Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.
Seguir Esperneando o Podcast da Lucélia Santos

Seguir Esperneando: Episódio 01 – Cacica da Resistência

Seguir Esperneando: Episódio 01 – Cacica da

Texto completo do podcast exibido em 06/07/2021

Lucélia Santos: 

Da janela da casa do meu pai, eu via o Sindicato dos Metalúrgicos.  Meu pai, o operário Maurílio Simões dos Santos, era um admirador do Lula e da peãozada de Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema.

Sempre que o Lula chegava em Santo André,  meu pai o recebia com uma cachacinha de cambuci, produção artesanal que ele mesmo fazia. Com seu Maurílio, eu vi o chão da  fábrica se levantar, o PT nascer, o Lula se agigantar. 

Eu sou Lucélia Santos e este foi o meu berço. Eu nasci em Santo André, a letra A do palco das grandes lutas sindicais, e isso traçou o meu destino de militante: onde tem luta, eu chego junto!

Duda Meirelles: 

 Eu sou Duda Meirelles, da equipe de jornalismo da  Revista Xapuri, espaço de resistência em defesa da democracia, dos direitos humanos, do meio ambiente  e de todas as causas justas. 

Você está no “Seguir Esperneando”, o podcast da Lucélia Santos, em parceria com a Revista Xapuri. Neste episódio, contamos um pouco da história de Lucélia Santos, nossa “Cacica da Resistência”, nessa jornada da esperança por dias melhores e tempos mais felizes.

Começamos por render tributo a Lucélia dos Santos, essa atriz extraordinária que, além do inequívoco talento para as artes,  jamais se esquivou dos embates da  luta política, o todo, a vida inteira…

MILITÂNCIA

Lucélia Santos: 

O ano eu não sei ao certo, mas minha militância começou na década de 70, nos movimentos de anistia.  

O marido de uma amiga minha era preso político e estava no Presídio da rua Frei Caneca, junto com outras pessoas jovens, enclausuradas e torturadas pela ditadura.

Por companheirismo, eu acompanhava minha amiga até a porta do presídio, nos dias de visita.  O que eu ouvia dela na saída daquela prisão horrível, o mesmo que eu ouvia sobre outros presos políticos,  me fazia tremer de indignação!  

Depois vieram as lutas pela liberdade do Lula e dos 10 outros líderes  sindicais que foram presos junto com ele no DOPS de São Paulo, em 14 de  de abril de 1980.

Lula foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional e ficou preso 31 dias, por promover o movimento dos metalúrgicos e, segundo os agentes da ditadura, incitar publicamente à “subversão da ordem político-social”.  

Nossa principal tarefa, minha e de outras artistas, era dar visibilidade às  caminhadas das mulheres dos metalúrgicos, que paravam o centro de São Bernardo, lutando pela liberdade de seus maridos.

O que mais me marcou naquele tempo tenso  foi ver o Lula saindo de um camburão, escoltado pela polícia, pra enterrar dona Lindu, a mãe migrante nordestina que o ensinou a teimar.  Aquela cena foi de cortar o coração!

DIRETAS JÁ 

Duda Meirelles: 

A primeira vez que Lucélia Santos subiu  em um palanque foi durante o movimento das “Diretas Já!”.

Entre os últimos meses de 1983 e abril de 84, Lucélia se juntou ao Brasil que foi à luta pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira, em defesa do voto direto para presidente da República, proibido nos 21 anos da ditadura.

No dia 25 de abril,  data em que a emenda foi votada no Congresso Nacional, em Brasília, depois de rodar o Brasil inteiro gritando por “Diretas Já!”, lá estava Maria Lucélia dos Santos!

Lucélia Santos: 

Pra mim, o momento mais emocionante do Movimento “Diretas Já!” foi o Comício da Candelária, que reuniu mais de um milhão de pessoas, no dia 10 de abril de 1984, na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro.   

Ali, junto com o Lula, Brizola, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, estudantes, sindicalistas, intelectuais e toda a minha companheirada da classe artística, foi impossível não se emocionar quando Fafá de Belém cantou  “Menestrel das Alagoas”, a canção de Milton Nascimento e Fernando Brant em homenagem ao imprescindível Senador Teotônio Vilela, morto no auge da luta, em novembro de 1983.

É certo que a emenda Dante de Oliveira foi rejeitada porque  não alcançou os 2/3 dos votos necessários para garantir a volta da  democracia. Mas também é certo que aquela mobilização incrível apressou  o fim da ditadura, que se concretizou com a eleição, ainda que indireta,  de Tancredo Neves  para a presidência da República, no dia 15 de janeiro de 1985.

LULA

Duda Meirelles:

Lucélia Santos participou ativamente de todas as campanhas do Lula para presidente da República.  Em 1989, enfrentou um frio de vários graus negativos para animar a militância lulista, que se agitava em frente ao Consulado do Brasil, em Nova York. 

Nas outras campanhas todas, Lucélia mobilizou apoios e pediu votos para o primeiro candidato operário, eleito presidente do Brasil nas eleições de 2002.  Em 2018, ante  a prisão injusta de Lula para tirá-lo do processo eleitoral, apoiou e fez campanha Fernando Haddad para presidente.

Lucélia Santos: 

No dia 07 de abril, outra vez levaram o Lula preso.  Firme e sereno, carregado nos braços do , eu vi o Lula deixando o  Sindicato de São Bernardo para cumprir pena no Paraná.

Depois de muitas décadas de luta, eu andava meio quieta, recolhida no meu canto. Mas aquela prisão de um inocente, condenado sem crime e sem provas, mexeu de novo com os meus brios.

No dia 01 de maio, eu despenquei para Curitiba. Ali, junto com a militância da Vigília , em frente ao prédio da Polícia Federal, eu disse  “Bom Dia, Presidente Lula!” Eu sabia que não podia visitá-lo naquele momento, mas achei que era a hora de ir lá expressar minha solidariedade, de levar o meu abraço àquele povo  da Resistência.

O nível de agressão que recebi nas minhas redes sociais foi absurdo!

Eu decidi, então, que era hora de arregaçar as mangas, de não soltar a mão de ninguém, de voltar pra linha de frente.

CHICO MENDES 

Duda Meirelles: 

Em dezembro de 2018, Lucélia Santos chegou a Xapuri, no Acre, para honrar a memória de Chico Mendes, nos 30 anos de seu assassinato pelos jagunços do latifúndio.

Baixinha, com seus jeans surrados e seus óculos de lentes grossas, coube a ela fazer a leitura da Carta de Xapuri, reiterando o compromisso dos povos de Chico Mendes com a defesa de seu legado pelos tempos presentes e futuros.

Uma vez mais, como sempre acontece, ante um desafio da luta, Lucélia cresce, ocupa a ribalta, domina  o

Lucélia Santos:

O Chico Mendes,  eu conheci na segunda metade dos anos 1980, num encontro promovido por meus companheiros do Partido Verde, no Rio de Janeiro. O Chico era uma pessoa tão convincente na defesa da Amazônia que eu não tive escolha: abracei, ali mesmo, e para o resto da minha vida, a causa dele.

Em maio de 88, a convite dele, eu fui pela primeira vez a Xapuri, para o Encontro das Mulheres Seringueiras. O clima era tenso, o Chico vivia ameaçado de morte pelas forças do latifúndio que, sob a conivência do Estado brasileiro, derrubam árvores, desmatam florestas e destroem vidas.  

Ele sabia que era um cabra marcado para morrer, mas mesmo assim não recuava, não desistia da luta, nunca!   Infelizmente, a próxima vez que voltei ao Acre foi para o enterro do Chico, naquela manhã chuvosa do dia 25 de dezembro.

Três dias antes, ao anoitecer do dia 22, um tiro de escopeta, disparado por um pistoleiro,  estourou o  peito do meu amigo no quintal da sua casa, na barranca do rio Acre, em Xapuri.

Depois da morte do Chico, eu cerrei fileiras com toda aquela gente que moveu céus e para exigir a prisão dos assassinos e  lutou sem descanso até que fosse feita justiça.

Hoje, passadas mais de três décadas, aqui estamos nós, em  a herança deixada por um ministro que caiu,  mas deixou em seu lugar gado do mesmo pasto, a serviço de um governo genocida, que insiste em “passar a boiada”  sobre as conquistas do Chico e de seus companheiros índios e seringueiros.

SOS XAVANTE

Duda Meirelles:

No começo de 2020, a pandemia do novo coronavírus virou  o mundo de  ponta-cabeça.  O mundo de Lucélia, organizado entre caminhadas ecológicas na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro,  e o chamego da única neta, que vive em Portugal, também virou de ponta-cabeça. 

Isolada em casa, a artista brasileira mais conhecida no Terra, pensava usar o tempo da quarentena para organizar seu acervo, pesquisar personagens, avaliar propostas de trabalho e preparar as celebrações dos seus 50 anos de carreira, em 2022.

Em junho, a Covid-19 bateu forte entre o  povo Xavante, a maior nação indígena do brasileiro. Lucélia não teve dúvida, entrou de corpo e alma na  Campanha A’uwe Tsari SOS Xavante e com seu trabalho engajado contribuiu para salvar muitas vidas Xavante.

Lucélia Santos: 

Depois de passar meses mobilizando artistas para gravar vídeos, ligando pra Deus e mundo em busca de doações, e fazendo lives praticamente toda semana para ajudar o povo Xavante, eu pensei que talvez pudesse tirar um tempo para descansar e cuidar de mim.

Mas infelizmente, além da pandemia, que já matou meio milhão de pessoas, em grande parte por conta da ação criminosa desse inominável que combate o distanciamento social, promove a aglomeração, desdenha da máscara e se nega a comprar vacinas, tudo no Brasil continua desabando.

No Amazônia, os índices de desmatamento atingem proporções insuportáveis, enquanto  o veneno mortal do mercúrio vai destruindo rios, terras e vidas indígenas, em um  massacre  avassalador, causado pelo garimpo clandestino.

Ao mesmo tempo a madeira, também ilegal, tomba ao chão de uma floresta que arde em chamas,  para depois navegar impune  em grandes balsas pelos rios da floresta, a caminho dos navios do mar e das terras estrangeiras.

Em Brasília, a sanha enlouquecida da privatização vai retirando direitos e entregando de bandeja o patrimônio do povo brasileiro aos donos anônimos do capital internacional.

No Congresso Nacional, as bancadas do boi e da bala se unem para reduzir  as reservas ecológicas e tirar dos povos indígenas o pouco que lhes resta de suas terras originárias.

No Brasil inteiro, crescem as manifestações fascistas de homofobia, misoginia, racismo e violência. Matam-se, principalmente e em números alarmantes, as pessoas pobres e pretas.   

E mesmo para quem consegue sobreviver, sabe-se lá como, neste mundo de injustiça e crueldade, sobra a dor e a humilhação da falta de emprego, vacina, pão e .

Então, como eu penso que quem tem voz, tem que falar, diante dessa conjuntura que me inquieta, me indigna e me rasga o coração, eu me coloco em mais essa luta para, por meio deste podcast, fazer o que sempre fiz: seguir esperneando!

SEGUIR ESPERNEANDO

Duda Meirelles: 

“Seguir Esperneando” é mais um espaço de resistência da Revista Xapuri, construído em parceria com a atriz Lucélia Santos.

A produção deste podcast tornou-se possível pelo apoio solidário de:

  • Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal  – Fenae;
  • Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito do Centro Norte – Fetec-CUT/Centro Norte;
  • Sindicato dos Bancários de Brasília – Bancários – DF; e, 
  • Sindicato dos Professores no Distrito Federal – Sinpro/DF, a quem agradecemos.

Este episódio, “Lucélia Santos – Cacica da Resistência”, resulta do esforço coletivo de: Lucéllia Santos (narração e direção); Duda Meirelles (design, narração e edição); Agamenon Torres (tratamento audiovisual); Ana Paula Sabino (pesquisa histórica); Janaina Faustino (produção); e Zezé Weiss (roteiro, redação e edição).

[smartslider3 slider=25]

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

posts relacionados

REVISTA