SEM MEMÓRIA NÃO HÁ FUTURO

SEM MEMÓRIA NÃO HÁ FUTURO

SEM MEMÓRIA NÃO HÁ FUTURO

Descobri que não é verdade o que dizem a respeito do passado,

essa história de que devemos enterrá-lo. 

Porque, de um jeito ou de outro, ele sempre consegue escapar.

Kaled Hosseini, em “O Caçador de Pipas”

Por Eduardo Araújo  

Nós, bancários e bancárias de Brasília, somos o resultado da resistência pioneira de militantes como Alvimar Vieira da Fonseca, Milton Schelb, Adelino Cassis e tantos outros dirigentes visionários que fizeram brotar, da poeira do chão de uma capital em construção, um movimento sindical bancário capaz de perdurar – e prosperar – por seis décadas de luta e resistência.

No começo, quando surgiu a primeira Associação dos Bancários de Brasília, em 1960, e o nosso Sindicato, em 1961, éramos umas poucas centenas, cerca de 400 pessoas sindicalizadas. Agora, já não somos um/a, nem dois/duas, somos milhares de bancários/as com a filiação em dia no Sindicato.

Somos essa mistura de sonhos amputados e de lutas rebrotadas que não nasceu do acaso. Sofremos, como todo o movimento sindical brasileiro, as consequências do arrocho salarial, do fracasso de políticas econômicas insustentáveis e das frequentes investidas do capital nacional, com amplo suporte internacional, para privatizar nossos bancos públicos. 

Passamos, como todo o movimento social brasileiro, por momentos turbulentos e trágicos durante a ditadura. Nosso Sindicato sofreu intervenção. Nossas lideranças foram presas, desaparecidas, mortas, banidas, cassadas e caçadas. Sob total controle do regime militar, os bancos demitiram, sumariamente, nossas combativas lideranças sindicais.

Tivemos, depois dos anos de chumbo, que embarcar nas asas de uma anistia incompleta e recomeçar. Com a “distensão” forjada pelas lutas populares contra o regime militar, na década de 1970 recuperamos nosso Sindicato e fomos à luta pelos direitos trabalhistas da categoria e pela democracia. 

Com a Anistia de 1979, algumas de nossas lideranças tiveram suas demissões sumárias e suas aposentadorias revistas. Finalmente elas puderam se reintegrar às atividades bancárias, porém não raro em agências distantes de seus lares e de suas referências políticas e culturais. 

Algumas não tiveram sequer essa sorte. Foram declaradas mortas. Ou continuam desaparecidas. Vítimas da ditadura, tivemos que lamber nossas feridas e recomeçar.

Como nos ensina Francisco no capítulo VII da encíclica Fratelli Tutti, fizemos o percurso de um novo encontro com a luta e recomeçamos, a partir da verdade de uma história que não permite o perdão nem o esquecimento. 

Não é questão de “remoer” o passado. É, sim, questão de reconhecer que as gerações presentes e futuras têm o direito de saber o que aconteceu. Não há como colocar em um imaginário baú da desmemória a crueldade perversa de um regime de exceção.

Ao contrário, para que a opressão nunca mais aconteça, é que, nesses 60 anos do golpe militar, compartilhamos com nossa categoria bancária, com a sociedade de Brasília e com o povo brasileiro, esta publicação com esses rasgos de uma história que não pode deixar de ser contada e recontada.

Sem perdão, sem anistia, e sem esquecimento!

imagesEduardo Araújo – Presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília. Prefácio do Livro/Revista Extratos, edição especial/dezembro 2024 “Golpe Militar – 60 Anos”, disponível na sede do Sindicato em Brasília. 

Foto de capa: 60 anos da ditadura militar. Esquecer jamais! – Arquivo Edgard Leuenroth.

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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