Zuzu Angel: Mãe de preso político desaparecido. Feminista. Pioneira do movimento brasilidade

Zuzu Angel: Mãe de preso político desaparecido. Pioneira do movimento brasilidade em moda alta costura.

Zuleika Angel Jones tinha por nome de batismo: Zuleika de Souza Netto.  Conhecida como Zuzu Angel no mundo da alta costura, foi uma famosa estilista brasileira, nascida em Curvelo, , em 5 de junho de 1921.

Mãe do militante político Stuart Edgar Angel Jones e da jornalista Hildegard Angel, Zuzu inovou ao desenhar e pintar sua moda. Adotou o sobrenome Angel, de seu marido americano Norman Angel Jones, e a figura de um anjo passou a ser a marca registrada de suas criações.

Ainda criança mudou-se para Belo Horizonte e quase por brincadeira descobriu sua vocação. Começou criando e costurando modelos originais para suas primas. Logo correu à boca miúda que os belos cortes e vestidos vinham das mãos de fada e da cabeça farta de ideias da competente Zuzu.

No auge de sua juventude mudou-se para a Bahia, onde encontrou eco para sua nova tendência e incorporou em suas criações a e as cores da terra baiana. Porém foi mais tarde, nos anos 1950, já no Rio de Janeiro, que deu início oficial à sua carreira de estilista.

Costurou e criou moda por muitos anos e conseguiu ajuntar dinheiro para abrir uma loja no bairro de Ipanema. Misturou renda, seda, fitas e chitas com temas regionais e folcloristas, ajuntou tecidos estampados de pássaros, borboletas e papagaios com pedras brasileiras, fragmentos de bambu, de madeira e conchas.

Essa nova moda agradou a burguesia e emergentes. Zuzu virou a estilista dos ricos e famosos. Sua moda seguiu para o mundo, começou a realizar desfiles de moda nos EUA, sempre destacando a alegria e a riqueza de cores da .

Foi Zuzu quem trouxe para o e popularizou no universo da moda nacional o termo fashion designer, iniciando o que hoje conhecemos por moda fashion.

Entretanto, o destino lhe reservou uma amarga porção: nos anos de Chumbo, a elegante Zuzu é obrigada a “descer do salto” e se embrenhar nos escuros porões da ditadura militar em busca de seu amado filho Stuart Angel Jones.

Nessa sua sofrida missão de tentar encontrar, pelo menos, o de seu filho, tornou-se um ícone ao desafiar as leis impostas pela ditadura militar.

Seu filho Stuart envolveu-se na política e integrou o grupo guerrilheiro de ideal socialista MVR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) que combatia o regime militar instalado em 1964 no país.

Jovem culto, formado em Economia, com dupla – americana e brasileira –, foi preso em 14 de abril de 1971 e foi barbaramente torturado até a morte pelo Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.

Sua mãe, Zuzu Angel, tentou em vão recuperar e enterrar o corpo do filho que deu sua por um ideal.  Esse corpo jamais foi encontrado e figura entre a lista dos desaparecidos políticos.

Sua contra o regime militar e pela recuperação do corpo de seu filho foi feita em forma de denúncia trazida nas suas estampas e, dessa maneira, conseguiu chamar a atenção dos Estados Unidos.

Zuzu criou uma coleção que trazia estampadas manchas vermelhas, pássaros engaiolados e motivos bélicos, com representação de armas. Sua marca registrada, o anjo, vinha ferido e amordaçado. Este anjo simbolizava o filho morto e desaparecido.

Em setembro de 1971, ela realizou um desfile-protesto no consulado do Brasil em Nova York. Declarava abertamente seu repúdio ao regime militar e inteligentemente desafiava uma lei da ditadura militar que impedia aos brasileiros que criticassem o país no exterior. Tecnicamente estava em território brasileiro, mas em outro país.

O jornal canadense The Montreal Star ecoou seu protesto: “Designer de moda pede pelo filho desaparecido”.  O Chicago Tribune fez o mesmo: “A mensagem política de Zuzu está nas suas roupas”. Suas roupas passaram a ser vendidas em lojas de renome como Bergdorf Goodman, Saks, Lord & Taylor, Henry Bendell e Neiman Marcus,que passaram a vender suas roupas. Celebridades de Hollywood, como Joan Crawford, Liza Minelli e Kim Novak também se envolveram em sua causa.

No início de 1973 foi ao apartamento do general Ernesto Geisel no Leblon, acompanhando Henry Kissinger, então secretário de estado norte-americano e suplicou pelo corpo do filho ao próprio presidente do regime militar. Não foi atendida. Em 1976, conseguiu furar a segurança pessoal do presidente e entregou-lhe um dossiê com os fatos sobre a morte do filho. Também dessa vez não obteve sucesso.

O senador Edward Kennedy denunciou a morte de Stuart no plenário americano e atiçou ainda mais a ira do governo militar brasileiro contra a mãe angustiada. Numa atitude de desespero Zuzu, durante a aterrisagem de um voo, tomou o microfone de bordo da mão de uma aeromoça e anunciou aos passageiros que eles desembarcariam no Brasil, país onde se torturava, se matava e se desaparecia com os corpos de jovens estudantes idealistas.

A morte de Zuzu ficou envolta sob um espesso manto de mistério depois de um acidente de carro, em 1976. Uma dúvida risca o ar. Terá sido um assassinato a morte de Zuzu? O que se sabe é que seu Karmann Ghia TC na Estrada da Gávea, à saída do Túnel Dois Irmãos – hoje Túnel Zuzu Angel (Estrada Lagoa-Barra), derrapou, saiu da pista, chocou-se contra a mureta de proteção, capotou e caiu na estrada abaixo, matando-a instantaneamente.

Uma semana antes do acidente, Zuzu visitou o amigo Chico Buarque de Hollanda e deixou com ele um documento para que fosse publicado caso lhe acontecesse uma fatalidade, onde se lia: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”. Em 1998, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos julgou o caso Zuzu Angel sob número de processo 237/96 e reconheceu que, “por ter [Zuzu] participado, ou por ter sido acusada de participação, em atividades políticas, tenha falecido por causas não-naturais, em dependências policiais ou assemelhadas”.

Notícias de Stuart voltaram à tona em 2014, quando em inquérito, instaurado pela Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo (DOPS – ES) confessou e confirmou a participação dos agentes da na morte de Stuart Angel Jones.

Zuzu recebeu inúmeras homenagens depois de sua morte. Chico Buarque compôs e Miltinho do MPB colocou melodia na canção Angélica, em 1977. Em 1988, o escritor maranhense José Louzeiro escreveu o romance Em carne viva, com personagens e situações que se assemelham ao drama vivido por Zuzu Angel. Em 1993, Hildegard Angel criou o Instituto Zuzu Angel de Moda do Rio de Janeiro, em memória de sua mãe. Em 2006, um sobre sua luta e vida, protagonizado por Patrícia Pillar, foi lançado pelo cineasta Sérgio Rezende com o nome: Zuzu Angel.

A luta da mãe e estilista não deve figurar em vão, ao contrário, deve servir de alerta para que anos de repressão não ceifem vidas e nem assolem os ideais políticos em nosso país. Salve Zuzu!

Iêda Vilas-Boas
Escritora

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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