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XEQUE-MATE

XEQUE-MATE: “JOGANDO CONTRA TODOS E CALADO”

Xeque-mate

Por Mestre Bueno do Barão

Jogando contra todos e calado; pele preta calejada já…
Meu riso triste e forjado bateu nas paredes brancas do recinto reverberando.
Pois não, nas paredes claras da ignorância de todos os sobrenomes;
aqueles pomposos e importantes que não tive, e que também não quereria ter.

Como tambores de pranto e canto, encanto: pulsam surdos;
o sangue de minha desenganada cultura negra abandonada.
Vilas Bôas, e o Bueno, sempre tão miscigenados e impuros. Valei-me.
Não nasci Caiado, ou sequer nasci Curado, nasci para curar.

Aos outros olhos todos existe uma importância branca sobre a negra;
mas não os meus olhos e ouvidos da alma. Vejo e escuto mais.
Senti a palavra branca tocar minha aura negra e vermelha,
ou talvez o contrário que seja (que seja!):

uma mais piada da pele, outra palmada “de mentirinha” que fere,
uma verdadeira ossada primata metafórica e branca ri em demência cultural;
Não respeitam povo nenhum aqui ou ali que não seja dos Reinos de Goiás.
Povos originários, pretos, desgosto dos outros. Quão mais? Onde mais?

E minha sapiência religiosa ecumênica e o que ela sabe choram!
O Sol corre em minhas artérias grossas fervendo meu sangue preto
de cultura milenar de luta e pés no chão, terra vermelha ou preta,
derramando meu suor e meu sangue, fazem afinal uma mesma cor.

Suplica por mais que a resposta irônica dada em riso. Mais piadas sobre pele?
Sou peão e rei de um mesmo tabuleiro de xadrez: meu próprio tabuleiro.
Casas e reinos pretos, vermelhos e brancos em batalha todos os dias.
Meu coração pensa em orar – sempre: à Abadia, Ticê ou Iemanjá.

Ao oco do ovo de quem não crê em tudo. Nada mais. Nada?
Quem defende meu existir negro-vermelho em protestar?
Percebo que meu silêncio outrora era o próprio abismo do branco
que de injusto sofrimento desdenha de minha cor preta misturada.

Uma batida, a bote, que sustenta um canto alto,
ressoado em minha melanina afiada, fina, fiada até,
aguçada, provocada, sustenta a balança exata:
a piada é não mais a existência de minha tez oprimida em minha vez,

A piada é a cegueira, a surdeira, a demência…
E as várias descontroladas línguas e insanidades
que o preconceito espasmaticante faz retumbar.

Finalmente nossa consciência, preta, vermelha e branca,
satisfatoriamente, ri. Não existe xeque-mate aqui, não precisamos seguir em cores,
viver de verdade, ser e estar, e ver a vida,
não é jamais como que jogar uma partida de xadrez. Na vida não existe vencedor.

Capa: Musa Paradisíaca. Rosana Paulino. 2018. Reprodução/C& América Latina (C&AL)

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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