Vale explora 4 milhões de hectares no Brasil. Empresa destina apenas 2 mil hectares para áreas degradadas

Território do tamanho da Holanda: Vale explora 4 milhões de hectares no Brasil –

Por: Bruno Stankevicius Bassi/ De Olho nos Ruralistas

Área não inclui 132 mil hectares de subsidiária no Pará, em região com assassinato de quilombolas, nem 1,3 milhão de ha em outros países; empresa destina apenas 2 mil hectares para áreas degradadas

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Centenas de vidas soterradas na lama, perdas incalculáveis de fauna e flora e um rio inteiro destruído pela mineração. Em meio a dezenas de perguntas ainda não respondidas sobre o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), apenas três anos após o crime de , da Samarco (união entre Vale e BHP Billinton), a Vale volta a aparecer no mundo sob o signo da morte.

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Mina S11D, em Carajás (PA): parte do império territorial da Vale. (Foto: Divulgação)

Mas as mudanças impostas pela empresa ao território brasileiro vão além dos crimes ambientais. De Olho nos Ruralistas levantou a face agrária da Vale e descobriu um lado pouco conhecido da mineradora. Segundo o relatório anual de 2017, apenas as concessões de lavra abrangem uma área de 597.249 hectares. O território controlado pela empresa inclui licenças e requerimentos de que somam 3,8 milhões de hectares no Brasil.

E o império fundiário da mineradora se estende para fora do país. A Vale possui concessões e arrendamentos minerários em cinco países: Canadá, Indonésia, Austrália, Nova Caledônia e Moçambique. Esse território totaliza 386.572 hectares, além de 1,3 milhão de hectares em licenças de exploração.

Somada, a área explorada pela Vale é maior que a da Croácia. Só no Brasil, uma Holanda – ou uma Suíça, quase uma Dinamarca – em atividades principalmente ligadas à mineração.

Essa dimensão territorial contrasta com as iniciativas de recuperação ambiental da empresa, de proporções mais acanhadas. Em seu relatório de sustentabilidade, a Vale definiu como meta para 2018 a recuperação de apenas 2 mil hectares em áreas degradadas.

A Renova, que administra os passivos da Samarco no caso de Mariana, está restaurando outros 47 mil hectares de florestas na Bacia do Rio Doce – aquele que deu nome à Vale e hoje jaz em Minas e no Espírito Santo.

NO PARÁ, CONFLITO COM QUILOMBOLAS

Mas o território da Vale não para por aí. Por meio da Biopalma da Amazônia, a mineradora controla outros 132 mil hectares no do Pará, na região do Baixo Tocantins, onde concentra fazendas e de processamento do óleo de palma.

Conhecido no Brasil pelo seu uso na culinária baiana, como óleo de dendê, o produto serve de matéria-prima para a produção de biodiesel, gorduras vegetais e de energia a partir de biomassa. Para os camponeses que vivem na área de influência da Biopalma, porém, o produto mais visível é o conflito agrário.

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Camponeses protestam contra suposta grilagem da unidade de óleo de palma da Vale. (Foto: MPA)

Em abril de 2018, Nazildo dos Santos Brito, líder da comunidade quilombola Turê III e uma das principais vozes contrárias às atividades da Biopalma no Pará, foi assassinado a tiros a caminho do quilombo. Em 2015, ele havia liderado, junto a indígenas da etnia Tembé, a ocupação de uma das plantas da empresa, em protesto contra o desmatamento ilegal e a contaminação por agrotóxicos nos mananciais no município de Tomé-Açu. Nazildo respondia a oito processos impetrados pela subsidiária da Vale. Desde a ocupação, alegava ter recebido ameaças de morte.

Não era a primeira denúncia feita pelos povos do campo. Em 2014, os Tembé haviam apreendido carros e tratores da Biopalma para obter ações de mitigação em função dos impactos sofridos com as atividades da empresa. No mesmo ano, outra liderança quilombola foi morta após denunciar a empresa.

Artêmio Gusmão foi baleado e teve o corpo esquartejado perto de sua casa, no quilombo de Mancaraduba, em Acará (PA). A comunidade reivindicava a de suas terras que, segundo os quilombolas, teriam sido griladas pela Biopalma. Segundo a Ouvidoria da Secretaria de de (Segup), dois irmãos de Artêmio foram assassinados no ano anterior.

A grilagem é uma acusação recorrente contra a subsidiária da Vale: segundo camponeses do Assentamento Margarida Alves, vinculados ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a empresa se apropriou de 58 mil hectares em terras públicas em Acará.

GRUPO SE DESFEZ DE UNIDADES DE EUCALIPTO

A Biopalma está longe de ser o único empreendimento agropecuário da Vale. Em sua história, o conglomerado esteve estreitamente ligado ao setor de papel e celulose e foi um dos precursores do plantio de eucalipto no Brasil. Entre 1973 e 2001, a Companhia Vale do Rio Doce possuiu participação na Celulose Nipo-Brasileira (Cenibra), em parceria com a multinacional japonesa Japan Brazil Paper and Pulp Resources Development Co.

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Militantes sem terra ocupam área da Cenibra. Empresa já fez parte do Grupo Vale. (Foto: MST)

Dona de 254.756 hectares na região leste de , sendo 129.606 hectares destinados ao plantio de eucalipto, a Cenibra também possui histórico de conflitos fundiários. Em setembro de 2016, quinze anos após a Vale vender sua parte na empresa, uma das fazendas do grupo, em Periquito (MG), foi ocupada por 200 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que protestavam contra os danos ambientais causados pela monocultura de eucalipto e exigiam a desapropriação da terra para a .

Outra empresa do grupo, a Vale Florestar, chegou a administrar 45 mil hectares de eucalipto no Pará, até ser vendida à Suzano Papel e Celulose, em 2014, por R$ 528,9 milhões. Doze anos antes, outra venda, dessa vez no Espírito Santo: a Florestas Rio Doce S.A., dona de 40 mil hectares, foi adquirida pela Aracruz Celulose e pela Bahia Sul Celulose.

GEÓGRAFO EXPLICA LÓGICA DAS AQUISIÇÕES

Segundo o geógrafo Fabiano de Oliveira Bringel, da Universidade do Estado do Pará (Uepa), a aquisição de terras faz parte da estratégia de domínio territorial da Vale:

– Onde ela [Vale] sabe que abrirá empreendimentos, começa a comprar terra. Ou seja, ela antecipa a renda da terra em função de um processo de concentração de terra que acaba também intensificando a questão agrária na Amazônia. Não dá para entender questão agrária na Amazônia hoje sem entender o papel da indústria minerária. Fundamentalmente a Vale tem ligação direta com a questão agrária e a intensificação dos conflitos.

Recentemente, a mineradora se desfez de outro empreendimento agropecuário. Em 2018, a de fertilizantes à base de nitrogênio e fosfato, localizada em Cubatão (SP), foi vendida à norueguesa Yara por US$ 255 milhões. No ano anterior, a empresa havia sido multada em R$ 8 milhões pelo lançamento de efluentes contaminados com nitrato de amônio, em curso de água. Mais de 150 pessoas precisaram ser evacuadas de suas casas. (Colaborou Júlia Dolce)


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Foto: Metrópole

ANOTE:

Matéria reproduzida do site da Amazônia Real: https://amazonia.org.br/2019/01/territorio-do-tamanho-da-holanda-vale-explora-4-milhoes-de-hectares-no-brasil/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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