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Davi Kopenawa: “Eles querem acabar com minha vida, mas eu não quero morrer”

: “Eles querem acabar com minha vida, mas eu não quero morrer”- Liderança do povo Yanomami, ameaçada desde a década de 1980, Davi enxerga com preocupação o próximo período político…

Por Rute Pina e Luciana Console/ de Fato 
“Dói pra mim. Eu era amigo do Chico Mendes. Você conheceu ele, né? Um cara pagou um pistoleiro e mataram ele. Para mim, tem muito perigo”. A declaração de alerta é de Davi Kopenawa, uma das principais lideranças do país, ameaçado de morte por sua atuação na Terra Indígena (TI) Yanomami, entre Roraima e Amazonas, na fronteira com a Venezuela.

A TI foi homologada em 1992. Mas, desde a década de 1980, Kopenawa denuncia a exploração desenfreada e nociva do garimpo na região.

“Eles pensam que sou chato, que eu atrapalho eles, que eu sou yanomami ruim. Eu não sou yanomami ruim, não. Eu protejo meu povo. E a sociedade não-indígena não gosta. Eles querem acabar com minha vida, mas eu não quero deixar isso acontecer.”

O xamã tem trabalho incansável em defesa da comunidade indígena, da natureza e dos xapiri, espíritos guardiães que dançam e brincam na floresta.

O novo governo dos nabëbë, os brancos, preocupa a liderança indígena. Kopenawa conversou com o Brasil de Fato em dezembro, antes da posse do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL), em uma rápida passagem por São Paulo (SP).

“Sem eu conhecer, eu não posso falar contra ele. Ele é representante do nosso país. Eu só queria que ele respeitasse nossa lei. A lei que está na Constituição Federal, onde garante nosso nome, do povo indígena. Só isso que eu queria que ele respeitasse”, disse a liderança.

“Eu não tenho medo dele, não. Eu só vou ficar com medo quando ele começar atacar a gente. Eu estou esperando ele vir falar comigo, com meu povo, com o povo indígena”, disse o xamã em fala calma.

“Mas estamos sabendo que ele vai mexer com a terra indígena que não está demarcada, ele vai acabar com a saúde indígena. Mas eu não queria falar, assim, atrás. Eu queria falar na frente, olhando olho no olho. Sou hoje, para os yanomami, uma autoridade como ele [Bolsonaro]. Então, precisamos falar”, continua.

De fato, um dos primeiros atos presidenciais de Bolsonaro foi transferir a competência da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, comandado pela ruralista Tereza Cristina (DEM-MS). O presidente também voltou a atacar “privilégios” de indígenas e quilombolas no Twitter.

Kopenawa rejeita as propostas de integração e exploração econômica das terras indígenas, assim como as falas preconceituosas saídas do presidente sobre os povos originários.

“Ele não pode chegar aqui para destruir a natureza, sujar nossos rios, botar a mineração nas terras indígenas e diminuir a terra indígena. Ele não pode falar contra nós, que é pouco índio e a terra é grande, que índio é preguiçoso e não faz nada. Essa palavra eu não gosto”, diz o indígena na conversa mediada por uma antropóloga e intérprete.

Referência internacional

Davi Kopenawa nasceu por volta de 1956, na aldeia de Marakana, no extremo norte do Amazonas. Ele recebeu, por sua luta pelos direitos indígenas, o Prêmio Global 500 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em Nova York. Em 1999, também foi condecorado com a Ordem do Rio Branco ao grau de Cavaleiro em pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Kopenawa foi intérprete da Funai por 10 anos, entre 1985 e 1995. Hoje, ele preside a Hutukara, associação de articulação dos yanomami.

A liderança criticou as declarações de Bolsonaro sobre a “integração” que impõe a cultura ocidentalizada e fomenta o êxodo de jovens nas aldeias.

“Eles [os jovens] querem conhecer a cidade. Eles querem conhecer, passear, olhar e experimentar a cultura do branco. Eles pensam que a cultura do branco é fácil”, pondera.

“Sem emprego, não conseguem. Sem emprego, passam . Não têm casa para morar, não têm parente, não têm amigos. Toda a comida da cidade é comprada. Na aldeia não, a aldeia é de graça. Yanomami que está na ponta, na base, está passando bem. Aqui tem comida, caça, peixe, fruta, buriti, castanha, banana.”

Sua militância é reconhecida internacionalmente. O reverenciado livro A queda do céu (Companhia das Letras, tradução de Beatriz Perrone-Moisés e prefácio de Eduardo Viveiros de Castro), resultado da parceria com o etnógrafo francês Bruce Albert, foi publicado originalmente na França em 2010 — a obra ganhou edição brasileira cinco anos depois.

As ameaças que recaem sob Kopenawa desde 1986 voltaram a se intensificar em 2013, quando o xamã esteve à frente de um relatório que explicita ao menos 84 indícios de dentro da área indígena yanomami. A atividade impacta diretamente os quase 26 mil indígenas que vivem no local.

“Eu não tenho medo da morte. Tenho medo da bala. Eu estou na cidade por coragem, pra proteger o povo yanomami.”

Davi Yanomami Victor MoryamaFoto: Victor Moryama

Edição: Ribeiro Nogueira/ Fonte: Brasil de Fato


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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