Teu Nome

Teu Nome

Ao comandante Carlos Marighella,  assassinado em 4 de novembro de 1969.

Pedro Tierra

TEU NOME NOS OLHOS FAMINTOS

DOS FILHOS

DO .

TEU NOME COMO A BANDEIRA

FERIDA

DOS SAQUEADOS.

TEU NOME MURMURADO À MESA

DOS OPRIMIDOS.

TEU NOME EXILADO DOS

DICIONÁRIOS

DA SOMBRA.

TEU NOME SANGRANDO A NEUTRA

SUPERFÍCIE

DO MURO.

TEU NOME GRAVADO NA MÃO

ESQUERDA

DE TEUS FILHOS.

TEU NOME RECOMPOSTO NO

MARTELADO

DOS FUZIS.

Pedro Tierra, Poeta da Resistência, 1974.

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Carlos Marighella, 1929

Por Politize 
Em 1931, Marighella começou o curso de Engenharia na Escola Politécnica da Bahia. Já no ano seguinte, participou de uma ocupação da Faculdade de Medicina da Bahia contra a ruptura constitucional de Getúlio Vargas junto com outras 500 pessoas, em sua maioria estudantes. Essa foi a primeira ocasião em que conheceu o cárcere.
Após ser solto, Marighella se filiou ao Partido Comunista do (PCB). Pelo episódio e sua atividade junto ao partido, ele foi impedido de continuar o curso.
Em 1934, Marighella virou um dos dirigentes do partidão – como era conhecido o PCB -, ajudando a organizar o partido na Bahia. Na época, o partido não contava com mais de 2 duas dezenas de militantes. 
Aqui começa a história de Marighella na política nacional. Entre 1935 e 1969, o Brasil alternou entre um governo ditatorial, Estado Novo de Vargas (1937-1945), um período democrático e bem agitado (1946-1964), e uma ditadura Cívico-Militar (1964-1988). Em todos esses períodos, Marighella foi uma figura importante para o PCB , mantendo-se como militante ativo e influenciando outros grupos políticos.
Em 1935, houve uma tentativa de levante comunista. Conhecida como intentona comunista, a revolta aconteceu quando membros do PCB de dentro do corpo militar pegaram em armas em alguns quarteis, imaginava-se que a população se levantaria em favor da revolta para iniciar uma contra Vargas – o episódio foi retratado com a história de Olga Benário Prestes no cinema.
Esse episódio fez aumentar a perseguição aos comunistas. Assim, em 1935, quando Carlos foi para o Rio de Janeiro para participar como dirigente do partido a nível nacional, as perseguições o levaram a prisão. Lá, ele permaneceu por pouco mais de um ano.
O responsável pela prisão e tortura de Marighella foi Filinto Müller, um adepto do regime nazista, que também foi responsável por prender Olga Benário. O biografo Mario Magalhães retrata um dos episódios em que Carlos Marighella foi torturado,

com os colegas da polícia política, Galvão, Julien e Queiroz colocaram o preso no centro do círculo e o cobriram de murros e pontapés. Desequilibrado e com os pés feridos, ele balançava feito joão-bobo. Marighella execrava tabaco, e ali descobriu que a catinga, como chamava o mau cheiro, podia ser o de menos: apagaram as pontas dos cigarros no seu corpo. Acendiam-nos novamente e queimavam sua pele. Galvão retirou o alfinete da gravata, segurou as mãos de Marighella e enfiou o metal sob as unhas, perfurando a carne. Com capricho de sádico, foi até o último dedo. As mãos se ensanguentaram e incharam.
Magalhães, 2012: 68

Em 1937, Carlos foi solto por meio de processos judiciais e manifestações políticas que tinham como objetivo garantir direitos políticos aos integrantes do PCB e outros opositores de Vargas. Contudo, a de Marighella e seus companheiros não durou muito, precisamente apenas 5 meses. 
Em setembro do mesmo ano, o governo tornou público o plano Cohen. Descoberto por Olímpio Mourão Filho, general do exército e chefe da agência de inteligência, o plano consistia em um documento da internacional comunista, que estaria planejando um golpe contra o Estado. Hoje se sabe que o documento foi inventado pelo próprio General e por Plinio Salgado para ser utilizado como desculpa para implantação de um Estado de Guerra.  Ambos os autores eram membros da Ação Integralista Nacional, partido fascista brasileiro fundado nos anos de 1930 e cujo o partido era uma das bases de sustentação de Vargas. 
Com a apresentação do “perigo vermelho de Moscou”, o governo fechou as Casas legislativas da União, dos estados e dos municípios. Os governadores que se opuseram ao golpe foram depostos e a perseguição política se intensificou. Com isso, o nosso personagem passou a viver na ilegalidade.

Liberdade e ação como Deputado

Em 1945, a Segunda Grande Guerra acabou. A participação brasileira ao lado das potências democráticas acendeu uma luz contra a ditadura interna. Naquele momento, as mobilizações por liberdades políticas levaram Vargas a anistiar os presos políticos e a marcar novas eleições para presidente e deputados de uma assembleia constituinte. Afinal, era o momento de reconstruir o regime – uma mudança para uma ordem democrática – isso significa que seria necessária uma nova constituição para inaugurar uma democracia mais ampla e mais participativa.
O partido comunista, do qual Marighella fazia parte, concorreu as eleições. E foi assim que o nosso personagem foi eleito como Deputado Federal constituinte pelo estado da Bahia.
Um exemplo de atuação de Marighella foi seu posicionamento sobre a forma como a liberdade religiosa era colocada na Constituição – tanto a de 1934 como a de 1946 afirmavam que a crença e culto eram livres “desde que não contravenham à ordem pública e os bons costumes”. Carlos questionou que contravir à ordem pública e os bons costumes poderia ser interpretado como qualquer coisa, dando margem a perseguições a religiões de matriz africana. 
Para além disso, Marighella discursou em favor do registro de casamento civil e contra a indissolubilidade do casamento, além também do direito a divórcio, que só seria colocado em lei em 1977. 

O partido de volta à ilegalidade

Em 1947, o PCB foi posto na ilegalidade como reflexo da Guerra Fria e das perseguições aos partidos comunistas em países de influência estadunidense. Uma ação no Tribunal Superior Eleitoral argumentava que o partido era uma base dos russos no Brasil e seria então uma influência externa. Assim, já no ano seguinte os mandatos de deputados do partido comunista foram cassados.  
Vale destacar que Carlos viveu de 1936 a 1969 ou preso e sendo torturado, ou vivendo escondido por militares pelo PCB. As exceções foram um intervalo de 2 anos entre 1936 e 1939, o momento que foi deputado constituinte e deputado federal pela Bahia, entre 1946 e 1948, e outro de 1957 até o golpe de 1964. Nesse 33 anos, foram 11 anos na ilegalidade, 22 sendo perseguido, preso ou militante escondido.
Foi somente em 1957 que o Partido de Marighella voltou à legalidade a partir do ato de Juscelino Kubitschek, que governou o Brasil entre 1956 a 1960. 

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Ruptura com PCB e luta armada

Na madrugada de 31 de março de 1964 para o dia  1° de Abril de 1964, Carlos escapou do destino de 50 mil pessoas que a ditadura perseguiu nas primeiras semanas. Naquela noite, era forte o boato sobre a saída das tropas do Rio de Janeiro e da Polícia e Exército de Minas Gerais, que rumavam para a Brasília com o objetivo de depor o então presidente João Goulart. Marighella não duvidou dos boatos, consciente que seria um dos primeiros a receber a visita dos militares. Assim, acordou sua esposa na madrugada para colocar poucas roupas em uma mala e sair pelas escadas da residência, sem saber que no elevador estavam os policiais com o objetivo de busca-lo.
Carlos evitou de sofrer o que aconteceu com Gregório Bezerra, político pernambucano do mesmo partido de Marighella, que foi preso e torturado ainda no amanhecer do Golpe. 
Nas vésperas do golpe cívico-militar e percebendo a escalada de violência desde a campanha da legalidade – movimento que garantiu a posse do então vice João Goulart como Presidente da República após a renúncia de Jânio Quadros – Marighella verbalizou a necessidade do PCB buscar resistir aos atos de violência pelas armas. Essa posição, contudo, causou um desconforto dentro da organização. A partir desse momento, é possível perceber o início da ruptura de Marighella com o PCB. 
A corrente majoritária do PCB defendia somar forças em uma frente ampla democrática para uma resistência pacífica à ditadura. Contudo, Marighella estava descontente com essa tese por acreditar que uma resistência pacífica era ineficaz para o momento. Assim, em 1967, ao visitar Cuba, ele escreve uma carta descordando do partido ao voltar e é expulso do mesmo.
Com o ocorrido, o comunista fundou uma organização que tentava aglutinar outros militantes excluídos do PCB por acreditarem na luta armada, além de pessoas de correntes diferentes. O objetivo era juntar pessoas de variados pensamentos políticos de esquerda e nacionalista para organizar e promover a derrubada do regime utilizando dos meios que fossem necessários. 
Com grupos urbanos armados e grupo guerrilheiros, organizado em núcleos táticos de ação, o movimento realizou assaltos em bancos e a quarteis para conseguir se financiar e manter suas armas. Um dos dois atos mais emblemáticos foi a captura do embaixador norte americano Charles Elbrick, com o objetivo de trocar a liberdade do embaixador pela de 15 presos políticos, dentre os quais estavam Gregório Bezerra.
Outra ação do grupo que ficou marcada na história foi da Rádio Libertadora, uma estratégia de propaganda do grupo que consistia na gravação de fitas K7 que pudessem ser tocadas em autofalantes e promovessem as sua ideias. Em uma das fitas Marighella diz: 

Ao Povo brasileiro!
Da cidade da guerra revolucionária, nela estamos empenhados com todas as nossas forças no Brasil. A polícia nos acusa de terroristas e assaltantes mas, não somos outra coisa que não revolucionários que lutam a mão-armada contra a atual ditadura militar brasileira e o imperialismo norte-americano.

E deixa claro seus objetivos, alguns deles como: 

  • Derrubar a ditadura militar;
  • Anular todos os seus atos desde 1964;
  • Formar um governo revolucionário do povo;
  • Expulsar do país os norte-americanas, expropriar firmas, bens e propriedades deles e de quem com eles colaboram;
  • Expropriar os latifundiários;
  • Acabar com o latifúndio;
  • Transformar e melhorar as condições de vida dos operários, dos camponeses e das classes médias;

Pouco tempo depois desse episódio da rádio, em 1969, Marighella sofreu uma emboscada. Ao prender alguns militantes e simpatizantes da ALN, a polícia conseguiu informações sobre um encontro que Carlos Marighella faria com integrantes da ALN na alameda casa branca em .
Na época, o Departamento de Operações Política Social (DOPS) divulgou que Marighella teria reagido a voz de prisão da polícia – o fato, contudo, foi verificado como uma invenção, de acordo com o livro Direito a Memória e a Verdade: 

(…) membros da CEMDP solicitaram parecer do médico legista Nelson Massini, que forneceu elementos conclusivos para afastar a possibilidade de Marighella ter sucumbido em uma troca de tiros.
(…)Após analisar a foto do militante morto, o perito concluiu: “A posição do cadáver não é natural e sim forçada, revelando claramente que o corpo foi colocado no banco traseiro do veículo. Esta é baseada nos sinais de tracionamento do corpo para dentro do veículo(…)
A de Carlos Marighella não corresponde à versão oficial divulgada na época pelos agentes policias. Os indícios apontam para a não ocorrência do tiroteio entre a polícia e seus supostos seguranças e indicam, também, que ele não morreu na posição em que o cadáver foi exibido para a imprensa. Carlos Marighella, afirma o parecer médico legal (…) foi morto com um tiro à curta distância depois de ter sido alvejado pelos policiais, quando já se encontrava sob seu domínio, e, portanto, sem condições de reagir. Confirma-se, assim (…), que a operação policial extrapolou o objetivo legítimo de prendê-lo (…)”

Uma vida ligada ao contexto.

Duas lições importantes sobre histórias podem ser tiradas daqui: 
A primeira é que tirar um personagem de seu contexto para analisa-lo não ajuda a entender nem o personagem, nem a sua época. A vida de Marighella esteve a mercê do ambiente político. Foi um chefe comunista importante do PCB em época de guerra fria e de perseguição à ideia que pregava. Foi guerrilheiro contra uma ditadura militar, quando acreditou que fosse a opção viável e morreu pelas armas.
A segunda é que muitas vezes a leitura de um personagem do passado revela muito mais do presente do que sobre o personagem. Marighella gera paixões e ódios, e sua importância é explicada pelo debate que gera até hoje na

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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