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“VIDAS VAZIAS”. NÃO AS DOS HUMANOS, MAS AS DOS DEUSES

“Vidas vazias”. Não as vidas dos humanos, mas as dos deuses

Desde então passei a amar também a escuridão, pois é dela que nasce a luz!”

“VIDAS VAZIAS”. NÃO AS DOS HUMANOS, MAS AS DOS DEUSES
Planeta Indígena

Por Félix Fontele

A noite tem lá seus caprichos. Não pensemos nela somente como dimensão do tempo, quando este escurece. Mas em um véu que nos envolve, embora não possamos tocá-lo. Apenas senti-lo, tal qual percebemos a luz do sol.

Caminhar durante a noite, em plena escuridão, sem qualquer réstia de luz, pode causar medo. Imagine-se sem saber o que há diante de seus olhos, a não ser breu a emanar de fonte misteriosa depois que o Sol desaparece em seu sossego. Sem alternativa, resta-lhe mergulhar na escuridão à procura de luz.

Apreendi um pouco dessa sabedoria indígena quando visitei a aldeia dos Apinajé, situada ao Norte do do Tocantins, em pleno do Bico do Papagaio. Ainda , tive o privilégio de conhecer o pajé Pekobo, o qual tratava certos substantivos como se fossem seres: a noite, o dia, o sol, a lua e as estrelas.

Ele mesmo conversava com esses entes, ao soltar longas baforadas do cachimbo. De todas as suas histórias, a que mais me impressionou — e por isso ainda me lembro –, foi a da noite. Talvez por ser a mais inspiradora. 

Sob o luar, sentados em toras de madeiras, contemplávamos o céu inteiramente estrelado, enquanto crianças índias e nuas corriam desinibidas pelo espaço de areias brancas que circundava as ocas. Eu não brincava. Preferia ouvir os contos do pajé.

Dizia ele que antes da apartação da luz das trevas, a escuridão era uma deusa que amava escutar cânticos e poemas ritmados, quando se extasiava completamente pois o seu sentido mais aguçado era a audição.

No processo de criação do mundo, a deusa engravidou de seres e os deu à luz. À medida em que paria, um esplendor de luz aparecia. E, assim, o mundo ficou claro e escuro. A luz, portanto, seria filha da escuridão. 

A musa, entediada com seu universo, sem vestígios de dor e sofrimento, onde tudo era placidamente feliz, descia todas as noites com seu véu escuro em busca de entretenimento com os humanos. Fustigava e ao mesmo tempo inspirava artistas a criarem de madrugada especialmente para ela.

Com seus caprichos, também gostava de embebedar pessoas, criar emboscadas e estimular paixões. Pensei: por isso que os índios tocam tambores, pintam o com tintas de urucum, usam colares coloridos, dançam e cantam ao redor de fogueiras. Tudo para agradar aos deuses, principalmente à escuridão, de modo que não lhes façam nenhum mal. 

Aos 13 anos, impressionada com aquelas e , cheguei um dia em casa, tomei papel e caneta, apaguei a luz, acendi a lamparina e disse: agora sou eu e você, escuridão! E escrevi freneticamente um romance ao som de uma imaginária a qual até hoje me lembro.

O nome do romance era “Vidas vazias”. Não as vidas dos humanos, mas as dos deuses. O livro sumiu como que por encanto. Desde então passei a amar também a escuridão, pois é dela que nasce a luz!

Maria Félix Fontele, poetisa, jornalista, editora, escritora e ghost writer na empresa  Marianete, trabalhou como chefe de reportagem no jornal Correio Braziliense, da capital federal do Brasil e também no Governo do Distrito Federal. Maria Felix Fontele é casada com o poeta e cordelista Gustavo Dourado, presidente de Academia Taguatinense de Letras do Distrito Federal, com Gustavo Dourado, com quem tem dois filhos: Gustavo e Elias. Conselheira da , Maria Félix é também da Academia Taguatinense de Letras, como seu esposo.
 
“VIDAS VAZIAS”. NÃO AS DOS HUMANOS, MAS AS DOS DEUSES
Foto: Antonio Miranda/ Maria Félix
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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