SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI! SEJA PROFESSORA!
O caso de demissão da professora por usar vestimenta com referências ao movimento literário marginal do Brasil revolta os diferentes setores da sociedade brasileira e questiona sobre o papel de uma escola democrática com debate de ideias.
Por Arthur Wentz e Silva/Revista Xapuri
Professora em Aparecida de Goiânia (GO) foi demitida, após fotos usando camiseta com frase de Hélio Oiticica, remetente a movimento artístico-literário nacional, serem espalhadas pelo deputado Gustavo Gayer (PL) e apoiadores da base bolsonarista.
O deputado publicou a foto da professora com camiseta de dizeres da obra marginal “Seja marginal, seja herói”. Em seu discurso odioso, fomentou não apenas críticas, mas também ataques à profissional. Dentre os ataques, o mais recorrente foi sobre posicionamentos políticos, onde o mesmo escreveu: “professora de história com look petista em sala de aula”.
Após o constrangimento provocado pelas mentiras do deputado, a professora foi demitida do colégio. Em entrevista para o G1, ela mencionou que “(…) a obra é vermelha, por isso a camiseta é vermelha. Não há associação política alguma”.
Além disso, segundo a professora, na mesma entrevista, há uma motivação ainda que pedagógica na escolha da vestimenta: “Sempre uso camisetas com obras de arte. É um jeito que tenho para conversar sobre arte com os alunos, de forma despretensiosa. Naquele dia expliquei e eles entenderam o contexto histórico da obra”
A Literatura Marginal
Também chamada de “Geração Mimeógrafo”, foi um movimento artístico-literário de impacto em vários setores da arte, como música, cinema, teatro, artes plásticas e sobretudo na literatura.
Em tempos de repressão da Ditadura Militar, o contexto da Literatura Marginal era de empregar um novo sentido para a cultura brasileira. Seu desenvolvimento amplo tem princípios da contracultura. Nesse sentido, o objetivo se concentrava em substituir a forma tradicional de circulação de obras por meios alternativos de comunicação.
As temáticas urbanas e a vida popular, nesse sentido, ganhavam espaço nas produções culturais da época e tangenciam para uma nova perspectiva de fazer cultura. As vozes da periferia ganharam força pelas mais diversas manifestações artísticas.
Dentre as características, apresenta-se em um estilo marcado pelos textos, em sua maioria curtos, recheados por uma linguagem coloquial, mais urbana, com traços de oralidade e espontaneidade.
Repercussão
Vários setores da sociedade manifestaram indignação acerca do caso. Nas redes sociais, os ataques foram rebatidos por diferentes professores e núcleos educacionais. O conteúdo disseminado pelo deputado e a extrema-direita intensificaram o debate acerca da importância da liberdade de cátedra dentro dos espaços de ensino.
A rede educacional Colégio Expressão, responsável pela demissão da professora, afirmou em nota que: “É importante destacar que a escola não é lugar de propagar ideologias políticas, religiosas ou preconceituosas. Nossa missão é formar cidadãos conscientes e éticos, capazes de compreender e respeitar as diferenças culturais e ideológicas.”
O SINPRO, Sindicato dos Professores do Estado de Goiás, além de repudiar as condutas do deputado, buscou aparatos jurídicos para combate da narrativa agressiva de Gayer (PL). A petição também foi assinada por frentes de trabalhadores e sindicatos como o Sintego, Fitrae-BC e Contee. Na oportunidade, solicitaram a exclusão da conta que ataca constantemente professores e nomes da educação goiana.
Na nota, o sindicato ainda menciona que “(…) também ajuizou outra ação, cível, para que sejam reparados os danos materiais e morais sofridos pela professora. Está também em fase final de elaboração a ação trabalhista contra o Colégio, em caso de consumação jurídica da demissão da docente”.
Para o presidente da União Estadual dos Estudantes de Goiás (UEE GO) e coordenador do Diretório Central dos Estudantes da UFG (DCE UFG), Ranilson Júnior, “práticas como essa em Goiás têm se tornado comum. É inadmissível que os professores sofram perseguição política, instigada e respaldada por Gayer, deputado que instiga o ódio e a violência nos diferentes espaços”.
O estudante lembrou ainda a votação do PL 2630, onde menciona: “Na semana em que pautamos a aprovação da PL que criminaliza as Fake News, podemos ver que o medo nunca foi da censura, até porque ela existe e está posta. O medo é de serem responsabilizados por levantarem o discurso de ódio e propagar a desinformação”.
O papel da escola
Quando a ignorância invade o debate, a cultura e história do Brasil com certeza quem sai perdendo é o povo brasileiro. Os ataques que acometeram a professora acerca do movimento, integram uma rede de ódio dissimulada provocada pela extrema-direita no país.
Confundir “doutrinação ideológica” com a expressividade dos movimentos artísticos e literários é, sem dúvidas, negligenciar sob a ótica educacional as realidades e identidades do povo brasileiro.
O que faz o deputado é violentar de forma abrupta a educação brasileira, com toda sua história e formalização enquanto instituição de construção social. A tentativa de despolitizar as discussões e criar na escola uma indústria de máquinas é uma velha tática da extrema-direita para esvaziar as mentes reflexivas e críticas tão importantes à democracia brasileira.
Nesse sentido faz valer a ideia de que o papel da escola, no que é preciso contradizer a narrativa do Colégio, precisa ser um lugar de insurgências e de democratização das discussões. A educação é um processo de compreensão social, de entendimento das demandas sociais.
Aos moldes de Paulo Freire, em suas diferentes atribuições, o pensamento de libertação por meio da educação é fundamental para entendermos a importância da cátedra e da liberdade de ensino. Professores e estudantes precisam entrar nas discussões das mais diferentes realidades sociais e quando a escola cessa tal debate, a educação libertadora não se torna mais uma realidade.
Arthur Wentz e Silva: Estagiário da Revista Xapuri. Capa: Reprodução/Iluminerds