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Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

No bairro de Palermo, região nobre de , visitei alguns meses atrás um restaurante curioso.

Por Juliano Medeiros/Mídia Ninja

O lugar, uma espécie de igreja peronista, tem um altar dedicado a Perón e Evita, além de outros líderes do movimento. A cada 20 minutos todos entoam a famosa Marcha Peronista, hino composto em 1948. São vários intervalos ao longo da noite. Desconhecidos se abraçam, taças são erguidas. O restaurante quase vem abaixo.

O peronismo é, sem dúvida, o principal movimento político do último século na Argentina. Só isso explica que, 75 anos depois, pessoas de todas as idades sigam entoando o hino a Perón. Tão longevo quanto heterodoxo, o peronismo agregou ao longo da políticos como Carlos Menem – o pai do argentino – e Nestor Kirschner, que alinhou o país à chamada “onda rosa” de governos de centro- do início dos anos 2000.

A derrota de Sérgio Massa no segundo turno das eleições presidenciais e a vitória do ultradireitista Javier Milei, portanto, não devem nos enganar: o peronismo segue sendo uma força e social relevante. A pergunta que muitos começam a se fazer, porém, é se ele poderá responder aos desafios de uma Argentina profundamente impactada pela crise do neoliberalismo.

Numa espécie de advertência, o governador reeleito da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, um dos nomes da nova geração do peronismo de esquerda, afirmou que “é preciso compor uma nova canção”, numa sutil crítica à longevidade de certas crenças peronistas que poderiam ser representadas simbolicamente na tradicional Marcha Peronista.

Não demorou para que seu apelo à renovação fosse alvo de críticas. A resposta mais contundente veio do principal líder do movimento La Cámpora, Máximo Kirchner, filho de Néstor e Cristina. Rechaçando a proposta de Axel, Máximo afirmou, taxativo: “eu não me dedico à ; eu sou militante”. A resposta do herdeiro político dos Kirchner demonstra a dificuldade de enfrentar o debate da renovação – e de perceber a beleza das metáforas.

Acontece que, não só na Argentina mas em toda a região, já está em curso um processo de renovação das esquerdas. Uma renovação que não significa a simples negação das lutas do passado, mas a busca por uma atualização estratégica capaz de interpretar e agir num mundo em profunda transformação. Afinal, reconhecer o valor da geração que enfrentou as primeiras décadas de neoliberalismo na America Latina deveria ser, antes de tudo, um imperativo moral para qualquer militante das novas gerações.

Mas esse reconhecimento não significa eternizar práticas, visões de mundo e táticas que já não se adaptam à realidade. A estratégia hegemônica do progressismo latino-americano chegou ao seu limite. Por isso, em abril desse ano, reuniram-se em Santiago lideranças de nove países para pensar os desafios da nova geração de esquerda na América Latina. Partindo do pressuposto de que os países da região compartilham problemas comuns e que as fórmulas tradicionais de mera “gestão” do sistema dão claros sinais de fadiga, essas lideranças criaram a Rede Futuro, um espaço de construção de uma estratégia para a disputa do ciclo político que se abriu com o fim da primeira onda de governos populares.

Em comum, essas lideranças reconhecem que é preciso ir além da simples luta contra o neoliberalismo. Também manifestam em sua carta de fundação que “diante de um cenário complexo, urge repensar as estratégias das esquerdas e seus mecanismos de articulação para construir novos horizontes que convoquem e reúnam os setores populares, que se apoderem das conquistas e, também, que superem os limites das experiências do passado, que encantem nossos povos com uma democracia mais vigorosa e atenta às suas demandas e sonhos, que situem no centro de suas agendas temas, problemáticas, lutas e desafios relegados pelos olhares economicistas da transformação”.

Essa nova esquerda – que não é nova apenas em termos geracionais – reconhece o valor do velho progressismo e seu papel na consolidação da democracia e na promoção de políticas de combate às desigualdades. Mas quer retomar a de uma Patria Grande socialista de democrática. Em outras palavras, assim como Axel Kicillof, sabe que é de “compor novas canções”. Coincidentemente o podcast da Rede Futuro – disponível em plataformas como Spotify – se chama Sudamerican Rockers.

A vitória de Milei é também a derrota de uma estratégia. A Argentina – como todo a região – precisa de uma nova esquerda que tenha como inimigos o neoliberalismo e a extrema , mas que também seja portadora de uma nova rebeldia. Sem renunciar à unidade e valorizando a história de lutas e resistência do povo argentino, há uma janela histórica aberta para novos sonhos e canções.

Fonte: Mídia Ninja Capa: Reprodução/El Cronista 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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