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Um ser vindo das trevas faz de Brasília palanque de sua necropolítica

Um ser vindo das trevas faz de Brasília palanque de sua necropolítica

Um ser vindo das trevas percorre o Plano Piloto para nos envergonhar diante do mundo, para espalhar o vírus de sua existência maligna

Olho para as imagens daquele espectro supostamente humano e não reconheço nele alguém – nem mesmo reconheço nele ninguém. Não pode ser, não somos da mesma espécie, bípedes, portadores de alma e consciência, compaixão e afeto. Há nele algo de sub-humano, de anti-humano, de desumano, no sentido mesmo de não ser possuidor de humanidade, essa definição múltipla e difusa que, minimamente, nos liga uns aos outros.O homem, vou chamá-lo assim por falta de designação mais precisa, vai a uma padaria e a uma farmácia, na 2020ª Sexta-Feira da Paixão, na minha cidade, sonhada e construída por utópicos de vários matizes, desde um marechal, o José Pessoa, a um médico, o Juscelino Kubitschek, passando por um humanista, o Lucio Costa, e um comunista, o Oscar Niemeyer e a força de milhares de brasileiros.Limpa o nariz com o antebraço, depois aperta a mão de uma mulher de cabelos brancos, fala com aquela voz que parece vir de sinistras profundezas, como se fosse a reverberação do mal. Talvez um/a fonoaudiólogo/a, um/a psicanalista possa identificar com mais precisão o que revela aquela estranha dicção. É como se a voz saísse de um caixa toráxica contida, aprisionada, das catacumbas onde algum dia se conseguiu conter o mal em sua feição mais aterrorizante. No sábado de aleluia, ele repetiu a cena gosmenta, desta vez no entorno do quadradinho, região que mais cresce demograficamente no país, território apátrida, que embora seja Goiás vive do DF, mas é desprezado pelos dois.
O cinema às vezes nos oferece a metáfora precisa – me lembro da voz gelada, tenebrosa e cortante do Hall de “2001, uma Odisséia no Espaço”, uma das obras-primas de Stanley Kubrick, mas até a voz do computador maligno soa menos tenebrosa que a voz do homem que saiu na Sexta-Feira Santa pela cidade que, por dever de ofício, o acolhe. Não sabemos a quantas anda a popularidade do ser espectral entre os 70% de eleitores brasilienses que o ajudaram a se eleger, mas os panelaços recentes e as reações de ontem indicam que algo mudou.

O que não muda é a fantasmagoria que emana do bípede de aparência humana que resolveu fazer de Brasília o palanque de sua necropolítica. Psicanalistas consultados pelo jornal Folha de S. Paulo, dias atrás, apontam sinais de paranoia na composição psíquica do ser espectral. Jornalistas que o conhecem desde os tempos em que era deputado federal lembram-se que era um político de quem os demais escarneciam dado o seu despreparo, a sua obsessão pelo mal e a ausência de projetos.
Todas as tentativas de explicar o surgimento da coisa estão muito aquém da coisa em si. Será ele a representação nítida, porque pública, porque poderosa, porque presidente de um país, do que de pior pode vir ao mundo como se humano fosse?
Na Sexta-Feira da Paixão de um mundo atormentado, como poucas vezes se viu na história da civilização, num país sempre admirado pela sua incomum composição de humanidades distintas – os povos originais, os escravos negros e os europeus, com todas as atrocidades praticadas por esses últimos –, num país que o mundo conhecia pela alegria indomável de seu povo, pela musicalidade de seus artistas extraordinários, e por tantos outros vívidos atributos, na 2020ª Sexta-Feira da Paixão do mundo ocidental e cristão, um ser vindo das trevas percorre o Plano Piloto de Lucio Costa para nos envergonhar diante do mundo, para espalhar o vírus de sua existência maligna.
Teremos que enterrar milhares de mortos, adoecer aos milhares, esticar esse tormento ao limite do insuportável, especialmente para os mais pobres, até que alguma coisa acima de nós, ou dentro de nós, surja para impedir que essa coisa continue a fingir que é humano e continue seu projeto de nos destruir – até que reste só ele, os descendentes tão execráveis quanto ele e os que ainda acreditam que ali há algo minimamente humano? Será?

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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