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Serranópolis: Um símbolo de patrimônio da humanidade

A região de de Serranópolis, situada no sudoeste de Goiás, pela natureza e característica dos sítios arqueológicos aí encontrados, desempenha importante papel na compreensão da arqueologia do e da América do Sul.

Os sítios, localizados principalmente nos arredores da cidade de Serranópolis, têm oferecido uma sequência de ocupações que vêm de aproximadamente 13.000 anos Antes do Presente (AP) até o início do século XX, em circunstâncias muito especiais, principalmente no que se refere à conservação e disposição estratigráfica do material, permitindo uma visão clara das mudanças culturais e fornecendo dados importantes sobre mudanças ambientais ocorridas durante o período.

No atual estágio do conhecimento, torna-se impossível qualquer tentativa de compreensão da pré-história das áreas interioranas centrais da América do Sul, sem ter como referência a Arqueologia da região de Serranópolis.

Os estudos na área tiveram início em 1975, integrando as atividades de um projeto maior, denominado Projeto Paranaíba, coordenado pelos professores Pe. Pedro Ignácio Schmitz S.J. e Altair Sales Barbosa, com apoio do CNPq e do IPHAN.

Desde esta época o projeto conseguiu reunir dezenas de datações de C-14, realizadas pela Smithsonian Institution de Washington DC, por intermédio da Dra. Betty Meggers (em memória).

O Projeto Paranaíba abrange quase a totalidade da vertente goiana do Paranaíba, área que geologicamente se enquadra na bacia sedimentar do Paraná, com todas as peculiaridades do contato entre o arenito Botucatu e o derramamento basáltico da formação Serra Geral, fato que permitiu a silicificação de parte do arenito, formando abrigos e propiciando matéria prima de excelente qualidade para confecção de instrumentos pelos seres humanos que habitaram a área.

A vegetação de se nos apresenta com todos seus matizes, variando de um gradiente totalmente aberto (campos), até ambientes ombrófilos (matas), onde existem manchas de solo de boa fertilidade natural.

Por isso, não é nenhum exagero afirmar que a região arqueológica de Serranópolis – em especial, as grutas do Diogo, Manoel Braga e Jair e Altair Canjerana podem ser consideradas “Patrimônios da Humanidade” – encontra-se, sem sombra de dúvida, entre os maiores, sendo talvez o maior Patrimônio Arqueológico do Brasil, não pela ostentação das pinturas rupestres, que aliás são muitas e variadas, mas, principalmente, pelas camadas estratigráficas formadas nos abrigos, onde cada fina camada de terra funciona como se fosse página de um gigantesco livro, que conta em minúcias a história dos primórdios da ocupação humana do centro estratégico da América do Sul.

Essas informações minuciosas vêm desde 13.000 anos AP, até o início do século 20, quando se iniciou de forma efetiva a implantação de grandes fazendas na região.  Em nenhum outro local do Brasil, essa situação é encontrada.

Cada pequena porção de sedimento removido revela a tecnologia utilizada por esses povos, seus hábitos alimentares, sua organização social e espacial, seus ritos de sepultamento, dados sobre demografia, evolução ou adaptação ecológica através de milhares de anos, as inovações e, possivelmente, empréstimos e troca de saberes com outros povos.

Além de restos de vegetais nativos consumidos associados a conjuntos tecnológicos de pedra lascada, podem ser encontrados, também de forma abundante, restos de animais consumidos por essas populações.

Nos períodos mais antigos, esse tipo de material se mostra associado com material lascado sem formas definidas, caracterizado por lascas, com gumes desgastados, sinalizando a intensa utilização destas.

Aparece também de forma bem definida variados instrumentos, destacando entre estes as “lesmas”, termo utilizado pela arqueologia brasileira, para caracterizar o mais singular conjunto de instrumentos do início da ocupação pré-histórica do centro da América do Sul.

Apesar de serem conhecidas noutras áreas do continente, a elaboração desses instrumentos, em Serranópolis, atingiu seu nível de perfeição. E as “lesmas” elaboradas aí servem de guia taxonômico para outras localidades.

As mudanças ambientais são reveladas de forma clara pela estratigrafia dos abrigos, indicando períodos com oscilações de umidade e temperatura, desde 13.000 anos até os tempos atuais. Fato que nos obriga a refletir sobre as situações ambientais atuais, com seus períodos de farta umidade e períodos longos de estiagem.

Lança uma luz fundamental sobre as atuações e alcance dos fenômenos El Niño e La Niña, além de nos alertar sobre os reflexos no Hemisfério Sul da Glaciação Pleistocênica do Hemisfério Norte. Tudo isto é possível ler nas páginas deste gigantesco livro formado no interior dos abrigos de Serranópolis. Entretanto, todos esses dados não passam de uma pequena parcela de todo o conjunto de informações aí obtido.

O sítio é um laboratório antropológico e geográfico singular, pois permite de forma clara perceber as inúmeras adaptações humanas ao longo das mudanças ambientais, bem como as mudanças de organização do espaço, ocorridas ao longo de muito tempo.  E, com isso, estabelecer precisos calendários de caça e coleta.

À medida que as escavações nos conduzem para épocas mais recentes, fica patente a grande capacidade do homem que ali habitou em se relacionar com outros povos, aprender e ensinar com estes. Da mesma forma que fica patente a capacidade inovadora daquelas populações ali residentes, ancestrais de alguns grupos indígenas que provavelmente ainda sobrevivem até os dias atuais.

De aproximadamente 4.000 anos, em direção aos tempos atuais, é impressionante a quantidade de vegetais exógenos, alguns já domesticados, encontrada nas camadas: amendoins, algodão, favos e grãos de feijão, um tipo de cereal primitivo semelhante ao arroz, cucurbitáceas, e espigas de milho primitivo, algumas ainda com palhas e grãos.

Essa preservação só é possível em função de um microclima especial que se forma no interior desses abrigos.

Para ilustrar tal fato, relato a descoberta de uma faca trabalhada em pedra lascada, com marcas de sangue e envolta numa espécie de bainha feita de folhas e amarrada com corda trançada da embira de tucum, datada de 8.000 anos e toda preservada.

Também de forma muito clara é possível ler nestes sedimentos a invenção e introdução da cerâmica, no cotidiano desses povos. Nós arqueólogos definimos no mínimo duas grandes tradições ceramistas para a região. Da mesma forma e, não menos surpreendente, essas camadas de sedimentos revelam o início da utilização em larga escala dos instrumentos de pedra polida, alguns fabricados no próprio local; outros, pela grande variedade, foram introduzidos através de intercâmbios.

Todo esse conjunto de material é encontrado nas camadas de sedimentos formadas no interior dos abrigos.

Nos paredões desses abrigos floresce um conjunto de variados estilos de pinturas rupestres, com formas de animais, formas geométricas, formas humanas, vegetais etc. Em muitos locais, podem ser observadas superposições dessas pinturas, o que indica que foram elaboradas em épocas diferentes.

Quando observa estas pinturas a olho nu, o observador não tem condição de perceber a sua grande variação, porque dessa forma só é possível perceber as pinturas mais recentes e mais bem preservadas. Todavia, quando se aplica a técnica infravermelha, quer seja para observação, quer seja para registro, pode-se constatar a grande variação que caracteriza esses painéis com pinturas.

Por essas e outras razões é que se afirma que a região arqueológica de Serranópolis está entre os maiores patrimônios arqueológicos do mundo. E, sem nenhuma dúvida, pode ser considerada o mais importante capítulo para entender a ocupação indígena do Brasil.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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