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Tá no sangue!

Tá no sangue: um papo sobre samba com os irmãos Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira

Foi no início do século XIX que as rodas de samba de fundo de quintal se popularizaram no , mais especificamente, no Rio de Janeiro.

Por André Menezes/Mídia Ninja

De lá para cá, esse movimento genuinamente preto ganhou força e é considerado, desde 2005, um oral e imaterial da pela Unesco. Para além do recorte histórico, quem também faz história e está deixando seu legado dentro deste movimento são os irmãos Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira, mais conhecidos como Prettos.Na entrevista de hoje, eles falam sobre a carreira, os trabalhos futuros, a luta da comunidade negra por oportunidades e como surgiu a ideia de criar o Quintal dos Prettos, que, há seis anos, vem fazendo um grande sucesso na Zona Leste de São Paulo, resgatando as raízes deste gênero musical e democratizado o acesso às rodas de samba.

Leia com muita atenção. Senhoras e senhores, com vocês, os Prettos:

André Menezes – Bom, meus queridos, para começar queria que contassem um pouco sobre como surgiu a ideia de criar a dupla os Prettos? E como tem sido essa experiência ao longo dos anos?

Magnu Sousá – Na verdade, não teve a ideia de criar a dupla, porque é justamente isso: éramos uma dupla; antes mesmo do primeiro grupo, já éramos uma dupla. Então, tivemos um primeiro grupo, o grupo se desfez e ficamos de novo como dupla. Chegávamos nos pagodes e botávamos para quebrar, o couro comia! Nego mudava até o repertório. A gente chegava no samba e mudava tudo – éramos reconhecidos como os caras do samba de raiz. Foi então que conhecemos um pessoal – a outra trupe do Quinteto -, e formamos o Quinteto em Branco e Preto. O grupo, então, ficou: os três branquinhos e os dois pretinhos. O passou, o Quinteto acabou… E aí resolvemos seguir como dupla, como lá no início. Tanto é que o primeiro disco dos Prettos chama-se “Essência da Origem”. Tem alguns sambas lá do começo da nossa carreira e, na hora que você ouvir, vai entender um pouco a ideia da dupla inicial mesmo, de como era.

André Menezes – E como tem sido desde que vocês saíram do Quinteto? Ou desde que o Quinteto acabou? Como tem sido essa experiência?

Maurílio de Oliveira- Maravilhoso, porque conseguimos decidir tudo mais rápido. O nosso objetivo é o mesmo, a nossa flecha aponta para o mesmo lado. Eu e o Magnu sempre tivemos essa ligação com o samba, de maneira mais íntima, dentro do samba mesmo. Tem gente que está samba, mas a gente é do samba – a diferença é essa. Como a gente é do samba, o nosso objetivo já tem uma direção. Então, a gente vai navegando junto: na linguagem, no comportamento, na forma. Ou seja, a gente segue a linha do que é ser um sambista, no todo, o kit. Qual é o kit do sambista? O que é ser sambista? É o que a gente é. A gente imprime isso – nossa – no nosso trabalho, de todas as formas. Tem gente que confunde a ideia de ser sambista com uma forma de vestir; tem gente que confunde a parada de ser sambista com a forma de cantar, de tocar… Tudo bem, a gente preserva a linguagem, sim, fazemos questão disso – da linguagem do samba -, porém trazemos outros elementos, que é onde entra a nossa negritude.

Magnu Sousá – Essa é a grande diferença de ser dupla. Eu e o Maurílio estamos na mesma frequência. E muitas vezes, com a galera do Quinteto ou da comunidade do Samba da Vela, não estávamos, necessariamente, na mesma frequência.

André Menezes – E sobre os projetos de vocês, tem dois que eu queria falar. Primeiro, o Quintal dos Prettos. Eu queria entender de onde veio a ideia de montar uma roda de samba pra galera cantar em volta? Que energia é essa?

Magnu Sousá – Para falar dos projetos, primeiro precisamos falar sobre a comunidade do Samba da Vela. Nós somos os fundadores do Samba da Vela. Esse movimento foi formado em 2000 por Magnu Sousá, Maurilio de Oliveira, Preto, Chapinha e Paquera. O Samba da Vela tem o objetivo de cantar músicas inéditas, revelar compositores, referenciar os grandes sambistas da história e se baseia em uma coisa mais didática: de samba, falada.

Maurílio de Oliveira – Tinha uma cultura do silêncio. A gente não obrigava ninguém a ficar quieto, mas a gente educava o público a prestar atenção no samba. Então, quando o pessoal chegava, todo mundo ficava em volta em silêncio.

Magnu Sousá – Fomos fazendo essa roda de samba durante 15 anos, toda segunda-feira, inédito e sem microfone. Quando nos demos conta, conseguíamos dominar o público sem ter o microfone. Eu estou te contando isso porque o Samba da Vela foi um movimento que já era acústico, como o Quintal dos Prettos – sem microfone -, e a gente foi ganhando uma experiência natural de dominar o público sem microfone. A gente sempre falava que precisávamos ter a nossa roda de samba e foi então que o Maurílio tomou a frente.

Maurílio de Oliveira – Um amigo meu me mandou um vídeo de um espaço vazio: um galpão, que a galera alugava para fazer evento e já tinha uma estrutura muito legal. E o Magnu ficava me falando, por uns quatro anos, que precisávamos achar um lugar e na hora eu pensei: achei o lugar. Eu mostrei para o Magnu e fomos até lá para fazer uma reunião. Fizemos uma primeira reunião e voltamos com a Margareth, nossa produtora, para mostrar o espaço. A gente deu uma volta para ver o espaço, olhamos, achamos o lugar lindo e falamos: “aqui é a cara do samba”. E a Margareth falou: “por que vocês não fazem aqui?”. Mas era aberto – e se chover? Como vamos fazer com os equipamentos? E aí a Margareth lançou: “faz sem microfone mesmo”. E me lembro do Magnu comentar: “e aqui é um quintal, né?” E aí a Margareth falou: “isso mesmo, Quintal dos Prettos”. Foi perfeito, porque queríamos fechar um projeto parecido com o Samba da Vela, porém mais informal, uma roda de samba. Mas não queríamos aquela coisa didática – ia ser sem folhinha para ler. Queríamos um pagode e a galera cantando junto e alto.

Magnu Sousá – Uma coisa que a gente faz questão é tratar os músicos que tocam no nosso quintal, muito bem. Porque a gente foi a vida toda e já fomos muito maltratados nas casas de show por aí. Aqui no quintal, a gente trata os músicos como artistas que são, e isso muda tudo, aumenta autoestima, confiança, vira uma grande família.

André Menezes – Vamos continuar falando dos projetos! O que podemos esperar do show na Casa Natura, no dia 24 de fevereiro?

Maurílio de Oliveira- Vamos fazer o show de lançamento do DVD lá, e vamos meter pagode na Casa Natura! Levar o sambão, aquele samba de raiz. A gente chama de samba raiz, porque é uma raiz muito forte no país e, nesse disco, a gente traz vários sambas que, para nós, são sambas imortais, e acredito que, para toda comunidade brasileira, são sambas imortais. E coincidentemente são sambas que a gente cresceu ouvindo, sambas que fazem parte da nossa cultura. Muitos convidados participam desse projeto, como: Sombrinha, Maria Rita, a bateria da Mocidade – está incrível.

André Menezes – Tem algum projeto ou parceria que marcou mais vocês?

Magnu Sousá – De projeto: o Samba da Vela. É uma coisa que é nossa, é uma marca que é nossa. Seria até injusto não citar.

Maurilio de Oliveira – Nós temos carinho por muita gente. Tivemos o privilégio de trabalhar com muita gente: Beth Carvalho, Dona Ivone Lara, Nelson Sargento, Nei Lopes, Maria Rita… A gente pisou nos palcos mais importantes do mundo: Montreux Jazz Festival; fizemos o DVD da Beth Carvalho “Cantando os Sambas da Bahia” no Teatro Castro Alves, com participação de Maria Bethânia e Caetano Veloso.

Magnu Sousá – Então assim, de projeto: Samba da Vela e Quinteto. Parceria: Beth Carvalho, nossa madrinha.

André Menezes – Pra finalizar, como vocês encaram a pauta racial? Acreditam que houve avanço?

Magnu Sousá – Eu acho que avançou e avançou muito. Eu vejo jovens hoje que tem letramento. Porém, apesar de ter letramento, eu sinto que alguns jovens ainda não se reconhecem como preto, sinto que falta a negritude.

Maurilio de Oliveira – E sobre isso, o Quintal dos Prettos colabora muito, o Quintal traz a cultura do samba, a cultura preta, trazendo a força do preto, a nossa originalidade.

Fonte: Mídia Ninja Capa: Reprodução


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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