dos rios Solimões, Juruá, Purus, Alto e Madeira. Sobre a saúde indígena, das 92 vagas foram repostas somente quatro. Ou seja, há 88 localidades que atenderiam em torno de três mil pessoas cada, com aproximadamente 270 mil índios desassistidos de atenção médica”, elenca o gestor.

Segundo o boletim mais atualizado, 91 médicos se cadastraram para essas 92 vagas, mas 80 profissionais sequer se apresentaram. Outros sete desistiram após assumir.

Vítimas da falta de diplomacia

No dia 14 de novembro de 2018, o governo cubano anunciou sua retirada do Programa Mais Médicos e a ruptura do convênio com o governo brasileiro. A decisão ocorreu após declarações “ameaçadoras e depreciativas” do então presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).

O programa Mais Médicos foi criado em 2013, pela então presidenta Dilma Rousseff, com o objetivo de enviar profissionais da saúde para regiões pobres e sem cobertura médica. Segundo a Opas, mais de 60 milhões de brasileiros estiveram cobertos pelo programa. Em cinco anos de , cerca de 20 mil médicos cubanos atenderam mais de 100 milhões de pacientes em aproximadamente 3.600 municípios. Após o golpe de estado em 2016, o número de médicos foi gradualmente reduzido, contando no momento final com 8,3 mil profissionais cubanos.

Em entrevista ao programa No Jardim da Política, da Rádio Brasil de Fato, o ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, responsável pela criação do PMM, criticou a falta de diplomacia do governo de Jair Bolsonaro e lamentou os efeitos para as populações mais vulneráveis.

“O que se espera de um presidente da República ou de um ministro da Saúde? É contra os médicos cubanos? É contra a parceria com Cuba? Então construa um plano de transição, discuta isso com os secretários municipais. Não foi isso. Primeiro, durante a transição não foi apresentada nenhuma proposta concreta, e mais, só [fizeram] declarações que desqualificavam os médicos cubanos”, questiona o deputado federal (PT-SP).

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Comunidades indígenas são as mais afetadas pela saída dos médicos cubanos do país. | Foto: Léo Ramirez/AFP

Apesar de lamentar a ausência dos profissionais no Brasil, Padilha defendeu a decisão soberana do governo cubano de proteger seus cidadãos. “Imagine se fosse o Brasil, que tivesse oito mil médicos fora e, de repente, da noite para o dia, o presidente eleito desse país começasse a desqualificar os médicos? Dizendo que são açougueiros, que não sabe se são médicos, incitando a intolerância; o que as famílias brasileiras fariam? Iam pedir para que o governo trouxesse de volta”, comparou o parlamentar petista.

Vazio atinge todo o país

Em caráter de urgência, o governo de Michel Temer, em acordo com a equipe de transição da nova gestão federal, decidiu no dia 20 de novembro abrir um edital para preencher as vagas abertas deixadas pelos médicos cubanos. Embora tenha anunciado um número considerável de inscritos nos editais, matéria do Saúde Popular revela que um a cada três inscritos na última etapa do Mais Médicos não apareceu para trabalhar.

O vazio na saúde pública provocado pelo fim do convênio Cuba-Opas-Brasil afetou todas as regiões do país. “A situação do Paraná é muito parecida com o resto do Brasil. Muitos médicos que já haviam se inscrito não assumiram as vagas, outros médicos assumiram mas não estão se dedicando em integral, fazendo outras atividades. E a enorme maioria não mora nos municípios, que eu acho que é o grande problema. Além daqueles municípios que, como é de conhecimento, ficaram com vagas abertas”, afirma o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR).

O que (não) diz o Ministério da Saúde

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde não informou os números consolidados de médicos que se apresentaram ao trabalho após a realização da primeira e segunda chamada do programa. Em nota, a assessoria da pasta afirmou que nos dias 23 e 24 de janeiro ocorrerá uma nova chamada, na qual “brasileiros graduados no exterior terão chance de selecionarem os municípios de alocação”. Também que “nos dias 30 e 31 de janeiro, os médicos estrangeiros terão acesso ao sistema para optarem pelas localidades com vagas em aberto”.

ANOTE AÍ

Fonte: Brasil de Fato

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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