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Seis motivos para angústia na quarentena (e como lidar com isso)

Seis motivos para angústia na quarentena (e como lidar com isso)
Por Psicóloga Natália Carvalho

Não é segredo para ninguém que esse período de isolamento social tem sido, no mínimo, emocionalmente desafiador. Para algumas pessoas chega a ser insuportável e extremamente angustiante. Nas redes sociais seguimos vendo outros tentando mostrar seu melhor lado, compartilhando momentos de felicidade familiar, memórias de momentos agradáveis ou dando significados positivos para esse desafio coletivo. Ver isso quando se está angustiado pode gerar a sensação de que você está sofrendo sozinho em um mar de pessoas bem resolvidas. Acredite, isso está longe de ser real. Venho aqui inclusive dizer que, em parte, estar angustiado é sim um sinal de saúde. Se você se sente angustiado ou conhece alguém passando por isso, vamos bater um papo?

Em primeiro lugar, é importante esclarecer um conceito central da Gestalt Terapia chamado de Teoria Paradoxal da Mudança. De acordo com essa teoria, nosso esforço em tentar mudar algo (uma característica ou um sentimento, por exemplo) fortalece justamente o que desejamos mudar. Isso acontece porque tantas vezes a energia que colocamos na tentativa de mudar algo é na prática uma forma de reprimir ou negar uma parte de nós. Paradoxalmente a mudança acontece quando desistimos de reprimir o lado que desejamos transformar e o aceitamos, dessa forma aceitando a nós mesmos como somos e liberando essa energia psíquica que nos empurra para a repressão de forma a encontrar formas mais criativas e adaptadas de estar no mundo. É a partir desse paradigma que eu proponho destrinchar os sentimentos de angústia que estão presentes e que são completamente naturais de forma a incluí-los e aceitá-los.

Abaixo esclareço seis motivos pelo qual você pode estar angustiado e caminhos de integração desses sentimentos.

1. MEDO – Estamos vivendo um momento de calamidade pública, em que vidas de milhares de pessoas estão em risco. Mesmo que você não se sinta particularmente em risco, talvez conheça alguém que possa ser mais gravemente afetado pela pandemia ou mesmo que já esteja doente. Medo é uma emoção saudável para o funcionamento psíquico humano, que tem a função de manter nossa integridade física e psíquica. É saudável assumir seu próprio medo e integrá-lo. A negação do medo pode gerar pânico descontrolado ou um comportamento de enfrentamento exagerado que pode colocar você em situações de risco. Então, abrace esse seu medo se for o caso e transforme a preocupação em ocupação, ocupando-se de fazer o que é necessário para cuidar de você e dos que você ama.

2. EMPATIA – Digamos que você acredite que ninguém do seu círculo familiar ou social está em risco. Mesmo assim, você é capaz de sentir empatia pelo perigo e dor das outras pessoas que você não conhece, porque isso faz parte da experiência humana e é o que nos manteve vivos como espécie até aqui. Nós temos empatia e sofremos pelos nossos semelhantes. Negar isso não é sinal de saúde, encarar essa realidade difícil e os sentimentos que a acompanham faz parte do processo de abraçar a realidade e de perceber-se inteiro. Você não precisa se perder na dor dos demais, porém é justo aceitar sua própria humanidade e reconhecer que estamos todos conectados.

3. INSEGURANÇA – vivemos uma adversidade de proporções mundiais e históricas. Ninguém realmente sabe quando essa crise vai passar e o que acontecerá depois. Teremos uma vacina? Como será o mundo pós ? Talvez você não saiba que tipos de relações de trabalho te esperam, ou em que mundo suas crianças vão viver. Esses são exemplos entre as mais diversas questões que podem surgir frente à incerteza que se apresenta. Cada um de nós tem uma caixa de Pandora de inseguranças que às vezes esperam um momento de distração para nos soterrar, desprevenidos. Não é saudável se deixar levar pelas fantasias da insegurança, mas é importante reconhecê-la e dar lugar a ela. Integrar a insegurança não é fingir que ela não existe, isso seria negação, que pode ser nociva a médio e longo prazo. A integração da insegurança só é possível a partir do seu reconhecimento de forma a nos permitir paulatinamente aprender a conviver com a incerteza e a falta de controle sobre a vida, para que naturalmente a insegurança se transforme em entrega.

4. RELAÇÕES TENSIONADAS – o período de isolamento social é desafiador para quem vive sozinho e também para quem vive acompanhado. Viver no mesmo espaço físico com as mesmas pessoas por horas e dias sem interrupção pode tensionar as relações e aumentar as tensões que já existiam anteriormente. Apesar dos relatos emocionados das redes sociais sobre a beleza de estar confinado com os familiares, ficar 100% presente com a família não é sempre um reencontro agradável, mesmo que seja com o parceiro que você escolheu ou com seus próprios filhos. Conflitos que parecem pequenos podem se tornar bombas detonadoras de uma série de críticas, ressentimentos e feridas que estavam embaixo do tapete do cotidiano. Seja paciente consigo mesmo e com os demais. Admitir que as tensões existem e se corresponsabilizar por elas é uma oportunidade de superá-las em conjunto.

5. SOBRECARGA – muitos de nós que aderimos à quarentena, não deixamos de trabalhar. Quem pode, seguiu fazendo “home office” e manteve as atividades laborais dentro de casa. A questão é que a vida doméstica e familiar pode acabar atravessando os afazeres profissionais no caso de quem ainda não está adaptado a esta forma de trabalho. Quem tem crianças pequenas ou soma às atividades domésticas a tarefa de cuidar de outras pessoas (idosos, doentes) que o diga. Você não precisa dar conta de tudo como se nada tivesse mudado. Você não precisa manter a casa sempre em ordem, a família satisfeita e o trabalho produtivo. Reconheça a sobrecarga nesses tempos de adversidade e aceite o que você pode oferecer da forma como puder, estabelecendo prioridades entre as coisas que sejam mais essenciais para sua sobrevivência e bem estar.

6. CONFLITOS PASSADOS – grandes tragédias nos dão novas dimensões sobre a vida, mas não é porque estamos vivendo uma pandemia que seus conflitos deixaram de ter importância. Todos nós temos alguns conflitos internos e externos que nos demandam de certa maneira, e algumas vezes nos sugam energia vital importante. A questão é que, antes de se ver em isolamento social, talvez você tivesse uma série de atividades rotineiras e cotidianas às quais se entregava automaticamente e que facilitavam que você não entrasse em contato com as coisas que te angustiavam. É possível que hoje você não tenha tanto acesso ao que costumava utilizar para se distrair e deixar de sentir. Angustiar-se com conflitos de todas as naturezas é humano, sejam eles internos ou externos. Entrar em contato com esses conflitos pode ser doloroso, porém é também uma oportunidade. Talvez você possa se beneficiar em buscar ajuda de um terapeuta para lidar com a percepção recém-adquirida desses conflitos. Sugiro abrir mão da negação e encará-los da forma mais clara que lhe for possível, pois na travessia dessa ponte existe um lugar de maior bem-estar e autoconhecimento.

Em qualquer caso, se você sentir que está difícil encontrar um local interior de conforto nesse período, saiba que pode contar com ajuda especializada para isso. Não é preciso esperar o fim da quarentena para fazer psicoterapia e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) recomendou atendimentos on-line nesse período de quarentena. Permita-se receber apoio e busque um profissional de confiança, caso necessite.

Fonte: Psicóloga Natália Carvalho  

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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