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Será que todo dia é mesmo dia de índio?

Será que todo dia é mesmo dia de índio?

Há exatos 500 anos, Cortez, com alguns trabucos, meia dúzia de cavalos e uns poucos homens, deu início ao flagelo das Américas, ou melhor, à destruição de impérios: o primeiro a ruir foi o império dos asteca no México, em seguida, o império dos inca, nos altiplanos andinos…

Por Antônio Teixeira Neto                                              

No Brasil, em 22 de abril de 1500, ingênuos índios, das praias, viam aqueles homens que saíam do mar como se fossem deuses! O encantamento – naus com velas com a cruz de Cristo, homens barbudos e, como dizia Darcy Ribeiro, fedentos, mas diferentes – os embevecia!

Quase todo escrito ou toda crônica que se faz sobre o índio brasileiro, todo 19 de abril começa geralmente assim: “hoje é dia do índio! Vamos, então, como qualquer outro dia, comemorar!” Comemorar é uma palavra mágica, mas alienante (nos afasta do real sentido “do dia disso ou daquilo”), porque parece que o que importa mesmo é comemorar! Então…

Não que não haja fatos que justifiquem não se lembrar que todo 19 de abril é Dia do Índio! Praticamente quase todos os dias, imagens mostradas pela mídia, principalmente a TV, falam mais fortes e convincentemente que qualquer crônica ou artigo a respeito do assunto. Basta clicar em sites de ONGs sérias, como o Cimi, para se inteirar de relatos, depoimentos e imagens pungentes sobre o flagelo a que, hoje e agora, nossos índios são submetidos.

Infelizmente, em cidades próximas a aldeias, em que índios aculturados curtem nas calçadas trocas de mensagens em smartphones, parecem mostrar que enquanto a Covid-19 já é para os brancos um flagelo, para eles isso nunca chegaria.

Ilusão atroz, porque enquanto alguns querem viver vida de branco, que os encanta e seduz, suas terras são invadidas por fazendeiros-grileiros, garimpeiros e, sobretudo, madeireiros. “Produzir é o que importa!”, dizem eles. O governo federal atual tudo isso vê e, inacreditável, tudo isso também incentiva!

Realmente, sejamos brancos ou índios, estamos vivendo novos tempos e novos flagelos. Como sabemos, os garimpos (autorizados em terras indígenas pelo governo), como as queimadas e desmatamentos que avançam sobre o que é protegido por lei, detonam o meio ambiente.

E há quem pense que garimpeiro só trabalha com as mãos! As atitudes incorretas de homens e mulheres que acham que terra indígena não tem que existir, advém de uma só fonte: aquela alimentada pelo establishement político e financeiro, que veem nelas um grande desperdício de riqueza. Se esquecem de que é nessas mesmas terras que moram a sobrevivência e a felicidade futuras de nossos filhos, netos, bisnetos, tataranetos. Ana Bella agradece!

Não é de hoje que, sem ser, digamos, especialista do assunto, venho me preocupando com essa questão. Se, antes, eram as doenças sexualmente transmissíveis (DST) que infestavam e matavam os índios (sífilis, varíola, aids…), hoje é um inimigo invisível – a Covid-19 – que não poupa nem a eles e nem aos brancos: tudo se iguala. Mas, para os indefesos índios de nossas mais profundas florestas – os Yanomami, por exemplo –, que ainda vivem como há dez mil anos, essa nova peste do século XXI é o Senhor da Morte!

Há anos, então, venho abordando a questão do índio, não como uma questão meramente antropológica, mas, sobretudo, humana. Sem nenhuma outra pretensão, senão a de mostrar a injustiça e o ódio que perduram entre nós contra o indivíduo indígena, insisto em dizer que sem a sabedoria indígena – dita e praticada na aldeia –, o Brasil deixa de ser uma nação exemplar no que concerne à proteção do seu meio ambiente em todos os sentidos.

Em um primeiro escrito (2006), sublinhava que o ser humano juvenil, alegre e, sobretudo, livre em seu modo de ser que, no começo, era o índio, só existia na nossa imaginação e nas caricaturas literárias que se fazem sobre ele e, cada vez mais raro, nas tribos não contatadas que ainda vivem na Idade da Pedra.

Naquela ocasião, enfatizava também que a simples pronúncia da palavra “índio” já despertava nas pessoas reações das mais diversas: para algumas, devido ao modo de vida indígena, ela teria relação com pureza, inocência e até mesmo candura; para outras, ou melhor, para a maioria, ela estava equivocadamente associada a premeditação, selvageria, ódio, violência, malinidade e até mesmo traição.

Anos depois (2013), evocando Darcy Ribeiro, pintava-se uma das mais belas aquarelas de nossa terra: a de como era o Brasil dos índios assim que por aqui chegaram os descobridores portugueses: “Para os que chegavam, o mundo em que entravam era a arena dos seus ganhos, em ouro e glórias. Para os índios que ali estavam, nus na praia, o mundo era um luxo de se viver […]”.

E foi assim que tudo começou na Terra Brasilis: um choque brutal entre duas maneiras opostas de ver o mundo – a dos índios e a dos descobridores. Infelizmente, 520 anos depois, pouca coisa mudou na relação entre índios e brancos em nossa terra, pois, de um lado, o homem branco e todo o seu aparato de guerra ainda rondam as terras indígenas; de outro, o índio, praticamente cercado e indefeso, continua ameaçado pela ambição dos brancos.

Em todos esses escritos, ao enfocar a questão do índio no Brasil em geral, ou em qualquer outro recanto desse imenso planeta Terra, enfatizava-se que sempre se encontrariam desvios retóricos para afirmar que estávamos diante de um problema insolúvel.

De um lado, se situavam pessoas e instituições que viam o índio como criatura humana e seus territórios como espaço essencial à sua sobrevivência material e espiritual; de outro, havia forças poderosas que sistematicamente se opunham a qualquer medida que contrariasse interesses de grupos privados também poderosos e que, por isso mesmo, não arredavam os olhos das terras indígenas. Na ocasião, discursava-se um pouco sobre o papel de entidades nacionais que se ocupavam – e ainda se ocupam dos índios: a Funai e o Cimi, por exemplo.

À Funai, cujo Regimento só foi aprovado em 1993, 26 anos após a sua criação –, dentre outras funções, competia primordialmente promover sob todos os aspectos o bem-estar dos índios, proteger, levantar, demarcar e homologar seus territórios e garantir o direito de permanecerem como índios, só intervindo apenas quando qualquer fator colocasse em risco a sobrevivência e organização sociocultural dos grupos indígenas. Não se sabe se ainda é este o seu papel.

Com relação ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), criado em 1972 e vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ele era até então a instituição que mais esforços vinha despendendo para fazer prevalecer os direitos dos índios estipulados nas leis brasileiras. Seu objetivo primordial seria “defender a garantia do direito à diversidade cultural do índio brasileiro”.

Na verdade, esse objetivo primordial fora estabelecido para se “contrapor à filosofia do Estado brasileiro, que assumia abertamente a integração dos povos indígenas à sociedade majoritária”. Sua missão seria, portanto, diferente da que era estipulada para a Funai e, por esse motivo, sua preocupação maior era com a condição humana do indivíduo indígena, com vistas a valorizar essencialmente seu modo e suas formas originais de organização social e cultural. Pelo amor que desde o início sempre dedicou à questão indígena, o Cimi deve ainda trilhar pelo mesmo caminho.

Voltando às primeiras linhas deste artigo, repete-se a pergunta: o que mudou para nossos índios 520 anos depois que os barbudos fedentos chegaram às praias brasileiras?

Para alguns, como aquele índio que queria levar vida de branco, abandonando a tribo para habitar a favela, só restaram desilusões e uma dura realidade: “o mundo aqui fora é sujo e sem saída; não tenho mais como retornar; não saiam daí”, aconselhou aos que ficaram em casa – a tribo.

Para outros, senão a maioria, como lamentava um velho cacique guarani em uma reportagem mostrada na TV Cultura há 16 anos, o mundo deles está diminuindo de tamanho:

“A terra antes era grande; tinha mata, hoje não tem mais mata, porém, o que nós mais precisamos é de terra, água, mata; aqui, no meio do que restou, nós estamos abandonados; quero terra para minha família; não quero morrer assim; Deus criou isto tudo para nós, mas não temos mais terras; elas têm muitos donos; Deus castiga o mal que estão fazendo para nós, porque ela (a terra) está diminuindo”.

Realmente, como sempre dissera Orlando Villas Boas, não há lugar para o índio na sociedade dos brancos, do mesmo modo que não há lugar para os brancos na sociedade dos índios, ou seja: cada qual deve viver no seu quadrado!

Ao finalizar, e deixando em aberto a pergunta mostrada no título deste texto, gostaria de ter poupado adjetivos ao enfocar mais uma vez esta questão, mas, ao que parece, isto é praticamente impossível. Ora, assim que chegaram os descobridores, aos índios, como relatara Darcy Ribeiro em O Povo Brasileiro – seu último legado ao entendimento da sociedade a que pertencemos –, só restou o deslumbramento inicial, pois as concepções diferentes que ambos os lados tinham do mundo, da vida, da morte e do amor se chocaram cruamente.

Mas, como que dando colorido poético à dura realidade dos índios brasileiros, o antropólogo resume em poucas palavras como foi o primeiro o encontro entra as duas culturas: “esplêndidos de vigor e beleza, viam, ainda pasmos, aqueles seres que saíam do mar”. Desde então, todas as instituições que os europeus trouxeram consigo – exércitos, polícias, parlamentos, igrejas – recaíram sobre os índios como um flagelo.

Antônio Teixeira Neto – Doutor em Geografia e Cartografia. Sócio-Titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás – IHGG.  Sócio-Emérito do Instituto Bernardo Élis – ICEBE.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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